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EUA liberam documentos sobre a pesquisa com coronavírus no laboratório de Wuhan

O Intercept obteve mais de 900 páginas de documentação relacionada à pesquisa sobre coronavírus no laboratório chinês, financiada pelos Estados Unidos.

O Instituto de Virologia de Wuhan, na província central de Hubei, na China, é visto em 3 de fevereiro de 2021.

Novos documentos divulgados trazem detalhes a respeito de pesquisas sobre vários tipos de coronavírus financiadas pelos Estados Unidos no Instituto de Virologia de Wuhan, na China. O Intercept teve acesso a mais de 900 páginas de documentos detalhando o trabalho da EcoHealth Alliance, uma empresa de saúde com sede nos Estados Unidos, que usou dinheiro federal para financiar pesquisas com coronavírus de morcego no laboratório chinês. O volume de documentos inclui duas propostas de financiamento até então não publicadas, que foram bancadas pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, bem como atualizações de projetos relacionados à pesquisa da EcoHealth Alliance, analisadas à medida que cresce o interesse nas origens da pandemia.

Os documentos foram divulgados de acordo com a atual disputa entre o Intercept e o grupo de Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, o NIH, no escopo da Lei de Liberdade de Informação. O Intercept está disponibilizando todos os documentos ao público.

“Trata-se de um roteiro para uma pesquisa de alto risco, capaz de ter provocado a pandemia atual”, disse Gary Ruskin, diretor executivo do Right to Know, um grupo dos Estados Unidos que está investigando as origens da covid-19.

Um dos documentos, intitulado “Compreendendo os riscos do surgimento do coronavírus de morcego”, descreve um esforço ambicioso liderado pelo presidente da EcoHealth Alliance, Peter Daszak, para examinar milhares de amostras de morcegos em busca de novos coronavírus. A pesquisa também envolveu a triagem de pessoas que trabalham com animais vivos. Os documentos contêm vários detalhes importantes sobre a pesquisa em Wuhan, incluindo o fato de que o trabalho experimental com camundongos “humanizados” – geneticamente modificados – foi conduzido em um laboratório de biossegurança nível 3 no Centro de Experimentação Animal da Universidade de Wuhan – e não no Instituto de Virologia de Wuhan, como se imaginava anteriormente. Os documentos levantam mais questões sobre a teoria de que a pandemia pode ter começado em um acidente de laboratório, ideia que Daszak  rejeitou  de forma agressiva.

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A verba para a pesquisa sobre o coronavírus de morcego abasteceu a EcoHealth Alliance com um total de US$ 3,1 milhões, incluindo US$ 599 mil que o Instituto de Virologia de Wuhan usou em parte para identificar e modificar coronavírus de morcego com possibilidade de infectar humanos. Mesmo antes da pandemia, muitos cientistas mostravam preocupação com os potenciais perigos associados a esses experimentos. A proposta da pesquisa já reconhecia alguns desses perigos: “O trabalho de campo envolve o maior risco de exposição a SARS ou outros CoVs, pois o trabalho é realizado em cavernas com alta densidade de morcegos e com potencial para inalação de poeira fecal.”

Alina Chan, bióloga molecular do Instituto Broad, disse que os documentos mostram que a EcoHealth Alliance tem motivos para levar a sério a teoria do vazamento do vírus em laboratório. “Nessa proposta, eles até apontam que sabem o quão arriscado é o trabalho. Eles falam sobre a possibilidade de pessoas serem mordidas – e mantêm registros de todos que foram mordidos”, disse Chan. “A EcoHealth tem esses registros? E se não tem, como eles podem excluir a possibilidade de um acidente relacionado à pesquisa?”

De acordo com Richard Ebright, biólogo molecular da Rutgers University, os documentos contêm informações cruciais sobre a pesquisa feita em Wuhan, inclusive a respeito da criação de novos vírus. “Os vírus que eles desenvolveram foram testados quanto à sua capacidade de infectar camundongos projetados para possuir receptores do tipo humano em suas células”, respondeu Ebright ao Intercept após analisar os documentos. Ebright também disse que os documentos deixam claro que dois tipos diferentes de novos coronavírus foram capazes de infectar camundongos humanizados. “Enquanto trabalhavam no coronavírus relacionado à SARS, um projeto paralelo era realizado ao mesmo tempo no coronavírus relacionado à MERS”, disse Ebright, referindo-se ao vírus que causa a Síndrome Respiratória do Oriente Médio.

Questionado sobre os materiais relacionados ao pedido de financiamento para a pesquisa, Robert Kessler, gerente de comunicações da EcoHealth Alliance, respondeu: “Solicitamos financiamento para conduzir pesquisas. As agências relevantes ao tema consideraram essa pesquisa importante e, por isso, a financiaram. Portanto, não sei se há muito mais a dizer.”

O financiamento foi concedido inicialmente por um período de cinco anos, de 2014 a 2019. O subsídio foi renovado em 2019, mas suspenso pela administração Trump em abril de 2020.

O parente mais próximo do SARS-CoV-2, que causa a covid-19, é um vírus encontrado em morcegos, o que torna os animais um ponto focal nos esforços para entender as origens da pandemia. Saber exatamente como o vírus atingiu os humanos ainda é assunto de debate. Muitos cientistas acreditam que foi um transbordamento natural, o que significa que o vírus passou para os humanos em um ambiente como um mercado úmido ou área rural onde humanos e animais ficam em contato próximo. Por outro lado, especialistas em biossegurança e internautas que suspeitam de origem em laboratório passaram mais de um ano examinando informações públicas disponíveis e publicações científicas obscuras em busca de respostas. Nos últimos meses, importantes cientistas também solicitaram uma investigação mais profunda  acerca das origens da pandemia, assim como o presidente Joe Biden, que em maio ordenou que a comunidade de inteligência estudasse o assunto. Em 27 de agosto, Biden anunciou que a investigação da inteligência foi inconclusiva.

Biden culpou a China por não divulgar dados importantes, mas o governo dos Estados Unidos também tem demorado na divulgação de informações. O Intercept solicitou as propostas de financiamento em setembro de 2020.

“Gostaria que este documento tivesse sido divulgado no início de 2020”, disse Chan, que pediu que a teoria da origem do vírus pelo vazamento em laboratório fosse investigada. “As coisas teriam mudado muito, apenas por termos todas as informações em um só lugar, de forma imediata e transparente, em um documento confiável apresentado pela EcoHealth Alliance.”

A segunda proposta de financiamento, “Compreendendo o risco de surgimento do vírus zoonótico em focos emergentes de doenças infecciosas no sudeste da Ásia”, foi aprovada em agosto de 2020, com duração até 2025. A proposta, escrita em 2019, parece profética em vários momentos, focando na ampliação e na implantação de recursos na Ásia para o caso de um surto de uma “doença infecciosa emergente”, além de referir-se à Ásia como “o principal foco de surgimento de doenças infecciosas”.

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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