Drone dá choque em migrante na fronteira em vídeo de startup dos EUA

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A startup Brinc afirma que faz uso de robôs não violentos, mas um vídeo promocional contradiz esse posicionamento.

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A Brinc, uma empresa ascendente entre as muitas que disputam o mercado da venda de drones para órgãos policiais, tem um mito fundador atrativo: logo após um ataque a tiros ocorrido em Las Vegas em 2017, o jovem criador da startup decidiu ajudar as polícias com o uso de robôs não violentos. No entanto, um vídeo promocional da empresa obtido pelo Intercept revela uma visão diferente: a venda de drones equipados com armas de choque, visando atacar migrantes que cruzam a fronteira dos EUA com o México.

O fundador e CEO da empresa, Blake Resnick, apareceu recentemente na Fox Business News para comemorar uma conquista de capital de risco: o investimento de 25 milhões de dólares obtido junto a nomes importantes do Vale do Silício, como Sam Altman, Jeff Weiner – ex-CEO do LinkedIn e fundador da Next Play Ventures – e o ex-secretário de Defesa Patrick Shanahan. Aos 21 anos, membro da Thiel Fellowship e integrante recente da prestigiosa lista dos “30 com menos de 30” da Forbes na categoria Impacto Social, Resnick contou a Stuart Varney, da Fox Business, que os drones quadricópteros da Brinc estão ajudando a polícia a neutralizar, quase diariamente, situações perigosas envolvendo reféns. Resnick afirmou novamente que sua empresa havia sido fundada “em grande parte” com o intuito de salvar vidas, em resposta ao massacre de Las Vegas em 2017 – uma história inspiradora que atraiu a imprensa. Com a atenção crescente aos danos morais e corporais causados por robôs autônomos militarizados, a página “Valores e Ética” no site da Brinc oferece um bálsamo, afirmando o “dever de trazer essas tecnologias ao mundo de forma responsável” e o compromisso de “nunca construir tecnologias destinadas a ferir ou matar”.

Mas um vídeo promocional de 2018, de um produto para a defesa de fronteiras que acabou não sendo lançado, mostra que os objetivos tecnológicos originais da startup tinham em vista a possibilidade de ferir pessoas. O vídeo mostra Resnick em um trecho não identificado da fronteira EUA-México explicando como os robôs voadores de sua empresa podem ser usados para detectar, rastrear, interrogar e, por fim, atacar fisicamente possíveis imigrantes. “Esta é uma das partes mais desoladas da nossa fronteira sul”, descreve Resnick, vestindo um blazer, ao lado de uma grande caixa metálica adornada com painéis solares. “Todo ano, mais de 100 bilhões de dólares em narcóticos e 500 mil pessoas cruzam áreas como esta.” Quando o vídeo foi gravado, a gestão Trump começava a investir nas chamadas tecnologias de vigilância de muro virtual – uma alternativa à construção da muralha física prometida durante a campanha presidencial. O governo assinou contratos com concorrentes da Brinc, como a Anduril Industries (também ligada à Peter Thiel, o cofundador do PayPal por trás da Thiel Fellowship). “Não há muro aqui, e um muro provavelmente não funcionaria devido ao terreno acidentado e a questões eminentes de domínios.” Felizmente, “há uma solução”, diz Resnick, apontando para o baú metálico.

Resnick tinha por volta de 18 anos à época da gravação.

No vídeo, ele chama essa solução de “Muro de Drones”, um sistema de caixas cintilantes que seria instalado ao longo da fronteira, cada uma delas abrigando um pequeno quadricóptero robótico, com sensores térmicos e de alta definição, habilidades de piloto automático, software de detecção humana e o elemento crucial: uma arma de choque. Tão logo detectasse uma pessoa “suspeita”, o drone de fronteira da Brinc conectaria seus sensores e alto-falante a um agente da Patrulha de Fronteira, que poderia “interrogar” o “infrator” remotamente. No vídeo de demonstração, um ator latino identificado como “José” caminha pelo deserto. Abordado pelo drone, José se recusa a mostrar seus documentos, aponta uma arma para o Brinc e se afasta. Quando José se afasta, o drone lhe dá um choque com uma arma Taser. José desaba no chão.

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A implementação efetiva do Muro de Drones envolveria centenas ou milhares desses robôs armados buscando alvos ao longo da fronteira de forma constante e colocando mais armas em uma região já altamente militarizada.

