Cirurgiões ratificaram num grupo de WhatsApp a reportagem que o Intercept publicou no sábado mostrando como a Amil ignorou as denúncias de executivos de alto escalão da empresa contra a Hemomed, uma clínica de quimioterapia credenciada pelo convênio para tratar os pacientes com câncer dos planos mais baratos.
De acordo com prints de conversas entregues a mim por uma fonte que não quer ser identificada, a investigação foi assunto no grupo da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da capital de São Paulo.
Um dos médicos começou relatando aos colegas um caso pessoal: “Temos um parente e vivi isso. E confesso que nunca imaginei que alguém pode fazer algo que não é o melhor para cada paciente. Lendo aqui, tenho certeza que fazem sim. No nosso caso, o tumor cresceu no pâncreas, marcadores subiram, [queda de] cabelo e anemia não existiram. Como relatado aqui”.
Outro médico imediatamente respondeu que teve “um caso parecido dessa empresa, com câncer de mama, fazendo uso de adriamicina com todo o cabelo [sem cair] e, mais sério, falou que droga que tomava era transparente e todos nós sabemos que a adriamicina é vermelha”.
Um terceiro integrante do grupo acrescenta que “não duvido muito da veracidade da publicação, visto algumas respostas da empresa Amil quando eu trabalhava lá”. Por último, um dos médicos arremata que “a Hemomed tem fama ruim faz algum tempo. Piorou quando a Amil absorveu o contrato com eles”.
Um professor e cirurgião de cabeça e pescoço, com doutorado em oncologia e “grande experiência em tumores avançados”, me enviou um e-mail com informações sobre a Hemomed – ele pediu para não ser identificado.
“Os valores incongruentes [dos tratamentos oferecidos pela Hemomed] provocaram o fechamento de várias clínicas sérias. Os resultados de tratamento, especialmente quando há necessidade de medicações de alto custo, são imprestáveis. Sempre houve uma suspeita, no meio médico, de fraude nos tratamentos, porém, com valores fora da realidade e com a conivência de várias fontes pagadoras, a Hemomed tornou-se uma potência. Espero que novas denúncias aconteçam”, me escreveu o especialista.
A Hemomed é acusada por médicos, pacientes, executivos e ex-executivos da Amil de oferecer medicamentos de origem duvidosa ou de aplicar doses menores do que as necessárias. Como consequência, as pessoas tratadas na clínica não tinham os resultados esperados na redução dos tumores e nem alterações positivas nos exames clínicos. Vários sequer tinham os efeitos colaterais conhecidos dos tratamentos quimioterápicos, como queda de cabelo ou anemia. Em vez de investigar as suspeitas, a Amil demitiu quem denunciou.
Me dediquei ao caso da Hemomed por dois meses. A maior parte desse tempo foi gasto checando de todas as formas possíveis se as denúncias faziam algum sentido. A delicadeza do assunto e as particularidades médicas foram desafios extras na investigação, o que exigiu cuidado redobrado. Por isso, entrevistei mais pessoas do que o comum, li diversos relatórios na íntegra, vi resultados de muitos exames e pedi para que oncologistas os analisassem.
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