Atualização: 15 de julho, 12h12
Este texto foi atualizado com a resposta do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Um curso online que ensina a mulheres o que é violência obstétrica e parto humanizado, quais os direitos das gestantes e como denunciar abusos suscitou a fúria do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. A entidade enviou um ofício à Ordem dos Advogados do Brasil no estado, pedindo que as “providências cabíveis” sejam tomadas contra a advogada que ministra a oficina.
No documento, assinado pela presidente do Cremesp Irene Abramovich, o conselho afirma que o curso “tem o intuito de instigar as mulheres a denunciarem os médicos especialistas em obstetrícia e pediatria, por supostas violências obstétricas”. De fato, as aulas pretendem ajudar gestantes a identificar violações de direitos e denunciar os maus profissionais que as cometem – o que não deveria ser um problema para o conselho responsável por fiscalizar a conduta médica.
O Cremesp alertou que a advogada “afirma que, com os conhecimentos por ela transmitidos em seus cursos, a mulher não mais sofrerá violência obstétrica, porque saberá como se defender!!”. O órgão segue, contudo, sem elucidar por que isso seria algo negativo, afirmando apenas que “a ofensa ao profissional médico é evidente”.
O conselho pede, então, que OAB aja “diante deste grave cenário”. Como resultado, a ordem notificou a advogada para prestar esclarecimentos até o final do mês, sem indicar que falta ética ela poderia ter cometido.
Liderado por Abramovich, o Cremesp segue os passos do Conselho Federal de Medicina ao atuar para cercear o direito das mulheres a um parto seguro e para negar a existência da violência obstétrica. Em 23 de outubro de 2018, o CFM afirmou que o termo é “uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia” que leva à “demonização” da obstetrícia.
Os dois conselhos escolhem ignorar que 45% das pacientes atendidas na rede pública e 30% das atendidas na rede privada sofrem violências no parto. Agem como se fosse seu papel defender a categoria independentemente dos abusos que alguns médicos possam cometer. E, ao que parece, assumem agora a incumbência de perseguir até profissionais do direito que ousem alertar às mulheres dos riscos que correm ao parir no Brasil.
Em resposta a este texto, o Cremesp enviou ao Intercept a seguinte nota:
Sobre o envio de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), referente a curso sobre “violência obstétrica” e “parto humanizado”, que seria ministrado pela referida advogada, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) esclarece, em primeiro lugar, que em nenhum momento teve o intuito de cercear a liberdade de expressão da profissional ou de deslegitimar seu trabalho frente à advocacia, mas sim, de chamar a atenção para os riscos do uso da expressão “violência obstétrica”.
O termo “violência obstétrica” foi considerado inadequado pelo Ministério da Saúde, ao emitir parecer, em 2019, afirmando que a expressão tem “conotação inadequada e não agrega valor à assistência à saúde, prejudicando a busca pelo cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério”. Em consonância, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou que o termo é inapropriado e deve ter seu uso abolido, visto que estigmatiza a prática médica e interfere de forma prejudicial na relação médico-paciente.
O Cremesp defende que a assistência obstétrica deve respeitar os protocolos assistenciais, sempre visando o binômio materno-fetal. A formação médica, alicerçada no Juramento de Hipócrates, tem como um de seus princípios fundamentais a beneficência — e não o contrário. Expressões como “violência obstétrica” fragilizam a relação médico-paciente e estigmatizam toda uma classe profissional.
Atos de violência devem ser encarados e rigorosamente punidos como crimes que são, e não atribuídos à Medicina, que tem como principal objetivo a atenção e o cuidado ao paciente.
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