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Lobby da Pfizer quer dificultar denúncias de fraudes corporativas

A empresa é uma das grandes farmacêuticas contrárias a uma emenda na legislação que amplia a proteção a informantes do setor privado.

Trabalhadores limpam o logotipo da Pfizer em 21 de dezembro de 2020, em Nova York.

A Pfizer e outras grandes empresas farmacêuticas estão pressionando para barrar uma legislação que facilitaria a denúncia de fraudes corporativas e a responsabilização das empresas.

Em meio ao caos do atual ambiente legislativo, que tem boa parte da atenção voltada para o debate sobre o Build Back Better – o plano de reestruturação proposto pelo governo democrata –, os interesses de grandes corporações, incluindo a Pfizer, estão voltados para a luta contra uma atualização da False Claims Act – a Lei de Reivindicações Falsas, conhecida como Lei Lincoln –, uma legislação da época da Guerra Civil que recompensa os informantes que, em nome do governo, proponham processos antifraude contra empresas terceirizadas.

Historicamente, a lei já devolveu 67 bilhões de dólares ao governo, com denúncias que ajudaram a descobrir irregularidades cometidas por empresas terceirizadas da indústria militar, bancos e empresas farmacêuticas.

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Essa lei tem sido especialmente incômoda para a Pfizer. Em 2009, a empresa pagou 2,3 bilhões de dólares em multas criminais e civis para encerrar as alegações de que a empresa comercializava ilegalmente vários medicamentos para uso “off-label”, indicações que não eram especificamente aprovadas pela Food and Drug Administration, a agência reguladora do setor no país. A empresa instruiu sua equipe de marketing a anunciar o Bextra, que foi aprovado apenas para artrite e cólicas menstruais, para uso no tratamento de problemas de dor aguda e cirúrgica. O processo, movido sob a Lei de Reivindicações Falsas, por meio de ações de seis denunciantes, terminou em um dos maiores acordos de fraude da história do setor de saúde.

Mas hoje a lei traz muito menos risco para empresas envolvidas em comportamento criminoso. Isso porque a legislação antifraude foi bastante prejudicada por uma série de decisões de tribunais federais, que expandiram de forma radical o escopo do que é conhecido como “materialidade”. Em 2016, a Suprema Corte decidiu, pelo caso Universal Health Services Vs. United States/Escobar, que uma ação por fraude poderia ser arquivada se o governo continuasse a pagar à empresa terceirizada.

O tribunal argumentou que, caso o governo continue pagando a uma empresa, apesar da atividade fraudulenta, então a fraude não é “relevante” para o contrato. Essa decisão praticamente neutralizou a aplicação da Lei de Reivindicações Falsas contra muitas empresas, que são tão grandes a ponto de o governo não conseguir cortar pagamentos de forma abrupta, e especialmente contra grandes empresas de saúde e terceirizadas do setor de defesa.

Decisões recentes de tribunais, incluindo casos envolvendo a Honeywell e a Halliburton, mostram empresas conseguindo o arquivamento de casos de fraude simplesmente por citar “pagamentos contínuos do governo”. No ano passado, um tribunal distrital federal indeferiu um caso da Lei de Reivindicações Falsas contra a empresa de engenharia Aecom, movido por um denunciante que alegava fraude generalizada no faturamento de um contrato de 2 bilhões do dólares no Afeganistão. Os advogados da Aecom também citaram os pagamentos contínuos do governo à empresa. A ação está em fase de apelação.

Além disso, o governo federal tem desempenhado um papel ativo para desencorajar os casos. Em 2018, o Departamento de Justiça da administração Trump emitiu o “Memorando Granston”, que incentivava a rejeição de novas ações iniciadas por denúncias usando a Lei de Reivindicações Falsas.

Em outubro, o procurador-geral Merrick Garland rescindiu oficialmente o memorando, considerado “excessivamente restritivo”, uma medida vista como incentivo para uma maior aplicação da Lei.

