O jogo eleitoral se movimentou nesta última semana. Como era previsto, a chamada terceira via começa a se afunilar. Registre-se: a terceira via é majoritariamente representada pela velha direita que ajudou a eleger Bolsonaro e hoje posa de centrista porque perdeu espaço para ele.
O ex-juiz Sergio Moro largou o Podemos na mão, anunciou que desistirá do Planalto e foi se abrigar no União Brasil, o partido que nasceu da união entre DEM e PSL, a sigla que elegeu Bolsonaro. Já o governador João Doria anunciou que desistiria da candidatura, mas, em seguida, desistiu de desistir. Enfraquecidos dentro dos seus partidos e sem decolar nas pesquisas, os pré-candidatos da terceira via, que juraram que não desistiriam do Planalto, começam a ver seus projetos pessoais em risco.
Moro, o arauto da ética na vida pública, mal estreou na política e já começou traindo aliados. Sem nem completar 4 meses no Podemos, resolveu dar um pé na bunda dos aliados e cair fora para se abrigar em um partido com maior estrutura e maior fundo partidário.
Internamente, há quem comemore. Moro não conseguiu subir nas pesquisas, fazendo com que seus correligionários perdessem o entusiasmo com a candidatura. Iniciou-se então uma pressão interna para que o ex-juiz abrisse mão da Presidência para tentar uma vaga na Câmara pelo partido. Ele certamente seria eleito e puxaria muitos votos para eleger outros deputados da sigla. Mas isso seria algo muito pequeno para as pretensões grandiosas daquele que foi alçado pela imprensa à condição de herói nacional.
Na quinta-feira de manhã, 31 de março, Moro conversou com Alvaro Dias sobre uma possível aliança do Podemos com o União Brasil, que vinha sendo articulada pelo ex-juiz. À tarde, já anunciou sua filiação ao União Brasil, deixando o Podemos a ver navios por pura conveniência eleitoral. É assim que Moro inicia sua carreira política: com muita sede de poder e traindo aliados históricos como o seu padrinho Alvaro Dias, a quem protegeu convenientemente nos tribunais durante a Lava Jato. A deslealdade na política costuma cobrar um preço caro.
Moro deu um pé na bunda de Dias e viajou para São Paulo para se filiar ao novo partido com todas as despesas pagas pelo Podemos: passagem de avião, hospedagem e alimentação. Ele usou a grana do fundo partidário do partido para traí-lo e ir se aconchegar com Luciano Bivar. o homem que hoje preside o União Brasil, mas que também já presidiu o PSL, que elegeu Bolsonaro.
Foi lá que, segundo a Polícia Federal, Bivar teria comandado um esquema de candidaturas laranjas durante as eleições. Foi lá também que ele usou R$ 250 mil do fundo eleitoral para contratar a empresa do seu próprio filho durante a eleição de 2018. Bivar presidiu também o Sport Club do Recife, onde admitiu ter pagado uma propina para a CBF para ter um jogador do clube convocado para a Seleção Brasileira. É pelas mãos desse sujeito que o paladino da moral entrou para o novo partido.
Há menos de um mês, o lavajatista afirmou: “A gente tem que tomar cuidado com quem faz aliança”. Que ironia! Agora, além de Bivar, o ex-juiz terá que conviver com outros correligionários de passado complicado como Garotinho, a filha de Eduardo Cunha, Mamãe Falei, Kim Kataguiri e toda a molecada sapeca do MBL.
Encontrei com Luciano Bivar. Reforçamos a necessidade de termos um único candidato do centro político democrático contra os extremos. Bivar seria um ótimo vice-presidente ou cabeça de chapa. Estaremos juntos de 2022 a 2026, pelo menos. pic.twitter.com/U8I01EHkBs
— Sergio Moro (@SF_Moro) March 29, 2022
A chegada de Moro ao União Brasil foi articulada pela ala oriunda dos ex-bolsonaristas do PSL, mas encontrou certa resistência pela parte vinda do DEM. Liderada por ACM Neto, a ala demista do partido escreveu uma carta aberta deixando claro o que pensa: “não há hipótese de concordarmos com sua pré-candidatura presidencial pelo partido”.
