“S“Se você desmatar ilegalmente, vai pagar caro, porque a gente vigia e combate bem de perto”, diz o locutor do comercial de 30 segundos veiculado na TV aberta de Mato Grosso. É uma peça publicitária do governo comandado por Mauro Mendes, do União Brasil, que promete tolerância zero com o desmatamento ilegal e garante que crimes do tipo são vigiados por satélites em tempo real.
Promessas idênticas estão também em outdoors espalhados nas ruas da capital Cuiabá e nos municípios com os maiores índices de desmatamento ilegal, de acordo com a Secretaria de Estado de Comunicação, a Secom. A pasta não quis revelar quanto gastou na campanha. Os Ministérios Públicos Federal, o MPF, e Estadual, o MPE, são parceiros na divulgação.
As propagandas são parte de um programa estadual de combate a incêndios florestais e ao desmatamento ilegal. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso, a Sema, ele terá o investimento de R$ 60 milhões em 2022. Mais de 5% desse dinheiro, ou R$ 3,7 milhões, vêm do REM Mato Grosso, programa em que o Banco Alemão de Desenvolvimento e o Governo do Reino Unido premiam estados que cumprirem metas pré-estabelecidas de redução de emissão de CO2 e de desmatamento.
Mauro Mendes procura demonstrar que Mato Grosso irá cumprir o que ele classificou como uma “meta ousada“. O governo do estado responsável por 32% da soja produzida no Brasil promete neutralizar as emissões de carbono no estado até 2035, conforme foi dito a potenciais investidores e parceiros internacionais em novembro do ano passado, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas 2021, a COP26, realizada em Glasgow, Escócia.
Um mês antes, Mendes havia assinado um decreto criando o programa que batizou de Carbono Neutro MT. Além da meta de neutralizar as emissões de carbono, ele também prevê a redução do desmatamento ilegal e o controle de incêndios florestais – responsáveis por parte considerável das emissões. Com o documento, o Mato Grosso aderiu à campanha Race to Zero (Corrida ao Zero, em tradução literal do inglês), uma iniciativa da convenção-quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudança do Clima que incentiva projetos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
Mendes também integra o Consórcio Brasil Verde, formado por 22 governadores com a intenção de captar recursos “de financiamento climático para a redução de emissões e incentivo à geração de energias renováveis” – ficaram de fora Acre, Amazonas, Rio de Janeiro e Rondônia. Durante o lançamento do consórcio na COP26, Mendes se deixou fotografar sustentando a faixa “Governadores pelo Clima”.
Mas o mundo real não é bonito como o da propaganda. A Sema, principal órgão de ação ambiental do governo do Mato Grosso, na prática contradiz as promessas vendidas na publicidade oficial e em matérias na imprensa local e nacional. É o que demonstra um estudo ainda inédito encomendado pela Operação Amazônia Nativa, a Opan, uma organização indigenista local, pelo Observatório Socioambiental de Mato Grosso, o ObservaMT, e pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento, o Formad.
O levantamento demonstra que o julgamento dos autos de infração ambiental é um gargalo que, na prática, garante aos infratores uma chance próxima a 40% de que seus processos prescrevam antes de serem julgados. O estudo indica que se trata de um problema estrutural do órgão, presente tanto em governos anteriores quanto no atual, de Mauro Mendes.
A Amazônia teve a pior taxa de desmatamento no primeiro trimestre em 15 anos – e o Mato Grosso lidera a devastação.
O auto de infração documenta o dano ambiental, e é a partir dele que se inicia o processo necessário para responsabilizar e punir o responsável. O estudo, entregue em primeira mão ao Intercept para a produção desta reportagem, analisou 1.012 processos administrativos que estavam na última instância entre janeiro de 2017 e agosto de 2021. Grande parte deles prescreveu e, por isso, foi extinta.