O desmantelamento da legislação provocou um movimento bipartidário, liderado pelo senador republicano Chuck Grassley, de Iowa, para atualizar a lei e dar aos denunciantes maior proteção contra as possíveis retaliações da indústria, e tornar mais difícil que empresas acusadas de fraude a usem para encerrar casos por motivos processuais.

No início deste ano, ao apresentar a legislação, Grassley foi ao plenário do Senado para mostrar imagens de contratos multibilionários da Guerra do Afeganistão, e exemplos de casos de fraude que escaparam da responsabilidade por causa das restrições judiciais impostas à Lei de Reivindicações Falsas.

“Os réus abusam dos contribuintes e escapam porque alguns burocratas do governo não conseguiram fazer seu trabalho”, bradou o senador. “Meus muitos anos investigando o Departamento de Defesa ensinaram que um burocrata do Pentágono raramente tem motivação para reconhecer uma fraude. Isso porque o dinheiro não sai do bolso dele.”

“Um burocrata do Pentágono raramente tem motivação para reconhecer uma fraude. Isso porque o dinheiro não sai do bolso dele.”

A legislação proposta, chamada de Emenda à Lei de Reivindicações Falsas de 2021, ajusta o padrão de materialidade para incluir casos em que o governo fez pagamentos apesar do conhecimento de fraude “caso existam outros motivos” para a continuidade do contrato. O projeto também amplia as proteções anti-retaliação da lei, que atualmente cobrem apenas os atuais funcionários denunciantes de uma empresa. O projeto de lei visa impedir que a indústria coloque os ex-denunciantes que estão em busca de emprego em uma lista de nomes vetados.

Tal pressão gerou um contra-ataque das corporações, parte divulgada e parte encoberta da vista do público. A Pfizer contratou Hazen Marshall, ex-diretor de políticas do líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, republicano do Kentucky, para fazer lobby sobre tema, junto com o  escritório de advocacia Williams & Jensen, uma importante banca que emprega uma série de ex-funcionários do Congresso.

A Pfizer, que se apresentou como heroica na luta contra a Covid-19, e uma empresa cidadã confiável, não respondeu a nosso pedido para comentar a questão.

Em uma votação teste inicial, o projeto foi barrado. Em agosto, Grassley propôs a legislação como uma emenda ao acordo bipartidário de infraestrutura no Senado. O projeto, entretanto, nunca chegou a ser votado devido a uma objeção apresentada em nome dos democratas do Senado.

Em outubro, a legislação novamente passou por uma audiência. O senador Tom Cotton, republicano do Arkansas, tentou eliminar a maior parte do projeto em uma reunião do Comitê Judiciário. A proposta de emenda de Cotton buscava retirar todas as partes substantivas do projeto de lei, exceto seu primeiro título, que é simplesmente a descrição da legislação. Durante o debate do comitê, Cotton argumentou que a Suprema Corte “tomou a decisão certa” no caso Escobar e sobre o “pagamento continuado” como padrão para a materialidade. A legislação “pode potencialmente aumentar os custos da saúde”, argumentou o senador, repetindo as afirmações da indústria de que os processos causados pela Lei de Reivindicações Falsas forçariam as empresas de saúde a aumentar os preços.

A Associação Americana de Hospitais teria feito lobby para adiar a votação, mas o projeto acabou sendo aprovado por 15 votos a 7 no Comitê Judiciário do Senado, com o apoio de Grassley e o principal co-patrocinador do projeto, Senador Patrick Leahy, democrata do Vermont.

“É um esforço de lobby muito bem orquestrado, que pegou nossos apoiadores no Capitólio de surpresa.”

“É um esforço de lobby muito bem orquestrado, que pegou nossos apoiadores no Capitólio de surpresa”, disse Stephen Kohn, advogado de um denunciante que atua no escritório de advocacia Kohn, Kohn & Colapinto.

