Acusado de operar rachadinhas de Flávio Bolsonaro tem procuração para operar contas bancárias do coronel Washington Luiz Lima Teixeira.

O elo militar

Exclusivo: Coronel com alto cargo no governo Bolsonaro empresta conta bancária a Fabrício Queiroz, mostra documento

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Um coronel da reserva do Exército indicado assessor da presidência da Casa da Moeda do Brasil pelos generais do governo Bolsonaro cultiva há duas décadas uma relação de confiança mútua com Fabrício Queiroz. Ele mesmo, o acusado de operar o esquema milionário das rachadinhas do filho 01, o senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio.

O coronel Washington Luiz Lima Teixeira é o primeiro elo claro entre um militar com cargo no alto escalão do governo Bolsonaro com Queiroz, homem-bomba do clã presidencial. As relações entre os dois incluem a venda de um imóvel e uma procuração em que o coronel Teixeira deu a Queiroz “amplos poderes” para operar suas contas bancárias pessoais na Caixa.

Graças ao apoio do que chamou, em entrevista ao Intercept, de “um grupo seleto [de oficiais] dentro da força”, Teixeira, 61 anos, é assessor da presidência da Casa da Moeda desde novembro de 2020. Ali, ganha salário bruto de R$ 22 mil mensais. Ele diz ter sido escolhido diretamente pelo presidente da empresa e vice-almirante da reserva da Marinha, Hugo Cavalcante Nogueira.

As ligações do coronel Teixeira com Queiroz estão documentadas em cartórios do Rio de Janeiro. Ao longo das últimas seis semanas, pedimos cópias e analisamos 15 documentos. O mais intrigante deles é a procuração assinada em dezembro de 2009 pelo então coronel da ativa do Exército dando ao então assessor de Flávio Bolsonaro “amplos poderes” para operar suas contas bancárias pessoais. Ela segue válida, a julgar pela ausência de registros de seu cancelamento.

O documento está registrado no 8º Ofício de Notas, Centro do Rio, e torna oficial que o coronel Teixeira e sua mulher, Ana Maria de Medeiros Teixeira, nomearam Queiroz como procurador de ambos “junto e perante a Caixa, em quaisquer de suas agências e departamentos”.

O acordo dá a Queiroz poder para “acompanhar e dar andamento a processo habitacional, podendo abrir, movimentar e liquidar contas, tomar ciência dos despachos, cumprir exigências, juntar e retirar documentos, requerer, recorrer, concordar e ajustar condições do mútuo, pagar taxas de serviços, assinar os contratos necessários, ajustar preços, prometer comprar, comprar”.

O documento confere também a Queiroz o poder de efetuar saques bancários e assinar cheques das contas do coronel Teixeira. Além disso, o então assessor de Flávio ganhou o direito de usar como garantia para empréstimos “o imóvel situado na rua Baronesa”. Trata-se de um apartamento localizado em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, uma região controlada pela milícia, e que pertencia ao coronel. O imóvel foi vendido a Queiroz em uma transação que, segundo os documentos registrados em cartório, se prolongou por 19 anos e só teve desfecho justamente quando surgiram as primeiras reportagens sobre o escândalo das rachadinhas, em dezembro de 2018.

Atualmente, quem vive no apartamento é a Débora Melo Fernandes, ex-esposa de Fabrício Queiroz, segundo o que ele mesmo disse ao Intercept. Apesar disso, o registro geral do imóvel, que consultamos em 28 de março no 9º Ofício de Registro de Imóveis do Rio, ainda traz o nome de Teixeira como proprietário do apartamento.

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Trecho da procuração em que o coronel Teixeira e a esposa dão a Fabrício Queiroz até mesmo o poder de movimentar contas bancárias deles.

Reprodução

À época em que foi assinada a procuração, em dezembro de 2009, Teixeira era militar da ativa no Exército e Queiroz operava o esquema das rachadinhas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, segundo a denúncia apresentada em outubro de 2020 pelo Ministério Público estadual. Os promotores acusam a organização criminosa comandada por Flávio de desviar e lavar dinheiro público em compras de imóveis em nome do político. Ele e Queiroz negam.

Falando sob a condição de não terem as identidades reveladas, funcionários da Caixa disseram que o único procedimento necessário em caso de transferência do financiamento seria a aprovação do cadastro de Queiroz no banco. Eles também afirmaram que a procuração com amplos poderes dada a Queiroz pelo coronel Teixeira é desnecessária e raramente vista em situações como essa. O caminho mais fácil e habitual seria estabelecer uma procuração com fim específico – a transferência do imóvel.

