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Mercado financeiro passou pano para experimentos mortais da Prevent Senior com hidroxicloroquina

Estudo irregular com falso tratamento precoce matou nove pessoas, mas impulsionou maior lucro da empresa nos últimos cinco anos.

SÃO PAULO, SP, 18.03.2020 - Fachada da Prevent Senior em São Paulo. (Foto: Cris Faga/Folhapress)

A crise do coronavírus

Parte 166


Mercado financeiro passou pano para experimentos mortais da Prevent Senior com hidroxicloroquina

Foto: Cris Faga/Folhapress

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept Brasil. Assine. É de graça, todos os sábados, na sua caixa de e-mails.

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Em março deste ano, ouvi de uma pessoa muito próxima aquilo que eu havia temido nos 12 meses anteriores: ela estava com sintomas de covid-19. Com mais de 60 anos, ainda longe de tomar a vacina, ela se infectou bem no começo da pior onda da doença que tivemos no Brasil. Os hospitais já estavam superlotados, e o país registrava cerca de 1.800 mortes diárias pela doença.

Ela tentou, no entanto, me acalmar: “o plano de saúde já me mandou um kit de remédios e vitaminas”.

O teste havia sido marcado só para o dia seguinte, mas o “kit covid” já estava a caminho, enviado pela Prevent Senior. Era um pacote com comprimidos de hidroxicloroquina e de azitromicina, vitaminas D e C e zinco. Tentei convencê-la de que os remédios não tinham eficácia e que o kit era contraindicado por médicos sérios. Foi em vão. “A mãe do dono da Prevent tomou e não morreu”, “é por isso que eles estão com índices baixos de ocupação nas UTIs” e “mal não vai fazer” foram alguns dos argumentos que ouvi. A Prevent mandou, ainda, um termo de responsabilidade para que a paciente assinasse.

Os comprimidos começaram a ser consumidos no mesmo dia, antes mesmo do teste. O RT-PCR foi positivo. No fim, felizmente, a doença foi leve. A paciente creditou a recuperação ao “tratamento precoce”, ainda que os remédios nada tivessem a ver com isso – como inúmeros estudos já mostraram.

Agora, está mais clara a motivação da Prevent Senior no empenho para mandar o kit covid aos clientes – ainda que não tivessem sido contaminados pela doença. Os médicos do plano de saúde tinham metas para prescrever a medicação. É isso o que mostrou um dossiê elaborado por médicos da empresa, que revelou protocolos escabrosos, como impor remédios ineficazes aos pacientes nos serviços médicos do plano, submetê-los a tratamentos experimentais sem autorização de autoridades de saúde e familiares e ocultar mortes em um estudo feito irregularmente. “A regra era ‘espirrou no PS [Pronto Socorro], entrega o kit'”, disse um deles à jornalista Chloé Pinheiro, da Veja.

Mas a conduta da Prevent Senior não foi apenas um experimento feito por médicos negacionistas, que lembrou os ensaios nazistas conduzidos por Josef Mengele. Ela tinha outro propósito: render dinheiro. Muito dinheiro. E teve como cúmplices expoentes do mercado financeiro, que incentivaram e lucraram muito com a distribuição desenfreada de kits covid para os beneficiários do plano.

O balanço financeiro da empresa mostra que 2020, apesar de tudo, foi um excelente ano para os negócios da Prevent Senior. A empresa o terminou com 505 mil clientes na carteira, um aumento de 9% em relação a 2019. Com isso, conseguiu faturar R$ 4,3 bilhões, 18% a mais do que no ano anterior – o que lhe garantiu lucro líquido de R$ 495 milhões, valor 15% superior a 2019. Uma verdadeira façanha para quem, no começo da pandemia, quase teve hospitais interditados por causa da enorme quantidade de mortes.

Mercado financeiro passou pano para experimentos mortais da Prevent Senior com hidroxicloroquina

Gráfico do balanço mais recente da Prevent Senior destaca crescimento da receita da empresa.