Muitas das empresas envolvidas no trabalho de lobby preferiram ocultar seus esforços por meio de grupos de terceiros, como a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, que transformou o projeto de lei Grassley em um de seus principais alvos. A câmara não divulga sua filiação ou quais corporações orientam sua defesa, mas relatórios anteriores indicam empresas como Halliburton, Lockheed Martin e JPMorgan Chase, entre outras já acusadas de violações pela Lei de Reivindicações Falsas.

Outros grupos comerciais – incluindo a Associação Americana de Hospitais, o Conselho de Liderança em Saúde, os Fabricantes e Pesquisadores Farmacêuticos dos Estados Unidos e a Associação Americana de Banqueiros – fizeram lobby contra o projeto de lei sem divulgar as empresas que orientaram suas ações.

As empresas conhecidas interessadas que estão fazendo lobby contra o projeto de lei Grassley incluem nomes como Pfizer, Amgen, AstraZeneca, Merck e Genentech. Essas empresas indicaram a legislação em suas divulgações sobre prática de lobby. Todas as cinco pagaram acordos no valor de nove dígitos por fraudes no sistema de saúde trazidas à tona por meio da Lei de Reivindicações Falsas.

“As empresas farmacêuticas são conhecidas por pagar propinas, dar benefícios em troca de uma vantagem competitiva. Há uma razão para que as empresas farmacêuticas e de saúde sejam responsáveis por cerca de 80 por cento das recuperações oriundas da Lei de Reivindicações Falsas”, disse Kohn.

No caso do acordo recorde da Pfizer, denunciantes acusaram a empresa de promover o Bextra para usos não aprovados pela agência FDA, colocando os pacientes em risco de ataque cardíaco e derrame. A empresa supostamente pagou comissões aos médicos para usos “off-label”. A Lei de Reivindicações Falsas, como outras leis conhecidas como “qui tam“, concede aos denunciantes uma parte do dinheiro que o governo recupera em ações judiciais.

“As empresas farmacêuticas são conhecidas por pagar propinas, dar benefícios em troca de uma vantagem competitiva.”

“Toda a cultura da Pfizer é orientada pelas vendas, e se você não vender as drogas ilegalmente, não será visto como um jogador da equipe”, disse John Kopchinski, um dos denunciantes da Pfizer, após o acordo.

A iniciativa de Grassley é defendida por um grande espectro de grupos de observadores que monitoram os desperdícios do governo. Os “Contribuintes contra a Fraude”, o “Centro Nacional de Informantes”, o “Projeto de Vigilância do Governo” e o “Projeto de Responsabilização do Governo” estão entre os grupos que apoiam oficialmente a atualização da lei antifraude.

Mas os defensores demonstram confusão sobre o envolvimento de várias outras supostas organizações de proteção ao contribuinte. Os “Cidadãos contra o Desperdício do Governo” e os “Americanos pela Reforma Tributária”, dois grupos conservadores que não divulgam informações sobre seus doadores, enviaram uma carta aos legisladores pedindo que votem contra a medida Grassley.

Apesar de o grupo “Cidadãos contra o Desperdício do Governo” focar oficialmente no combate ao desperdício do governo, a mesma intenção da Lei de Reivindicações Falsas, o braço de lobby do grupo argumentou em uma carta que o projeto de lei não era apropriado para inclusão no pacote de infraestrutura porque “não está relacionado à infraestrutura tradicional” e o projeto de lei não é totalmente “compreendido pelos 95 senadores que não co-patrocinaram” a legislação. Os “Americanos pela Reforma Tributária” também argumentaram que a legislação não havia “recebido o debate adequado”.

Nem os “Cidadãos contra o Desperdício do Governo”, nem  os “Americanos pela Reforma Tributária” responderam ao nosso pedido de comentário explicando por que eles fizeram um lobby tão agressivo contra uma legislação de proteção do contribuinte, e se existem interesses de doadores envolvidos.

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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