João Filho

Ratinho reclama da impunidade mas passou quase impune por várias transgressões à lei

Na última semana, o apresentador sugeriu no ar o assassinato de uma deputada petista. Pelo seu histórico, é quase certo que ele se escape de mais essa.

(São Paulo - SP, 04/06/2019) Entrevista ao Apresentador Carlos Roberto Massa para o Programa do Ratinho, gravada dia 27 de maio de 2019.Foto: Alan Santos/PR

Ratinho reclama da impunidade mas passou quase impune por várias transgressões à lei

Foto: Alan Santos/PR

Quando a vereadora Marielle Franco foi brutalmente assassinada, o apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, apareceu em vídeo lamentando o ocorrido e concluiu que a causa do assassinato seria a certeza que os bandidos tinham de que ficariam impunes. A impunidade como principal causa dos crimes é um clichê reacionário sacramentado na TV brasileira pelos programas jornalísticos pinga-sangue, que pariram aberrações como o programa do Ratinho para a TV e para a política nacional.

Apesar de ter lamentado o assassinato da vereadora psolista, o apresentador nesta semana sugeriu em uma de suas emissoras que a deputada petista Natália Benavides, do Rio Grande do Norte, deveria ser assassinada com tiros de metralhadora pelo simples fato de discordar de um dos seus projetos de lei. Utilizando a concessão pública de uma de suas emissoras de rádio, o apresentador disparou uma sequência de barbaridades:

“Natália, você não tem o que fazer, não? Você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar roupa a caixa do teu marido, a cueca dele, porque isso é uma imbecilidade querer mudar esse tipo de coisa. Tinha que eliminar esses loucos? Não dá para pegar uma metralhadora, não?”.

Os colegas de programa, seus funcionários, endossaram e debocharam da incitação ao homicídio da petista. Ratinho reviveu a fala de Bolsonaro, que durante a campanha eleitoral falou em “fuzilar a petralhada”.

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Antes de ganhar fama nacional na TV, o apresentador já havia tido muitos mandatos políticos. Entre 1977 e 1983 foi vereador pela Arena — o partido criado para dar sustentação à ditadura militar — em uma pequena cidade no Paraná, Jandaia do Sul. Largou o mandato para assumir um cargo no governo de José Richa, pai de Beto Richa. Depois, entre 1989 e 1995, foi vereador de Curitiba e deputado federal pelo PRN, o partido de Fernando Collor. Ratinho sempre esteve do lado mais reacionário da política nacional. Recentemente, cometeu um sincericídio: “Fui um péssimo deputado. Não votem em mim de jeito nenhum. Não sou democrático. Sou meio ditador”.

Depois que ficou famoso na TV, o apresentador enriqueceu e criou um império de negócios. É dono de emissoras de rádio, de TV, de marcas de tintas, ração, café, cerveja e muito mais. É também um grande latifundiário: tem ao menos 15 grandes fazendas. Comenta-se que hoje o seu patrimônio supera até mesmo o de Sílvio Santos, o seu patrão no SBT.

Apesar da origem política reacionária, não teve problemas em apoiar e bajular ostensivamente Lula durante os seus mandatos na presidência da República. Estar perto do poder sempre foi bom para os negócios. Não foi à toa que ele investiu pesado na carreira política de seu filho, Ratinho Jr., que, em 2002, aos 21 anos, se tornou o deputado estadual mais votado do PSB no estado do Paraná.

Antes de virar governador do estado, Ratinho Jr. ainda foi deputado federal e secretário de Desenvolvimento Urbano do Paraná no governo Beto Richa (perceba que a família Massa sempre foi agraciada com cargos em governos da família Richa). Quando viu que a onda antipetista tinha tomado conta do país, passou a surfá-la. Para eleger seu filho como governador do Paraná, Ratinho percebeu que precisava se reconectar com o reacionarismo. E, assim, ajudou a eleger o governador do PSD que recomenda cloroquina para curar covid e promove despejos ilegais e violentos contra famílias pobres do estado.

Com essas costas quentes na política, o homem que reclama da impunidade dos crimes no país já cometeu uma série de transgressões, além do de incitar o homicídio de uma deputada. Em 2016, ele foi condenado por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão em uma de suas fazendas no interior de Minas Gerais. Segundo a decisão judicial, os trabalhadores não recebiam material de proteção adequado, eram obrigados a se alimentar nos banheiros e nas lavouras e vários deles estavam em situação irregular. O fazendeiro já havia sido condenado anteriormente a pagar multa de R$ 1 milhão por danos morais em uma ação pública movida pelo Ministério Público do Trabalho de Uberlândia por não cumprir obrigações legais em relação aos seus funcionários.

Ratinho acerta em parte quando aponta que a impunidade é a maior causadora dos crimes cometidos no país. Ocorre que, na prática, essa impunidade tende a existir apenas para ricos e poderosos como ele.

Desrespeitar a lei valeu a pena. As indenizações que Ratinho teve que pagar são irrisórias para quem construiu um império do agronegócio. O site “De Olho nos Ruralistas” mostrou outros esqueletos no armário do apresentador. Duas de suas propriedades rurais no Acre estão “numa área de notória tensão indígena e de disputas com posseiros”.

Quando comprou essas terras, parte delas era fruto de grilagem feitas pelos antigos proprietários – um deles era um senador biônico da ditadura. Segundo a reportagem, povos originários contam que foram escravizados nessa fazenda por grileiros paranaenses. Mas o apresentador parece não ver problema algum nisso. Não é à toa o fato dele desprezar a defesa do meio ambiente, o que faz usando o espaço de uma concessão pública. Em seu programa no SBT, disse: “Se todos (os mico-leões) morressem, o que iria mudar pra nós? Nada”.

São incontáveis as barbaridades já ditas por Ratinho publicamente. Vão desde a defesa de um golpe militar, passa por sugerir a “limpeza de mendigos” das ruas do país e até um pedido de fuzilamento de presos. É mais um reacionário que se esconde atrás de um falso conceito de liberdade de expressão para poder incitar crimes. Ratinho é o bolsonarismo em estado bruto.

Hoje, ele ostenta uma relação carnal com o governo, enquanto ele e seus sócios — a esposa e o governador Ratinho Jr. — dão um calote na União de R$ 80 milhões em impostos. Além disso, ele recebeu quase R$ 270 mil de Bolsonaro para fazer um merchandising elogiando a reforma da previdência em seu programa no SBT — uma mamata oferecida apenas para aqueles que não criticam o presidente.

Ratinho acerta em parte quando aponta que a impunidade é a maior causadora dos crimes cometidos no país. Ocorre que, na prática, essa impunidade tende a existir apenas para ricos e poderosos como ele, enquanto os pobres lotam as cadeias do país, que ostenta a terceira maior população carcerária do mundo.

Mesmo com esse vasto histórico de transgressões à lei, Ratinho tem certeza de que poderá continuar a cometê-los, ficando sujeito a no máximo a pagar uma multa irrisória perto do seu patrimônio bilionário. A Procuradoria Parlamentar da Câmara iniciou uma investigação contra o apresentador pelos crimes de injúria e difamação contra a deputada petista. Mas o amigão do presidente deverá ficar impune mais uma vez.

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