João Filho

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Caso Adriano da Nóbrega: 5 fatos estranhos que envolvem o assassinato do miliciano e Bolsonaro

As suspeitas que ligam Bolsonaro ao assassinato são fortes, mas a verdade está encoberta por um jogo de poder entre MP e polícia.

Caso Adriano da Nóbrega: 5 fatos estranhos que envolvem o assassinato do miliciano e Bolsonaro

Foto: Andre Coelho/Folhapress

Afirmar que a família Bolsonaro tem fortes ligações com milicianos do Rio de Janeiro é a mera constatação de um fato. A família presidencial já defendeu publicamente a existência de milícias, homenageou milicianos e empregou parentes de chefe de milícia no serviço público. As ligações da família do presidente com o crime organizado estão dadas, não há o que discutir.

O miliciano mais próximo dos Bolsonaro foi Adriano Magalhães da Nóbrega, o ex-caveira do Bope que, após ser expulso da PM por envolvimento com a máfia do jogo do bicho, virou chefe da milícia Escritório do Crime — uma quadrilha especializada em assassinatos por encomenda. Como chefe de milícia, Adriano continuou contando com o apoio da família Bolsonaro.

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Sua ex-mulher e sua mãe passaram a receber salários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Foragido, Adriano foi para a Bahia e se escondeu na casa de um vereador do PSL, o partido que elegeu Bolsonaro. Se fosse preso, o chefe do Escritório do Crime teria que explicar todas as conexões com a família presidencial e poderia ser agraciado com uma delação premiada. Mas foi morto pela polícia numa operação conjunta da PM baiana e a carioca. À época, seu advogado afirmou que Adriano tinha certeza que seria morto por “queima de arquivo”.

Logo após o assassinato, Jair Bolsonaro se mostrou muito preocupado com o que seria encontrado no telefone celular do miliciano amigo de sua família.

O presidente da República usou um canal oficial do Planalto para especular a possibilidade de estarem tentando envolver “inocentes” no assassinato de um criminoso, o que é, no mínimo, muito estranho.

Nesta semana, a Folha publicou uma série de áudios que foram interceptados pela Polícia Civil no âmbito da Operação Gárgula do Ministério Público do Rio. São conversas telefônicas entre parentes de Adriano que reforçam as suspeitas de que ele foi morto porque sabia demais. Dois dias após o assassinato do ex-caveira, uma de suas irmãs contou para uma tia que Adriano teria lhe dito que o Palácio do Planalto encomendou sua morte em troca de cargos comissionados.

Segundo ela, Adriano temia virar arquivo morto. Em outra conversa grampeada, uma outra irmã elogia a postura de Bolsonaro no caso e diz que a morte de Adriano teria sido ordenada pelo então governador Wilson Witzel. As falas das irmãs são contraditórias e, por si só, não provam nada, mas ajudam a esquentar uma suspeita que sempre esteve sobre a mesa: o assassinato por queima de arquivo. A reportagem não menciona se houve de fato troca de cargos pelo crime.

Em abril do ano passado, o Intercept revelou o conteúdo de parte desses grampos telefônicos envolvendo pessoas próximas a Adriano. Em um dos áudios interceptados horas após o assassinato, um dos comparsas do ex-caveira diz a uma mulher que alertou Adriano que “iria acontecer algo de ruim” e que ligaria para o “cara da casa de vidro” para saber “como vai ser o mês que vem”.

Disse ainda que “a parte do cara tem que ir” e que não sabe se o “outro vai continuar pagando”. As falas são cifradas, o que torna impossível identificar o que significam exatamente.  Segundo fontes do Ministério Público do Rio ouvidas pelo Intercept, o conjunto de circunstâncias permite concluir que o “cara da casa de vidro” é Jair Bolsonaro, o que seria uma referência aos palácios do Planalto e da Alvorada, ambos com fachada inteiramente de vidro.

Por que o presidente relacionou o assassinato de Marielle com o do seu miliciano de estimação?