Entrevistados, nem Queiroz nem Teixeira explicaram porque optaram pela procuração de amplos poderes.

Conversamos com Queiroz duas vezes por telefone. Na primeira vez, em 30 de março, ao ser questionado sobre a procuração, se irritou e desligou o telefone sem responder.

Uma semana depois, no dia 7 de abril, telefonamos novamente para Queiroz. Dessa vez, ele atendeu e nos deu uma entrevista de 30 minutos – que, fez questão de dizer, também gravou. Queiroz contou que, no intervalo de uma semana entre as nossas ligações, procurou o coronel Teixeira para conversar sobre a reportagem que estávamos apurando. Ambos deram versões semelhantes e evasivas à pergunta: qual a finalidade real da procuração para Queiroz movimentar as contas de um coronel do Exército?

Queiroz e o coronel Teixeira disseram que a procuração servia apenas para pedir à Caixa os boletos do financiamento do apartamento que eventualmente atrasavam ou se perdiam, porque o oficial nem sempre estava no Rio de Janeiro e não conseguiria resolver essas pendências. Ambos negam que tenha havido qualquer movimentação financeira, saque ou outras operações bancárias.

Durante a entrevista com Queiroz, destacamos o trecho da procuração que detalha os amplos poderes que o coronel lhe deu. Na sequência se deu o seguinte diálogo:

Fabricio Queiroz – [rindo] Como eu vou [fazer] saque e depósito na conta de um coronel do Exército? Pelo amor de Deus, gente.

Intercept – É o que gostaríamos de entender, porque está registrado em cartório e assinado.

Queiroz – Assinado por ele, por mim, é… Com certeza o tabelião colocou coisas demais ali. Pô, eu custei a pagar esse apartamento. Eu ficava três, quatro, cinco meses sem pagar, [em seguida] fazia um empréstimo, quitava as prestações atrasadas. Eu trabalhava muito em segurança [privada] para conseguir quitar esse apartamento. Na época eu lembro que… Eu acho que através disso aí eu poderia pedir lá. […] Citar isso daí, foi equivocadamente que colocaram. Geralmente, quando tu faz uma procuração eles colocam várias coisas, várias coisas. Eu acho que foi um erro que teve, não teve nada além disso.

 

Já o coronel Teixeira nos disse que essa venda com contrato de gaveta era “comum” nos anos 1990.

“Por que o contrato é assim? Porque o apartamento fica no nome de quem financiou, mas existe, como disse, a compra por parte de uma terceira [pessoa] e você tem que fazer uma procuração. Eu, sendo militar, nem sempre estava no Rio de Janeiro. E de vez em quando eu era chamado pela Caixa para resolver problemas administrativos, boleto que não chegou, atraso de pagamento, etc. Então, era normal, e é normal, que a gente faça uma procuração para pessoa que comprou, para que ele resolva aquilo ali, se não você vai viver eternamente resolvendo problema para pessoa”.

Se, de fato, os poderes concedidos pela procuração foram “exagerados”e “jamais usados”, Queiroz e – principalmente – o coronel Teixeira jamais se preocuparam com um eventual mau uso deles, o que demonstra uma relação de profunda e mútua confiança.

O rolo do imóvel

A partir dos documentos levantados em nove cartórios do Rio, pudemos identificar que a primeira relação de negócios entre o coronel Teixeira e Fabrício Queiroz data de março de 1999. O objeto dela é justamente o apartamento da rua Baronesa, mais tarde citado na procuração. O imóvel pertencia a Teixeira, que o havia comprado via financiamento dez anos antes, em 1989. De acordo com a escritura, o valor venal é de R$ 229 mil.

Segundo a escritura registrada no 4º Ofício Notarial do Rio, em março de 1999 Teixeira fez uma promessa de compra e venda do apartamento a Queiroz. Esse mesmo ato deu posse do imóvel a Queiroz, que assumiu também a responsabilidade de arcar com taxas e impostos dele.

Pelos termos do acordo, Queiroz e a então esposa Débora Melo Fernandes pagaram R$ 20 mil – R$ 83,7 mil, corrigindo-se o valor pelo IPCA – ao coronel e à esposa dele. Além disso, ficou registrado que os compradores se comprometiam a assumir as 72 parcelas restantes do financiamento ao longo dos seis próximos anos – ou seja, até 2005.