A empresa, focada em idosos, viu um aumento surpreendente no número de jovens em sua carteira de clientes no ano passado. A explicação, segundo Pedro Benedito Batista Junior, diretor médico da Prevent Senior, era o boca a boca. “Quem vende nosso plano é o beneficiário que passa pelo atendimento e faz propaganda. E aí o filho do paciente vê o tratamento e percebe que o pai recebe melhor atendimento do que ele, que é mais novo e usa menos o seu plano de saúde. Muitas famílias passaram a nos procurar”, disse ele à Exame.

O protocolo de tratamento precoce teve muita propaganda grátis. A começar pelo próprio Jair Bolsonaro, que divulgou os resultados preliminares do estudo irregular que supostamente mostrava a eficácia da hidroxicloroquina. Assim, ganhou respaldo pseudocientífico para vender ao país a esperança de um tratamento que não existia.

Eduardo Bolsonaro também compartilhou, entusiasmado, a live organizada pela XP Investimentos com os maiores expoentes do negacionismo médico. Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto dividiram os microfones com Pedro Batista Jr. e Fernando Parillo, diretor médico e presidente da Prevent Senior. “Especialistas brasileiros compartilham as evoluções do novo protocolo Prevent Senior, que já tratou 250 pacientes” era a descrição do evento. A live foi tirada do ar pela XP.

Em outra live, realizada em abril de 2020 pelo Itaú – um dos donos da XP –, Parrillo deixou clara sua postura em relação à pandemia. “Precisamos de um plano de ação mais concreto, porque ninguém vai aguentar ficar em isolamento até o final do ano”, criticou. A empresa garantia que, com uso antecipado da hidroxicloroquina, o número de mortes por covid-19 havia caído 60%.

Em agosto, a revista Veja noticiou que, enquanto os planos de saúde perdiam associados durante a pandemia, a Prevent Senior ia no sentido contrário: havia aumentado em 15% o número de clientes. “A Prevent, depois de ser cruelmente vilanizada, exibe sinais de vitalidade, acima até da média das companhias do seu setor, duramente atingidas pela crise”, dizia a reportagem.

“Na esfera judicial, as investigações contra a empresa não deram em nada”, garantiu a Veja. “Fomos vítimas de interesses políticos, era mais fácil bater na nossa empresa do que ter um plano de ação”, disse à revista o CEO, Fernando Parrillo. O kit covid, chamado de “polêmico”, foi destaque no texto. “Entre os dias zero e três da contaminação, a cloroquina evita a internação em 95% dos casos”, assegurou Pedro Benedito Batista Jr., sem ser questionado.

Agora que ficou cristalino que cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina não funcionam – e, inclusive, podem aumentar a mortalidade por covid-19 –, a Prevent Senior entrou na mira da CPI. Os senadores chegaram a convocar o diretor médico da empresa, Pedro Batista Júnior, para depor em 16 de setembro. Ele não apareceu.

Em nota à imprensa, a Prevent Senior afirmou que irá acionar o Ministério Público para apurar o que chamou de “denúncias infundadas e anônimas levadas à CPI por um suposto grupo de médicos” e que tomará as medidas judiciais cabíveis. Também postou um tuíte em que desafiou os “supostos médicos que fizeram denúncias anônimas à CPI” a apresentarem documentos e provas. A mensagem, no entanto, foi apagada pouco depois.

Prevent Senior desafia denunciantes em tuíte de 16 de setembro, excluído no mesmo dia.

No balanço financeiro do ano passado, entre números positivos, não há uma única menção ao tratamento precoce. Sobre a pandemia, ele menciona apenas ações genéricas como “planejamento de ações”, “hospitais preparados”, “remanejamento de consultas”, “testagem em massa” e “home office”. Depois de capitalizar o ano inteiro sobre a conduta, o kit covid sumiu magicamente do relatório enviado aos investidores pela Prevent Senior.

O estrago já estava feito, mas foi bom para os negócios.

Correção – 20 de setembro de 2021, 9h32
O lucro líquido da empresa em 2020 foi R$ 495 milhões. O valor de R$ 4,3 bilhões corresponde ao faturamento líquido. O texto foi corrigido.

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