Como resultado, infratores deixam de ser punidos e, as multas, de ser pagas. Assim, as próprias autoridades ambientais do estado garantem a impunidade de dois a cada cinco infratores ambientais, inclusive no caso do desmatamento ilegal, cometido em larga escala no Mato Grosso.
Dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, mostram que, nos primeiros três meses de 2022, o bioma Amazônia registrou o pior índice de desmatamento no primeiro trimestre em 15 anos: 687 km2, área maior que a ocupada por Florianópolis.
Quem liderou a devastação foi justamente o Mato Grosso, sede de 46% de todo o desmatamento registrado, segundo o Imazon. “Além disso, metade dos 10 municípios que mais desmataram ficam no estado: Nova Ubiratã, Juara, Feliz Natal, Porto dos Gaúchos e Juína. Juntos, eles somaram 35 km2 de floresta derrubada, 61% [do total devastado] no estado”, detalhou o instituto.
Já uma pesquisa divulgada em fevereiro deste ano pelo Instituto Centro de Vida, o ICV, uma ONG dedicada ao estudo e incentivo de práticas de transparência e governança ambiental no uso da terra e recursos naturais, revelou que 92% do desmatamento em fazendas de soja no Mato Grosso entre agosto de 2008 e julho de 2019 foi feito sem a autorização dos órgãos ambientais. O estado é o maior produtor de soja do país.
Por fim, um mapeamento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe, mostra que, entre agosto de 2020 e julho de 2021, houve um aumento de 9,9% no desmatamento de áreas de Amazônia e Cerrado no Mato Grosso. Nesse período, 85% do desmatamento no estado foi ilegal.
O estudo encomendado pelas três entidades e analisado pelo Intercept se debruçou sobre as decisões finais, ou acórdãos, das Juntas de Julgamento de Recursos do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso, o Consema, proferidas entre janeiro de 2017 e agosto de 2021. São três juntas, cada uma composta por três representantes do poder público, três de entidades da sociedade civil e três de entidades ambientalistas não governamentais. O Consema é um órgão colegiado do Sistema Estadual de Meio Ambiente, que está sob gestão da Sema.
O estudo avaliou a quantidade de infrações por categoria, o tempo de julgamento dos autos, a quantidade de prescrições, o montante das multas aplicadas e as efetivamente pagas.
A maioria dos 1.012 acórdãos do período tratava das infrações de “desmatamento” e “operação/atividade sem licença ambiental”, com 259 e 256 processos administrativos julgados, respectivamente. Outra categoria, definida como “infrações contra a flora”, somava 116 processos que, segundo o estudo, devem ser avaliados como prováveis casos de desmatamento, já que “também implicam, a depender do caso, em degradações de grande porte, na medida em que estas também incluem condutas como destruir ou danificar florestas”, diz a autora do estudo, a advogada Bruna Medeiros Bolzani, mestra e doutoranda em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
Impunidade por omissão
O estudo mostra que, dos 1.012 processos administrativos analisados, 326 levaram de oito a 10 anos para serem julgados em última instância, e 273 levaram mais de uma década. Isso quer dizer que, em 59% dos casos analisados, a demora da Sema e do Consema foi incapaz de produzir um acórdão em menos de oito anos. Por outro lado, apenas 108 casos – menos de 10% do total – foram julgados em até três anos.
Tal morosidade explica o alto índice de prescrição dos processos, ou seja, a extinção deles por falta do cumprimento legal do prazo de julgamento. Dos 1.012 processos, 393 – ou 39% – prescreveram. Com isso, houve prejuízo de R$ 117 milhões em multas por infração ambiental que não chegaram a ser cobradas e, por isso, nunca serão arrecadadas. Além, é claro, da impunidade de quem destruiu o meio ambiente.
Chama a atenção o caso da empresária e agropecuarista gaúcha Lisângela Zamboni, autuada em maio de 2010 por “destruir e danificar floresta nativa em área de reserva legal, dentro de 5.111,611 hectares, com utilização de fogo, sem aprovação prévia do órgão ambiental competente”.
