Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept. Assine. É de graça, todos os sábados, na sua caixa de e-mails.
A articulação da bancada ruralista que levou Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto rende frutos nos mais variados galhos da política. Mas não só: há também os frutos que se desenvolvem e crescem dentro da máquina pública para serem colhidos pela mão do mercado privado, prática conhecida como “porta giratória”.
Nessa última categoria, encontrei o caso de uma ex-assessora da ministra Tereza Cristina chamada Larissa Wachholz. Com a carreira construída no mercado privado e especializada em relações comerciais entre Brasil e China, ela foi durante seis anos sócia do grupo de gestão de negócios Vallya, que faz “a coordenação de negociações e aproximações com parceiros estratégicos, autoridades públicas envolvidas nos procedimentos e instituições financeiras, além da avaliação do mercado concorrencial, diferenciais e fragilidades do cliente”. Mas largou o setor privado e abriu mão da participação societária em novembro de 2019 para chefiar o “Núcleo China”, uma divisão criada por Tereza Cristina e ligada diretamente ao gabinete da ministra.
Via Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Agricultura me informou que a função de Wachholz era prestar “suporte e apoio necessário àquela autoridade [a ministra Tereza Cristina] para questões bilaterais de cunho internacional, em especial nas pautas relacionadas aos países asiáticos, com foco na China, mediante a participação em reuniões e acompanhamento de assuntos conduzidos pelas áreas técnicas do Ministério”.
Era, assim mesmo, em tempo pretérito. Porque, após um ano e oito meses no ministério, Wachholz retornou ao antigo negócio privado. Exonerada “a pedido” (ou seja, por iniciativa própria) da pasta em julho de 2021, em agosto a executiva já constava novamente como sócia da Vallya, que possui dois escritórios no Brasil e um em Pequim, capital da China. Segundo o site da Vallya, Wachholz atua na coordenação de negociações e aproximações com parceiros estratégicos, autoridades públicas envolvidas nos procedimentos e instituições financeiras.
Naquele mesmo agosto, Wachholz também assumiu a função de diretora-executiva da Flora Capital, que afirma atuar na área de fundo de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais e “projetos agroindustriais de médio porte originados e estruturados junto a empresários rurais comprometidos com a rentabilidade e os princípios de governança social, ambiental e econômica”.
Não é preciso ser um gênio para concluir que a passagem pelo governo, numa área diretamente ligada à sua atuação privada, enriqueceu o currículo (e o passe) de Wachholz. Nem para imaginar que as informações e os procedimentos que conheceu – alguns deles de caráter sigiloso – no Ministério da Agricultura sejam um ativo valioso para quem empregar ou contratar os serviços dela.
Justamente por isso, Wachholz estaria sujeita a cumprir seis meses de quarentena remunerada pela União antes de voltar ao mercado privado. Assim, em maio de 2021, ainda no cargo, ela fez uma consulta à Comissão de Ética da Presidência, órgão responsável pela análise de casos como esse, e teve aval para dispensar a quarentena.
Para a Comissão, que deliberou sobre “conflito de interesses após o exercício do cargo”, não havia qualquer problema na volta de Wachholz a negócios diretamente ligados à atuação pública dela.
A Vallya e a Flora Capital pertencem ao mesmo grupo, e dividem escritório e número de telefone. Ambas lidam com áreas de atuação comuns ao trabalho que Larissa Wachholz fazia no governo federal.
Em uma entrevista ao Valor Econômico, em fevereiro de 2020, a então funcionária pública Wachholz deu detalhes sobre o “Núcleo China”. Contou que seu trabalho se baseava em quatro áreas prioritárias: “abertura comercial, atração de investimentos, central de informações e ações de inovação e sustentabilidade”.
A mesma reportagem destacava que a divisão comandada pela assessora buscava “investimentos de empresas chinesas para o Brasil, tanto na área de logística como na de construção de ferrovias e rodovias para ajudar no escoamento das exportações. Atrair aportes em indústrias de processamento de alimentos também está nos planos”.
