A manifestação de 7 de setembro foi um grande fracasso para as intenções golpistas do presidente. Os bolsonaristas prometeram uma revolução liderada por policiais e caminhoneiros, mas o que vimos foi apenas um punhado de fanáticos barulhentos e inofensivos. A “maior manifestação da história do Brasil” ficou longe de acontecer. Gastaram muita grana e se mobilizaram como nunca, mas nenhuma promessa golpista foi cumprida.
Durante a ressaca, o presidente machão, o “imbrochável”, protagonizou uma série de brochadas humilhantes. Vejamos. Há três semanas, o deputado bolsonarista Sérgio Reis havia anunciado uma greve geral de caminhoneiros que bloquearia as estradas a partir do dia 7 de setembro. Eles até iniciaram o bloqueio, mas, no dia 8, Bolsonaro gravou um áudio pedindo para que os caminhoneiros liberassem as estradas. Os grevistas não acreditaram na fraquejada do mito e chegaram até a suspeitar da veracidade do áudio.
Esta seria apenas a primeira das muitas arregadas pós-7 de setembro. Após passar meses atacando o papel da China no combate à pandemia, Bolsonaro passou a afirmar que a parceria com a China é “essencial” para o combate à pandemia no Brasil. Mas a maior brochada viria em uma cartinha de desculpas para o STF, dois dias após prometer na manifestação em São Paulo que não cumpriria mais nenhuma decisão de Alexandre de Moraes.
O texto da carta foi redigido por Michel Temer, o ex-presidente a quem Bolsonaro já acusou de ter “roubado muito em Brasília” e que merecia ir para a cadeia. Quando Temer foi preso, Bolsonaro disse que o motivo que o levou à prisão foi o “excesso de afinidade do Executivo com o Legislativo”, em que a “governabilidade vem em troca de cargos, em ministérios, estatais e bancos oficiais” — exatamente o que ele vem fazendo com o Centrão. Agora só lhe falta a cadeia.
“Eu autorizo” era o lema do gado ensandecido para incentivar o presidente a cumprir sua promessa golpista. A frustração dos eleitores bolsonaristas diante do fracasso do dia 7 foi do tamanho da expectativa criada. Até os mais fanáticos jornalistas de aluguel do bolsonarismo como Allan dos Santos se mostraram frustrados. O estrago foi grande, mas, aos poucos, o gado desgarrado vai voltando para o cercadinho enfeitiçados por uma nova narrativa criada para justificar a covardia do presidente: a de que Bolsonaro deu um passo atrás para voltar com tudo contra o STF em breve.
Não é a primeira vez que Bolsonaro recua das ameaças golpistas. Pelo contrário, ele arrega toda vez que se vê com a corda no pescoço. Quando a corda afrouxa, ele volta a colocar a faca de volta no pescoço da democracia. Nada indica que esse modus operandi irá mudar. Bolsonaro governa pensando em agradar exclusivamente seus bolsominions, e a eles foi prometida a “destruição do sistema”.
Apesar de ter ficado claro que não tem força para dar um golpe, a ameaça golpista não será descartada e pode voltar a qualquer momento para cima da mesa. O golpismo sempre vai estar presente, porque é isso que mobiliza o seu eleitorado. Ele ainda vai latir muito, mas já está evidente que não irá morder ninguém.
O fracasso do 7 de setembro tornou Bolsonaro ainda mais fraco e minúsculo. Como a história recente do Brasil nos ensina, um presidente fraco é visto pelo Centrão como a carniça pelo urubu. Agora, Bolsonaro irá comer ainda mais na mão do “sistema” que prometeu destruir. O Centrão, devidamente acomodado em cargos no governo, sempre cobrará um preço alto de um presidente fraco. O presidente da Câmara, Arthur Lira, fez o que se espera de uma liderança do Centrão: adotou um tom moderado, não criticou diretamente o presidente e se limitou a defender a democracia com platitudes. Tudo o que ele quer é a pacificação para que os bons negócios que sua turma está fazendo não sejam prejudicados.
O Centrão continua alinhado ao governo — assim como esteve em todos os governos anteriores —, mas o cheiro de queimado começou a subir e isso pode mudar. A então presidenta Dilma, mesmo com a impopularidade nas alturas, contou com o apoio do Centrão até o último minuto e só não se manteve no cargo porque se recusou a pagar o preço cobrado: os votos de petistas que livrariam Eduardo Cunha de uma cassação — e, consequentemente, da prisão — na Comissão de Ética. Com o destino selado, o líder do Centrão desengavetou o pedido de impeachment contra a presidenta.
A fidelidade desse grupo de parlamentares só existe enquanto lhe for conveniente. Enquanto Lira estiver sentado sobre uma pilha de pedidos de impeachment contra Bolsonaro, o Centrão seguirá dando as cartas no governo. Quem sustenta o governo hoje é o mesmo que pode derrubá-lo amanhã. Mas esse possível rompimento não se dará antes do Centrão sugar o Planalto até o último centavo.
As investigações estão cada vez mais perto das fontes de financiamento dos crimes de Bolsonaro e sua família, e o STF tem demonstrado não ter problema em prender bolsonarista. É desse temor de ir para a cadeia que vieram os recentes recuos. O governo Bolsonaro acabou no dia 7, mas o bolsonarismo segue vivo. Ainda há uma minoria fanática e barulhenta que continuará dando trabalho para a democracia.
Para tentar evitar o impeachment e a prisão, Bolsonaro tenta se equilibrar entre acalmar os ânimos do STF, afagar ainda mais o Centrão e fazer com que o gado continue atendendo ao som do berrante.
Como bem afirmou o senador Alessandro Vieira, “Bolsonaro é só mais uma peça no sistema, preocupado em esconder rachadinhas, mansões e incompetência. E o sistema adora presidentes fracos. Facilita demais o acesso a cargos, grana e impunidade”. O impeachment de Bolsonaro não ocorreu até agora porque grupos importantes ainda se beneficiam da sua presença no Planalto. Mas esse “grande acordo nacional” que o mantém no cargo nunca esteve tão frágil (e caro).
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