A área destruída soma 51 km2, o equivalente a quase a metade do tamanho da capital da França, Paris. Em primeira instância, Zamboni foi condenada a pagar uma multa de mais de R$ 38 milhões, mas recorreu, alegando prescrição do prazo para aplicação da penalidade. Desde a autuação, em maio de 2010, o processo levou exatos 35 meses para dar os primeiros passos na burocracia interna da Sema, em abril de 2013. Levaria outros 39 meses até que fosse definido o valor da multa, em julho de 2016.
Ocorre que, pela legislação estadual, um processo administrativo aberto contra infratores ambientais pode prescrever em três anos, desde que nesse período permaneça sem julgamento ou impulso processual, como um despacho. Existe uma segunda porta aberta para a prescrição, caso decorram cinco anos entre a data do ato e o início da apuração administrativa. A legislação não impõe o julgamento do processo em cinco anos, exatamente porque existem possibilidades de interrupção do tempo de prescrição.
“A lei deixa claro que têm que ser considerados os marcos interruptivos da prescrição, e isso, em muitos casos, tem sido ignorado pelas juntas. O Consema tem forçado o entendimento de que o processo, sem decisão, prescreve, independentemente se houve ou não impulsionamento do processo”, afirma Herman Oliveira, secretário executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento.
A defesa da agropecuarista Zamboni argumentou que o caso ficou três anos parado sem julgamento ou despacho e pediu a prescrição. A tese foi acolhida no Consema, que anulou todo o processo em decisão de agosto de 2019. Isso quer dizer que a Sema foi incompetente para decidir sobre um caso aparentemente simples ao longo dos mandatos de três governadores – Silval Barbosa, do MDB, Pedro Taques, do PSDB, e, por fim, Mauro Mendes.
A anulação da multa de R$ 38 milhões aplicada a Zamboni é o maior caso de prescrição verificado entre janeiro de 2017 e agosto de 2021, período analisado no estudo. Mas não foi a única vez que uma decisão do Consema motivada pela incompetência da Secretaria do Meio Ambiente favoreceu a empresária.
Lisângela Zamboni destruiu quase metade da área de Paris em mata nativa, mas recebeu milhões em financiamentos estaduais.
Em novembro de 2019, o Consema novamente acatou a tese da defesa de Zamboni e extinguiu outra multa, essa de R$ 1,75 milhão, “por fazer uso de fogo em 1.796,254 hectares de área agropastoril, sem autorização do orgão ambiental competente”. A autuação foi feita também em maio de 2010.
A defesa alegou, nesse caso, “ilegitimidade passiva dos recorrentes” e “falta de nexo de causalidade”. Ou seja: não foi provado que Zamboni era a autora do incêndio e, portanto, ela não poderia ter sido autuada. Em sua exposição, os conselheiros do Consema informam que a multa foi lavrada por imagem de satélite e que por duas ocasiões a acusada requereu vistoria no local. Como, para o Consema, o ônus da vistoria cabia à Sema, o auto de infração foi cancelado.
Com isso, apesar de ter destruído quase metade da área de Paris numa reserva de mata nativa, Zamboni não teve problemas em conseguir licenças e o incentivo do governo do Mato Grosso para seus empreendimentos. Em novembro de 2010, março de 2013 e novamente em abril de 2022, ela foi beneficiada com a inclusão no Programa de Desenvolvimento Rural do Estado, o Proder-MT, que garante incentivos fiscais – como a redução de impostos – a produtores rurais. Além disso, entre abril de 2016 e dezembro de 2020, a empresária garantiu aprovação do estado para acessar R$ 2,5 milhões em financiamento de um fundo público federal.
Prescrição por poucos dias
Também gaúcho e agropecuarista, Olavo Demari Webber é fabricante de tubos e forros de PVC em Sorriso. Em 2009, ele foi autuado por cometer uma infração ambiental gravíssima – queimar sem autorização 2 mil hectares de pastagens e mil hectares de mata.