A caça de um imigrante que perambula pelo deserto – com uso de choque e baseada em inteligência artificial – – não é uma cena conciliável com o juramento corporativo da Brinc: “Reflita sobre as implicações do nosso trabalho – não construiremos uma distopia”. Atualmente a empresa ainda desenvolve drones sofisticados voltados à segurança, com foco nas polícias, no Departamento de Segurança Interna e em clientes de defesa, mas sem a variante armada apresentada no vídeo. A principal oferta atual da Brinc para a polícia e equipes de emergência é o drone LEMUR S, que se parece muito com a unidade Muro de Drones, mas não tem uma arma instalada. O equipamento é descrito pela empresa como uma “ferramenta tática que pode ajudar a apaziguar situações, reduzir riscos e salvar vidas”. A empresa também vende o BRINC BALL, um dispositivo esférico semelhante a um celular que pode ser arremessado pela polícia em momentos de tensão para ouvir e se comunicar remotamente.

Três anos após suas declarações na fronteira, o Blake Resnick de 2021 se diz arrependido por ter trabalhado no sistema do vídeo promocional. Por e-mail, ele contou ao The Intercept que o “vídeo é imaturo, profundamente lamentável e nem um pouco representativo da direção pela qual levei a empresa desde então”. Ele descreveu o sistema Muro de Drones como um “protótipo” que “nunca foi totalmente desenvolvido, vendido ou usado operacionalmente” e que foi descontinuado em 2018 por ser “sujeito a uso indevido desastroso”. “Concordo que a tecnologia apresentada não é ética, e esse é um dos motivos pelos quais criamos o conjunto de ‘Valores e Ética’ para nortear nosso trabalho”, acrescentou, referindo-se à seção do site da empresa.

Resnick também disse que “o vídeo era fictício” – a empresa “nunca construiu um drone com uma Taser funcional”. Segundo ele, durante a gravação foi usado gás comprimido para disparar um dardo Taser no ator, mas “sem realmente colocar alta tensão nos fios”.

Ainda assim, a empresa tentou vender o sistema. Resnick afirmou que “discutiu-se inicialmente com um número muito limitado de partes” a compra do sistema Muro de Drones, com a ideia de construir algo mais barato do que um muro de fronteira, reduzindo “o risco de troca de tiros entre policiais e traficantes armados que tentassem entrar nos Estados Unidos”. Mas “nada avançou” no projeto, e Resnick repetiu sua afirmação de que, inspirado pelo ataque de Las Vegas, buscou “se distanciar desses usos” e servir a equipes de emergência – embora o trabalho com o Muro de Drones tenha continuado no ano seguinte ao massacre. Ele afirma que essa virada e a declaração de valores da empresa precedem o primeiro funcionário da startup, as receitas, a entrega do produto e a arrecadação de fundos. Também declara que a Brinc se compromete a não vender drones armados.

Apesar da mudança de visão e da orientação desarmada da empresa, fontes disseram ao The Intercept que o fato de a tecnologia ter estado sempre à mesa gera sérias preocupações em relação aos valores, às ambições e ao discernimento da Brinc e de seu jovem CEO. Embora o fundador da empresa diga ter se afastado dos drones construídos para interceptar e incapacitar imigrantes, a missão original da Brinc – vender robôs voadores para ajudar na segurança de Estado – segue em vigor, situando a startup em uma nova fronteira de negócios eticamente inquietante. A empresa contratou recentemente um “diretor federal de captura e estratégia” – anteriormente empregado por um fornecedor de defesa que vendia drones para o Comando de Operações Especiais dos EUA –, sugerindo um interesse em aplicações militares.

“Ele tem toda essa narrativa sobre o ataque de Las Vegas, mas a ideia original era 100% usar drones para dar choque em imigrantes”, contou uma fonte com conhecimento direto da Brinc e que pediu anonimato para não se prejudicar profissionalmente. Essa pessoa disse que, à época, Resnick demonstrou pouco interesse em “aplicações que não envolvessem choques em imigrantes”, mesmo havendo “um milhão de coisas para você usar drones e que não envolvem eletrocutar pessoas”.

Referindo-se à atual ênfase da Brinc na não violência e em apaziguar conflitos, essa fonte faz a seguinte análise: “Eles só inventaram isso quando obtiveram fundos de investidores reais, como Sam Altman. A empresa faz uma boa fachada sobre resgatar pessoas e não causar danos, mas imagine o que é dito aos policiais a portas fechadas?”

Drone dá choque em migrante na fronteira em vídeo de startup dos EUA

Um ator representando um imigrante na fronteira dos Estados Unidos com o México é atingido por uma arma de choque, demonstrando as capacidades do sistema “Muro de Drones” da Brinc.

Reprodução: The Intercept

“As startups dão guinadas o tempo todo em direção ao dinheiro”, acrescentou a fonte. “O Google já disse ‘não seja mau’. Quando a roda gira, você tem clientes bancando, e eles querem alguma coisa.”