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O compromisso de compra e venda, de 1999: Queiroz pagou R$ 20 mil (R$ 87 mil atuais) e assumiu o financiamento do coronel Teixeira.

Reprodução

Mesmo com o financiamento em nome de Teixeira, Queiroz deveria fazer os pagamentos mensais e apresentar os comprovantes ao oficial do Exército até que transferisse a dívida para seu nome ou quitasse o saldo devedor do imóvel. Porém, uma carta de notificação de 30 de junho de 2007, guardada pelo 2º Registro de Títulos e Documentos do Rio, indica que dois anos depois o financiamento não só ainda estava em aberto como havia parcelas atrasadas.

Assim, o documento deixava claro que, se tais exigências não fossem cumpridas, o contrato de compra e venda deveria ser cancelado. Mas, como se tratava de uma ação entre amigos, isso nunca ocorreu.

O documento foi emitido pela empresa gestora de ativos e alertava Teixeira da possibilidade de hipoteca e leilão público do apartamento caso não fossem pagas, em até 20 dias, as parcelas atrasadas. A dívida somava de R$ 6.402,03 – equivalentes a R$ 14,9 mil em valores corrigidos.

Trecho de documento de financiamento de veículo de 2012 de Fabrício Queiroz: ele declarava morar no apartamento do coronel Teixeira.

Reprodução

Outros dois documentos públicos, que tratam de financiamentos de automóveis, confirmam que Queiroz seguia morando (ou, pelo menos, que dizia morar) na rua Baronesa em 2009 e 2012.

Perguntamos a ambos como se conheceram. Ambos nos disseram que foram apresentados por um amigo em comum, de quem o coronel diz não se lembrar do nome. Já Queiroz disse apenas que se chamava Hernandes, um conhecido das quadras de futebol que trabalhava com vendas e com quem não tem mais contato. Ele negou que o amigo tenha participado da venda.

Queiroz, à época policial militar da ativa, não disse se tinha condições de assumir o financiamento aprovado na Caixa. É que não deu tempo ainda [para transferir o imóvel para seu nome]. Essas confusões. Eu sou muito relaxado quanto a isso. Inclusive, todo mundo fala, rapaz você tem que passar esse financiamento para o seu nome porque pode dar problema. Ele morre e falam que não comprei [o apartamento]”, disse Queiroz.

A coincidência com as rachadinhas

A negociação de compra e venda do apartamento da rua Baronesa, iniciada em 1999, só foi concluída no dia 7 de dezembro de 2018. Naquele dia, Queiroz e a àquela altura ex-esposa Débora Fernandes assinaram uma escritura de compra e venda do imóvel no 2º Ofício de Notas do Rio.

O documento foi registrado em cartório no dia seguinte ao da publicação da primeira reportagem que trouxe à tona o nome de Queiroz, publicada pelo Estadão. A matéria revelava que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, havia identificado movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas do assessor de Flávio Bolsonaro. As reportagens já citavam a transferência de um cheque de Queiroz para uma conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

O passo seguinte deveria ser a alteração da titularidade do imóvel, o que não ocorreu ao menos até 28 de março de 2022, como demonstra a matrícula pesquisada pelo Intercept. O apartamento segue em nome do coronel Teixeira.

A alteração de titularidade de um imóvel exige algumas formalidades.O vendedor precisa, por exemplo, apresentar certidão negativa de débitos junto aos governos federal, estadual e municipal. Por lei, só o registro do imóvel garante o direito de propriedade dele.

A certidão de compra e venda de 2018 indica que Fernandes continuava morando no apartamento, mas Queiroz havia se mudado para outro endereço também em Jacarepaguá. Nessa época, os dois já estavam separados e divorciados – e eram, ambos, investigados no caso das rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Ao Intercept, Queiroz argumentou que “não tem condições” de passar o apartamento para seu próprio nome – ou o de Débora Fernandes.

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A escritura que concretiza a negociação do imóvel, em dezembro de 2018: emitida apenas três dias depois da reportagem que apresentou Fabrício Queiroz ao mundo e o vinculou à suspeita de rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Reprodução

“Já zerou tudo, praticamente tudo, só falta eu passar para o meu nome. Estou meio enrolado, não posso agora gastar R$ 3 mil”, afirmou Queiroz, estimando o valor que a burocracia lhe custaria. O ex-assessor de Flávio afirmou que, apesar de não morar no imóvel da rua Baronesa, paga todos os custos de manutenção para a ex-esposa. Ele disse arcar com a “pensão alimentícia e o condomínio” de Fernandes, além das contas de água, luz e IPTU. “Pago porque isso vai ser o futuro das minhas filhas, vai ficar para elas”, justificou-se.