Ao se deparar com as citações ao presidente, o MP pediu à Justiça o encerramento dos grampos, já que não lhe compete a investigação de um presidente da República. Apesar de não poder investigar Jair Bolsonaro, o MP teria a obrigação constitucional de encaminhar o processo à Procuradoria Geral da República, a PGR. Mas até abril de 2021 não se sabia se ele havia sido encaminhado ou não. A PGR não encontrou o número do processo em seu sistema.

Os novos áudios revelados nesta semana mostram que, dessa vez, foi a Polícia Civil quem omitiu do MP o trecho em que o Planalto é citado como palco de uma reunião em que se encomendou o assassinato de Adriano. A quem interessa omitir essas informações? Esses áudios são de conhecimento da polícia há dois anos, e as investigações estão completamente paradas.

Jair Bolsonaro não comentou o caso. Limitou-se a chamar de fake news um tweet do deputado Orlando Silva sobre a reportagem da Folha desta semana e afirmou que não teria motivos para matar Marielle Franco — uma suposição que não foi citada na reportagem nem por ninguém, o que deixa tudo ainda mais estranho. Por que o presidente relacionou o assassinato de Marielle com o do seu miliciano de estimação?

Quem apareceu para atuar como porta-voz do Planalto e explicar as citações ao presidente nos áudios foi o ex-policial Fabrício Queiroz, o homem que levou a mãe e ex-mulher de Adriano para trabalhar no gabinete de Flávio Bolsonaro. Queiroz correu para gravar um vídeo poupando o presidente e encaminhou as suspeitas para o colo do ex-governador Wilson Witzel ao dizer que o “palácio” citado era o da Guanabara.

Segundo ele, Adriano lhe telefonou às vésperas do natal de 2019 relatando “que houve uma reunião dentro do Palácio do Guanabara, que ficou acertado que não era para ele ser preso e sim executado”. Não há qualquer indício que Witzel tem ou teve algum tipo de relação com Adriano como teve a família Bolsonaro.

Queiroz não explicou quais seriam os interesses de Witzel que motivariam o assassinato do miliciano, mas conseguiu tirar o foco do Planalto. Importante lembrar: Queiroz mantém amizade com Jair Bolsonaro há mais de 30 anos, tem o mesmo advogado de Adriano e considera o miliciano assassinado como o “melhor policial que já conheceu”.

Encontro entre o advogado Luis Gustavo Botto Maia, ex-advogado de Flávio Bolsonaro, a mãe do miliciano Adriano e a mulher de Queiroz

Foto: Reprodução

A mulher de Queiroz chegou a se encontrar com a mãe de Adriano para planejar a fuga do marido. O plano não deu muito certo, já que Queiroz acabou sendo encontrado numa casa de Frederick Wassef, o advogado da família Bolsonaro, onde estava escondido. Queiroz deveria estar preso, mas hoje se encontra livre, leve e solto para disputar uma vaga de deputado federal pelo PTB nas próximas eleições.

Há a suspeita que Bolsonaro está envolvido no assassinato de Adriano que sempre manteve relações estreitas com sua família. Não é possível afirmar que o presidente tenha encomendado a morte do miliciano, mas também não é possível ignorar a quantidade de indícios relevantes que colocam o Planalto sob suspeita e que precisam ser investigados.

Os indícios de prevaricação do MP e da Polícia Civil nos casos envolvendo o nome do presidente precisam ser esclarecidos. Lembremos que uma das promotoras do caso Marielle teve que se afastar do caso depois que apareceu em fotos usando camisa do Bolsonaro durante as últimas eleições presidenciais e posando sorridente ao lado de Rodrigo Amorim, do PSL do Rio, o deputado estadual que quebrou a placa em homenagem à vereadora. Ressalta-se que todas as recentes operações envolvendo as milícias como a Gárgula e a Intocáveis são frutos dos desmembramentos do inquérito de Marielle.

O estranhamento aumenta quando o presidente não se defende dessas gravíssimas acusações, e a coisa fica por isso mesmo. A suspeita sobre o presidente vai permanecer, já que as investigações estão paradas. As instituições democráticas não estão conseguindo enquadrar esse milicianismo que tomou conta do Brasil e corrói a democracia.

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