Uma patente em nome de Resnick, para uma versão expandida do sistema mostrado no vídeo, levanta questões sobre o suposto interesse em se afastar de drones armados e o potencial da empresa em usar essa tecnologia no futuro. A Brinc solicitou a patente de forma provisória em 2017 e formalmente em junho de 2018 – sete meses após o ataque em Las Vegas que teria convencido Resnick a ajudar serviços de emergência. A patente foi concedida à Brinc no ano passado. A solicitação para “Patrulha de fronteira implementada por drones” afirma: “Se uma pessoa for detectada, um algoritmo de reconhecimento facial a bordo tentará identificá-la. (…) Em uma modalidade, o algoritmo de reconhecimento facial opera comparando as características faciais capturadas com o banco de dados de reconhecimento facial do Departamento de Estado dos EUA.”

“Quando a roda gira, você tem clientes bancando, e eles querem alguma coisa.”

A patente especifica que a arma a bordo é uma Taser X26, um poderoso armamento de eletrochoque que foi descontinuado e associado a um “maior risco cardíaco do que outros modelos”, conforme investigação da Reuters de 2017. Mas uma arma de choque era apenas uma das muitas opções possíveis. Outros potenciais armamentos anti-imigrantes descritos na patente incluem: spray de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha, balas de plástico, munição de feijão, granadas de esponja, “arma eletromagnética, arma laser, arma de micro-ondas, arma de feixe de partículas, arma sônica e/ou arma de plasma” com “uma abordagem sônica para incapacitar um alvo”.

Defensores das liberdades civis e de imigrantes condenaram a tecnologia demonstrada no vídeo.

“O governo Biden e o Congresso não devem fazer contratos com empresas como a Brinc”, disse Mitra Ebadolahi, advogado sênior da American Civil Liberties Union de San Diego e do condado de Imperial, na Califórnia, após assistir ao vídeo. “Fazer isso coloca o lucro acima das pessoas e não contribui em nada para aumentar a segurança ou proteção humana.” Ebadolahi acrescentou que o sistema Muro de Drones é “particularmente horrível quando os alvos potenciais são considerados: crianças desacompanhadas, grávidas e requerentes de asilo em busca de segurança”.

Ela ecoou as preocupações da fonte ligada à Brinc sobre um retorno da empresa aos drones armados: “Em um mercado não regulamentado, executivos de tecnologia seguem o dinheiro e projetam seus produtos para compradores que prometem grandes lucros e pouco escrutínio. Os contratos governamentais mais atraentes são com nossas agências mais sobrefinanciadas e pouco investigadas: os órgãos policiais.”

“É possível afirmar com clareza que essas empresas estão se inspirando em drones assassinos usados em outras partes do mundo.”

Em entrevista ao The Intercept, Jacinta Gonzalez, do Mijente, um grupo latino de defesa dos direitos dos imigrantes, descreveu o vídeo do Muro de Drones como “absolutamente horripilante”. “É assustador pensar que essa não é apenas uma ideia horrível que alguém trouxe em um brainstorming, mas [que a Brinc] tenha ido tão longe a ponto de fazer o vídeo”, que Gonzalez considera ilustrativo de “como se tornou difusa a linha entre zonas de guerra e uma fronteira militarizada. “É possível afirmar com clareza que essas empresas estão se inspirando em drones assassinos usados em outras partes do mundo.”

Gonzalez conta que ficou incomodada com o cenário retratado no vídeo, descrito por ela como uma “fantasia racista” e não representativa dos verdadeiros problemas humanitários da fronteira. “Se houvesse drones voando, provavelmente encontrariam famílias e pessoas que estão passando por uma crise sanitária muito difícil. (…) Eles estariam enfrentando pessoas que talvez não falem inglês.” Forçar o imigrante médio da fronteira sul dos EUA a um interrogatório com um robô projetado para eletrocutá-lo “apenas torna uma viagem perigosa ainda mais violenta, com maior probabilidade de resultar em mortes ou feridos”.

Gonzalez vê com ceticismo, a longo prazo, a promessa atual da Brinc de não contribuir com uma distopia policial robótica: “Você não pode confiar em uma empresa que coloca ideias como essa na rua”. Evitar um futuro em que a fronteira dos EUA com o México é patrulhada por robôs voadores armados “não só exige o compromisso da empresa dizendo que não produzirá esse tipo de drone. É preciso que as polícias locais, a Imigração, o Departamento de Segurança Interna e a Patrulha de Fronteira digam de forma proativa: ‘Este não é o tipo de tecnologia no qual queremos investir, nunca implementaríamos algo desse tipo’”.

Tradução: Ricardo Romanoff

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