A escritura de compra e venda indica que os passos finais do negócio começaram em 29 de novembro de 2018, com o pagamento do imposto de transmissão do imóvel. Naquele momento, já havia sido deflagrada pela Polícia Federal a operação Furna da Onça, que investigava desvios de verba pública em gabinetes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Essa operação, que atingiu Queiroz, foi avisada com antecedência a Flávio pela Polícia Federal, segundo denunciou à Folha o articulador da campanha presidencial de Bolsonaro, Paulo Marinho. Empresário, Marinho depois rompeu com os Bolsonaro, apesar de seguir como suplente de Flávio no Senado.

Outro ex-aliado do clã, Abraham Weintraub, em entrevista ao podcast Inteligência Ltda, corroborou as denúncias de Marinho a respeito do vazamento da operação da PF. Flávio sempre negou que soubesse das informações previamente, mas Queiroz foi exonerado do gabinete dele na Assembleia menos de um mês antes da investigação se tornar pública.

Àquela época, o coronel Teixeira, já na reserva, exercia a função de coordenador logístico no Ministério da Integração nos últimos dias do governo Michel Temer. Na gestão Bolsonaro, a pasta foi integrada ao atual Ministério do Desenvolvimento Regional.

Ao Intercept, Queiroz e o coronel Teixeira negaram que o escândalo das rachadinhas tenha influenciado na negociação do apartamento. O militar considerou que a venda foi um alívio, apesar de se sentir exposto por isso.

“A gente, logicamente, não é alienado do mundo. Para mim só teve pontos positivos [a conclusão da venda]. Eu nunca imaginava, em 1999, qualquer situação ao que pudesse vir no futuro. Para mim foi bom, entendeu? Agora, a pergunta acho que tinha que ser direcionada para ele [Queiroz]. Acho que é mais interesse dele. Por que quem fica exposto nesse caso sou eu, né?”, argumentou Teixeira.

Queiroz nos respondeu que a venda se concretizou em dezembro de 2018 porque “foi a hora que eu tive tempo, que eu tava livre, tirei férias”. “Pedi minha exoneração [ do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro] para resolver todos os meus problemas, tanto de saúde quanto particulares”, disse.

Perguntamos ao coronel se ele confiava em Queiroz e se faria a venda novamente e nas mesmas condições. Ele desconversou e disse que não se sentia à vontade para responder.

Nos hospitais Federais do Rio

Antes de chegar à Casa da Moeda, o coronel Teixeira já circulava no Planalto. Ele havia sido convocado pela Secretaria-Geral da Presidência da República para uma ação prioritária dos primeiros dias do governo Bolsonaro.

Escolhido pelo então ministro e general da reserva Floriano Peixoto, Teixeira participou entre fevereiro e julho de 2019 de uma força-tarefa batizada de Ação Integrada de Apoio à Gestão dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro, listada como uma das metas dos primeiros 100 dias da administração dos militares. A contratação dele se deu por intermédio da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, ligada ao governo federal. O salário mensal girava em torno de R$ 10 mil, segundo nos disse.

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O coronel Washington Teixeira é o primeiro elo claro entre os militares do Exército com cargos no alto escalão do governo Bolsonaro e Fabrício Queiroz.

Foto: Reprodução

Durante a carreira como oficial da ativa, o coronel Teixeira ocupou cargos no Exército e do Ministério da Defesa em que detinha poder de decisão em processos de licitação, contratos e ordenamento de despesas. Num deles, respondeu a processo criminal em que foi acusado de participar de um esquema de emissão de notas frias para a aquisição de medicamentos e equipamentos para o hospital militar do Recife. Foi inocentado.

As acusações contra o coronel estão detalhadas em uma auditoria militar. Foram identificados os crimes de estelionato, corrupção passiva, corrupção ativa, falsificação de documentos que causaram prejuízos de R$ 4 milhões aos cofres públicos. A Justiça Militar apurou denúncia contra 18 pessoas. Teixeira foi absolvido, mas outras dez pessoas, entre civis e militares, foram condenadas à prisão pelo Superior Tribunal Militar. As penas variaram de quatro a seis anos de prisão.