Apesar de não termos os detalhes do que Tereza Cristina pedia a Larissa Wachholz, é evidente que a atuação dela numa assessoria de alto escalão se deu em assuntos prioritários da pasta. A ministra, deputada federal eleita pelo DEM de Mato Grosso do Sul e atualmente no PP de Arthur Lira, é ex-presidente e hoje integrante da Frente Parlamentar Agropecuária, a bancada ruralista. Um dos idealizadores da Frente é João Henrique Hummel, ex-diretor-executivo do Instituto Pensar Agro, que articula a relação da bancada ruralista com a agroindústria, e colega de trabalho de Wachholz na Flora Capital.
Em entrevista na quarta-feira, dia 20, Wachholz me disse que Vallya e Flora Capital não tiveram influência na nomeação ao ministério, e que ela e a ministra não mantiveram contato institucional com seus antigos sócios durante o período em que ela esteve no governo. Wachholz disse que foi convidada para o cargo pelo secretário de Comércio e Relações Internacionais da pasta, Orlando Leite Ribeiro, sem influência da bancada do agronegócio.
Wachholz argumentou que exercia “função consultiva” e não tinha poder decisório. Ainda que reconheça que recebia informações pontuais de empresas privadas e interesses envolvidos na relação Brasil-China, ela esquivou-se ao dizer que eram assuntos paralelos à sua área de atuação profissional.
“Não há nada que eu tenha feito no ministério que tivesse qualquer impacto na minha atuação profissional de hoje. Meu conhecimento de China era reconhecido muito antes disso. Não vejo nenhum conflito”, afirmou. A se acreditar na justificativa, fica difícil entender por que Wachholz foi chamada a chefiar um grupo sobre a China no ministério – e porque retomou precisamente o que fazia antes de se tornar servidora pública.
A Flora Capital informou que “não teve e não tem contratos com empresas com as quais Larissa Wachholz interagiu durante sua atuação no ministério”. Cabe ressaltar que o Ministério da Agricultura se recusou a entregar, via Lei de Acesso à Informação, os detalhes do dia a dia de Wachholz.
Já a assessoria de imprensa do ministério me disse que Wachholz “foi nomeada por possuir longa experiência profissional na área de desenvolvimento de negócios internacionais, com especialização em comércio sino-brasileiro”. Informou, ainda, que ela “prestou assessoria e aconselhamento à ministra para questões bilaterais de cunho internacional, em especial nas pautas relacionadas aos países asiáticos, com foco na China” – onde a Vallya tem escritório.
Desde que voltou ao mercado privado, Wachholz aparece com frequência no noticiário para comentar a relação comercial do Brasil com nosso principal parceiro comercial, a China, quando o tema são commodities agrícolas. Larissa Wachholz já colhe os frutos que plantou no Ministério da Agricultura.
Correção: 23 de abril, 15h
Um versão anterior deste texto informava incorretamente que João Henrique Hummel ainda é diretor-executivo do Instituto Pensar Agro. Na verdade, ele deixou o cargo há alguns meses para se dedicar aos próprios negócios, informou o IPA após a punlicação do texto. A informação foi corrigida.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO
Quando o assunto é a ascensão da extrema direita no Brasil, muitos acham que essa é uma preocupação só para anos eleitorais. Mas o projeto de poder bolsonarista nunca dorme.
A grande mídia, o agro, as forças armadas, as megaigrejas e as big techs bilionárias ganharam força nas eleições municipais — e têm uma vantagem enorme para 2026.
Não podemos ficar alheios enquanto somos arrastados para o retrocesso, afogados em fumaça tóxica e privados de direitos básicos. Já passou da hora de agir. Juntos.
A meta ousada do Intercept para 2025 é nada menos que derrotar o golpe em andamento antes que ele conclua sua missão. Para isso, precisamos arrecadar R$ 500 mil até a véspera do Ano Novo.
Você está pronto para combater a máquina bilionária da extrema direita ao nosso lado? Faça uma doação hoje mesmo.