A multa, de R$ 2,45 milhões, só foi estipulada sete anos depois. Mas a decisão final do Consema levaria ainda outros três, vindo em março de 2020. Isso resultou na prescrição do processo por irrisórios 11 dias.
“Como esse, há vários outros casos em que a prescrição ocorre por poucos dias. Fica a impressão de que é o que a Sema busca, pois há previsão legal e jurisprudência que a autorizam a não reconhecer a prescrição”, afirma Bolzani.
Ela cita o exemplo da empresa Guaxe Construtora e Terraplanagem, autuada em junho de 2013 por construir trechos da rodovia MT-480 sem licença ambiental e por danificar 13 hectares de vegetação natural em área de preservação permanente sem autorização da Sema. Em novembro de 2018, a empresa foi multada em R$ 568 mil, mas recorreu, alegando prescrição por falta de movimentação do processo pelo poder público entre abril de 2014 e outubro de 2018.
Em dezembro do ano passado, o Consema acatou a tese da defesa, embora o poder público tenha movimentado o processo nos meses de março de 2015 e 2017, o que bastaria para interromper a contagem do tempo de prescrição.
Olavo Webber aparece como réu em outros 34 processos, entre autos de infração e termos de embargo em diferentes cidades do Mato Grosso, a maioria deles por violar a lei federal 9605/88, que trata dos crimes ambientais. Em 2007, ele foi flagrado em uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho mantendo em situação de trabalho degradante 20 dos 34 funcionários em uma de suas fazendas, em Porto dos Gaúchos. Segundo apuração da Repórter Brasil, os trabalhadores dormiam em um grande galpão, “dividindo espaço com agrotóxicos, calcário, ração de animais, máquinas e utensílios agrícolas”.
Mas, tal qual Lisângela Zamboni, apesar das infrações recentes e pregressas, Olavo Webber não teve problemas para conseguir viabilizar negócios junto ao governo do estado. Em portaria de novembro de 2021, a Sema deu ao empresário o direito de captar água no córrego Água Limpa para irrigar 235 hectares de soja, milho e feijão na Fazenda Condor, em Porto dos Gaúchos. A autorização vale até novembro de 2031.
Entre 2019 e agosto de 2021, 77% dos infratores deixaram de pagar multas ambientais: um montante de mais de R$ 238 milhões.
Eu entrei em contato com Lisângela Zamboni por telefone, mas ela se recusou a responder perguntas sobre o caso das multas. Também liguei para a empresa de Webber, a Forteplast, buscando um contato com ele. A funcionária que me atendeu mentiu, dizendo que ele não era o dono da empresa, e se recusou a me informar o paradeiro do empresário. No telefone da Boa Sorte Agropecuária, outra empresa de Webber, a pessoa apontada como contato disse não conhecê-lo. Também tentei falar com o empresário por e-mails e outros telefones, sem sucesso.
Ao todo, as decisões das juntas recursais do Consema no período analisado resultaram em R$ 116 milhões em multas efetivamente cobradas. Mas, desse total, o montante de fato arrecadado pelo governo mato-grossense foi de pouco mais de R$ 43 milhões, ou 37% do total devido.
Entre 2019 e agosto de 2021, nada menos que 77% dos infratores deixaram de pagar multas ambientais, e o valor devido por eles – mais de R$ 238 milhões – foi inscrito em dívida ativa. Isso detona um longo e custoso processo, a cargo da Procuradoria Geral do Estado, a PGE. Ela primeiro irá procurar o devedor de forma amigável e só ante uma negativa de acordo é que irá recorrer à via judicial.