Washington Teixeira é da turma de 1985 da Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, responsável por formar todos os oficiais do Exército brasileiro. O currículo dele, disponível no site da Casa da Moeda, indica que ele se especializou em trabalhar em hospitais da força.

Na Aman, Teixeira escolheu a arma da intendência – a mesma de de um general famoso, Eduardo Pazuello, de quem foi contemporâneo na academia. No Exército, o pessoal da intendência é responsável por administrar a rotina e a burocracia do funcionamento dos quartéis. Mesmo em situação de combate, cabe à intendência cuidar de fazer chegar água, comida e suprimentos a quem está na linha de frente. Por tudo isso, os oficiais da intendência são tidos como os “civis” entre os militares – o que, no meio, é tudo menos um elogio. Eles também não podem, se chegarem a generais, ganhar a quarta estrela – o topo da carreira para quem é da intendência é ser general de três estrelas.

A carreira de Teixeira foi a típica para um oficial da intendência. Ele passou a maior parte do tempo no serviço ativo em cargos de controle de contas, ordenamento de despesas e realização de licitações de órgãos do Exército e hospitais militares.

CPI da Pandemia levantou a suspeita de que gestão dos hospitais federais do Rio estaria sob influência direta de Flávio Bolsonaro.

A experiência com processos de compras e a rede de amigos que estabeleceu na caserna levaram Teixeira a participar do governo Bolsonaro. Em fevereiro de 2019, uma das prioridades do recém-iniciado mandato era organizar a burocracia, os processos licitatórios e os trâmites internos dos seis hospitais federais do Rio de Janeiro.

Esse projeto foi comandado inicialmente pelo coordenador da campanha de Bolsonaro e ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, morto em março de 2020. Ele esteve à frente das Ações Integradas e denunciou que milicianos comandavam o hospital federal de Bonsucesso. Poucas semanas depois da denúncia, Bebianno saiu do governo rompido com Bolsonaro e o filho 02, o vereador Carlos.

A CPI da Pandemia do Senado levantou a suspeita de que a gestão dos hospitais federais do Rio estaria sob influência direta do senador Flávio Bolsonaro. Ele sempre negou.

Teixeira e outros seis colegas coronéis do Exército foram levados ao grupo de coordenação após a queda de Bebianno pelas mãos do general Floriano Peixoto, que assumiu a vaga de ministro. Atualmente, Peixoto preside os Correios.

Uma das pessoas que esteve à frente dessas ações nos contou, sob a condição de não ser identificada, que foi opção de Peixoto a entrada dos militares em Bonsucesso, “onde havia muita denúncia de má prática e sabotagem”. Teixeira informa em seu currículo que trabalhou no grupo como consultor. Mas há poucos registros públicos sobre as funções que desempenhava no cargo. A única vez em que Teixeira aparece na agenda de Floriano Peixoto é no dia 26 de março de 2019, mas não há detalhes do que foi tratado pelos dois.

Teixeira nos confirmou que a escolha dos militares para a Ação Integrada se deu por opção da Secretaria-Geral da Presidência, a partir da indicação de amigos do Exército.

“Sou do tempo em que a gente falava assim, naquele dia de São Cosme e Damião vai dar [bala]. Aí você já sabia, e naquele dia e hora você estava lá. Você fica sabendo, as pessoas conversam, né?”, afirmou, ao nos explicar como chegou ao cargo. Ele disse ainda que amigos da caserna o avisaram sobre o processo, mas que a escolha se deu por análise de currículo na Secretaria-Geral da Presidência.

Queiroz e os Bolsonaro

Policial militar aposentado e há décadas amigo íntimo de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz atualmente é pré-candidato a deputado federal pelo PTB do Rio. Tendo apoio da família presidencial, ele não se intimidou nem mesmo com os processos e as denúncias do Ministério Público do Estado do Rio que o levaram a prisão. Os promotores o acusam de ser operador do esquema de desvio de verba pública e lavagem de dinheiro que movimentou R$ 2 milhões entre 2007 e 2018 no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.

Queiroz já foi descrito pelo próprio presidente como um homem que “fazia rolo”. Os documentos públicos levantados por nós em nove cartórios do Rio de Janeiro indicam que, por um lado, Bolsonaro tem razão. Por outro, jogam mais dúvidas sobre os segredos que guarda o homem de confiança da família presidencial.

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