O ex-juiz então aceitou a condição de sair como deputado federal, mas, segundo o jornalismo capacho do lavajatismo, aliados próximos garantem que ele ainda não desistiu da Presidência. A esperança é de que não apareça nenhum candidato da terceira via melhor colocado que ele nas pesquisas, fazendo com que na hora H o partido sucumba e o aceite como candidato. A jogada é arriscada e muito provavelmente não vingará. A outra carta na manga seria uma vaga ao Senado por São Paulo. O problema é que o partido já escolheu Datena para concorrer à vaga.
O tucano João Doria jogou pesado nos últimos dias e ameaçou trair seu vice e seu partido. A relação do governador com as lideranças do PSDB sempre foi conflituosa. Há muita resistência da cúpula à candidatura de Doria à Presidência, que não consegue decolar nas pesquisas. Aécio Neves e Eduardo Leite trabalham nos bastidores para sabotar a candidatura de Doria, mesmo depois dela sair vitoriosa das prévias do partido.
‘A direita envergonhada que ajudou a instalar um governo fascistoide e golpista no país segue batendo cabeça.’
O governador paulista percebeu essa movimentação para isolá-lo e lançar Eduardo Leite como presidente no seu lugar. Irritado ao ver o golpe sendo tramado, Doria anunciou que desistiria do Planalto para permanecer no cargo de governador até o fim do mandato. Anunciou ainda que não concorreria à reeleição, rompendo assim o acordo firmado com o PSDB e o vice-governador Rodrigo Garcia. O combinado era que Doria renunciaria para concorrer ao Planalto, e Garcia assumiria o fim do mandato para, com a máquina na mão, ganhar visibilidade e viabilizar sua eleição para o governo do estado.
Isso caiu como uma bomba para o PSDB, que viu os acordos no maior colégio eleitoral do país serem implodidos, aumentando o risco de perder o domínio no estado que hoje é o único que mantém o partido relevante no cenário nacional. A jogada de Doria deu certo. O PSDB cedeu para não correr o risco de perder o seu maior palanque eleitoral.
O presidente do partido, Bruno Araújo, enviou uma carta aos líderes da sigla em que garantiu, pela primeira vez, que respeitará o resultado das prévias e apoiará candidatura de Doria ao Planalto.
Mas a jogada desleal do governador tucano, enfiando a faca no pescoço da cúpula do PSDB, ainda pode lhe cobrar um preço caro. As ameaças de rasgar um acordo com o partido aumentou a tensão interna. Apesar disso, na cerimônia de renúncia ao governo, Doria saudou a lealdade do presidente do PSDB, que estava visivelmente desconfortável com todo aquele teatro.
Na frente das câmeras apareceram de mãos dadas, mas longe delas continuam se digladiando. O PSDB irá cumprir esse novo acordo depois das ameaças que Doria fez ao partido? É bastante possível que não. Deslealdade se paga com deslealdade na política. As principais lideranças tucanas continuam querendo Leite no lugar de Doria e ainda vai passar muita água debaixo dessa ponte.
A direita envergonhada que ajudou a instalar um governo fascistoide e golpista no país segue batendo cabeça entre si. A terceira via não se entende, mas sabe que precisa obrigatoriamente ter um candidato único se quiser ser minimamente competitiva.
Moro e Doria, os dois principais nomes que surgiram no cenário político prometendo um novo jeito de fazer política, estão usando as armas da velha politicagem e traindo aliados políticos para atingir seus objetivos pessoais sem o menor pudor. Tudo isso depois de terem trabalhado com afinco para colocar a extrema direita no poder. São dois nomes marcados pela deslealdade, pela hipocrisia e que, muito provavelmente, não serão o candidato da terceira via à Presidência.
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