“Parte relevante das infrações ambientais não é cobrada ou paga, muitas vezes sem justificativa coerente ou plausível”, garante o estudo. “Nesse sentido, e sob gestão do órgão ambiental responsável, dá-se espaço para a ilegalidade e para os crimes relacionados ao desmatamento, à caça e pesca ilegal, a queimadas, à poluição do ar e dos rios, ao exercício de atividades sem licenciamento, entre outros. Tais crimes têm afetado diretamente a população do estado e causado consequências ambientais irreversíveis a curto, médio e longo prazos”, afirma a Opan.
O gargalo permanece
Eu apresentei à Sema questões sobre a demora no julgamento dos processos ambientais, objeto do estudo. A secretaria me informou que uma força-tarefa foi montada para acabar com uma fila de mais de 10 anos de autos de infração ambiental sem julgamento.
“Só em 2021 foram julgados 6.260, mais que em 2020 (5.781) e 2019 (3.173). A meta é eliminar o passivo de processos, e julgar o auto de infração dentro do mesmo ano em que ocorreu o crime ambiental, garantindo assim, a efetiva cobrança das multas ambientais em Mato Grosso”, prometeu o governo. Todos os julgamentos foram em primeiro grau, no âmbito da Sema, e os infratores ainda podem recorrer.
Em dezembro de 2021, um material da divulgação da Sema louvou o esforço para desaguar processos acumulados. “Encontramos um passivo de cerca de 14 mil processos. Destes, cerca de 2 mil já estavam prescritos. O julgamento do restante colocamos como prioridade, para garantir que não haja impunidade para quem desmata ilegalmente ou comete outros ilícitos ambientais em Mato Grosso”, garantiu a secretária Mauren Lazzaretti. Antes de encabeçar a Sema, ela ocupou outro posto chave na pasta nos dois governos anteriores: foi secretária adjunta de Licenciamento Ambiental e Recursos Hídricos entre 2010 e 2012 e entre 2016 e 2017.
Eu apresentei as respostas da Sema e as palavras da secretária Lazzaretti à advogada Bruna Bolzani, autora do estudo encomendado por Opan, ObservaMT e Formad.
Ela me respondeu que o gargalo que causou prescrições segue a existir e se deve a uma aparente má gestão processual. Bolzani olhou com lupa para os julgamentos realizados pelo Consema já na gestão de Lazzaretti e se deparou com uma confusão de datas. Em 5 de fevereiro de 2020, por exemplo, o Consema julgou autuações de 2008, 2009, 2012 e 2018. Em 23 de outubro de 2020, decidiu sobre casos iniciados em 2007, 2008, 2009, 2013 e 2018. Em 10 de março do ano passado, julgou processos de 2008, 2009, 2010, 2013, 2018 e 2019.
“Não vejo como seja possível afirmar que há ‘prioridade’ para ‘que não haja impunidade’ quando num mesmo dia são julgados autos de infração de diversos anos, o que inclusive abre brecha para a possibilidade de arbitrariedade no encaminhamento dos processos administrativos. Por simples lógica, para se evitar prescrição é necessário julgar os mais antigos e verificar dentro de cada processo administrativo se houve alguma causa de interrupção da prescrição”, explica Bolzani.
Em outras palavras, o gestor público precisa movimentar o processo administrativo com ações específicas capazes de interromper a contagem do tempo que leva à prescrição.
“Não basta à Sema ser produtiva e eficiente. É necessário cumprir com os princípios da administração pública expressos no artigo 1° da Lei Estadual 9.195/2009. As ações de fiscalização para o combate ao desmatamento em Mato Grosso precisam ser intensificadas. Mas isso vai ser ineficaz, inclusive no uso do dinheiro público, se na outra ponta os processos administrativos não tiverem qualidade jurídica”, crava a advogada.
Pedi à Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso que explicasse e comentasse os resultados do estudo e que apresentasse informações sobre o esforço para desaguar processos acumulados. O órgão informou que as prescrições analisadas no estudo aconteceram “em processos que não foram julgados no prazo correto durante as gestões anteriores da Sema” e que a pesquisa representa o cenário em que foi recebida a gestão pelo atual governo.
“Em 2022, com a recuperação financeira do estado, houve a criação do jeton, que é um pagamento aos integrantes do Consema pela participação nas reuniões e análise técnica dos processos. Esta melhoria segue o molde de outros conselhos para garantir a produtividade e o bom andamento do trabalho técnico”, explicou a secretaria. A pasta também afirmou que está em fase final de implementação de um programa que torna digital o processo de responsabilização dos infratores ambientais para, segundo a Sema, dar celeridade e transparência aos trâmites.
A secretaria tem um passivo de cerca de sete mil processos sem julgamento em primeira instância, todos relativos a autos de infração aplicados na gestão de Mauro Mendes. Já no Consema, há 1.051 processos com julgamento pendente em segunda instância.
Terra sem lei e crise climática
Uma sucessão de erros jurídicos e decisões inexplicáveis expõem a baixa qualidade dos julgamentos dos acórdãos produzidos pelo Consema entre 2017 e 2021. São decisões produzidas ao longo dos governos de Pedro Taques e Mauro Mendes e severamente criticadas no estudo.
Entre os exemplos destacados está o do agropecuarista Moacyr Battaglini, autuado em 2014 por desmatar, sem autorização, 3,5 mil hectares de vegetação nativa dentro de unidade de conservação de uso sustentável. Ele foi multado em mais de R$ 7 milhões. A defesa recorreu, pedindo o cancelamento do auto de infração, da multa e do embargo imposto às atividades da fazenda. Em 2017, o Consema acolheu o pedido da defesa, livrando Battaglini de todas as punições, mas sem apresentar a fundamentação jurídica da decisão.
Em 2013, o produtor rural Isan de Oliveira Rezende foi autuado por cortar madeira de lei em desacordo com determinações legais e por destruir ou danificar floresta de preservação permanente. Pelas infrações, foi multado em R$ 3,5 mil e teve a madeira e um trator apreendidos. Ao recorrer, Rezende pediu a anulação do auto de infração, a improcedência da multa e a devolução dos bens apreendidos. Foi atendido pelo Consema em abril de 2019. Mais uma vez, o conselho não se preocupou em fundamentar a decisão.
Um caso iniciado em 2010, mas com decisão final do Consema apenas em 2018, chama ainda mais a atenção. Três meses após autuar a Serra da Borda Mineração e Metalurgia S.A. por derramamento de cianeto em um curso d’água, o governo de Mato Grosso comemorou um investimento da empresa em novas frentes de extração de ouro. Com apoio oficial.
“O apoio do governo do estado foi muito importante para que o grupo desse esse novo passo. Essa receptividade do governo fortalece a relação com o estado que nos ajuda a caminhar”, declarou à época Adalberto Franco Netto Telles, então diretor financeiro do grupo canadense Yamana Gold, dono da Serra da Borda.
Na contramão da autuação recém-lavrada pelo próprio governo do estado, Telles afirmou que o grupo canadense prezava pelo meio ambiente e seguia todas as normas legais, incluindo o Código Internacional de Gerenciamento de Cianeto, que estabelece normas para mitigar impactos produzidos pelo elemento químico altamente tóxico usado na mineração de ouro.
A multa à Serra da Borda foi de R$ 612 mil. A autora do estudo diz não ter sido possível localizar, a partir das informações fornecidas pelo governo, se houve pagamento ou se a multa foi inscrita em dívida ativa.
“Os dados indicam muitas falhas dos órgãos pertencentes ao Sistema Nacional do Meio Ambiente, da Sema e do Consema na proteção ambiental e, consequentemente, a sensação de que Mato Grosso seja uma terra sem lei, em que interesses privados possam se sobrepor aos interesses públicos e à garantia de um ambiente equilibrado para a continuidade e qualidade de vida da população”, diz a Opan. Neste sentido, afirma a entidade, o estado de Mato Grosso tem contribuído para agravar o cenário de crise climática.
Exatamente o contrário do que dizem as propagandas oficiais.
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