Quem viveu o final dos anos 1990 se lembra da Tiazinha, a personagem que depilava homens na televisão no programa de Luciano Huck. Era um quadro machista e misógino, mas serviu para fazer a audiência bombar e Huck iniciar o caminho que lhe permitiu chegar a aspirante a presidenciável.
Trinta anos depois, a depilação em rede nacional não deixou de ser constrangedora. Mas políticos do Movimento Brasil Livre prometem fazer isso e outras coisas igualmente estúpidas na internet, em troca de doações em dinheiro para suas campanhas eleitorais.
É o caso de Kim Kataguiri, do União Brasil, que busca se reeleger deputado federal por São Paulo. Kataguiri diz ter orgulho de não usar o fundo eleitoral – dinheiro público destinado a financiar parte das campanhas políticas. Para 2022, são cerca de R$ 5 bilhões.
Há debates válidos e importantes sobre o fundo eleitoral. Idealmente, ele seria menor e financiaria integralmente campanhas mais baratas, de modo a reduzir a influência do poder econômico na disputa pela representação política num país incrivelmente desigual como o nosso. Por outro lado, é razoável questionar se a soma não seria melhor empregada num Brasil em que 33 milhões de pessoas não ganham o suficiente para comer.
Mas essas, é claro, são discussões adultas, e o MBL está interessado mesmo em fazer molecagem – no sentido pejorativo mesmo. Kataguiri poderia explicar por que decidiu se filiar a um dos maiores partidos do Centrão, que irá abocanhar sozinho R$ 782 milhões do fundo. Ou em que proporia investir o dinheiro que vai jorrar nos cofres do seu partido, esteja o deputado depilado ou não. Mas aí, qual a graça?
Em vez disso, ele se submete feliz a constrangimentos como depilar a perna com cera quente em uma live caso sua vaquinha online atingisse a meta de R$ 90 mil. Deu certo, mas a promessa ainda não foi cumprida. O deputado agora fala que, se chegar a R$ 100 mil arrecadados, irá jogar League of Legends – um game online de estratégia ambientado num mundo de fantasia – com Monark, ex-apresentador do Flow Podcast que defendeu a existência de um partido nazista no Brasil.
A tática ganhou adeptos no MBL, caso de Amanda Vettorazzo, coordenadora do movimento e ex-assessora de gabinete do vereador paulistano Fernando Holiday. Ela enforcava trabalho para dar rolezinho político pelo interior com Sergio Moro e Arthur do Val. Agora, promete ir a um evento depois de ser maquiada por Kataguiri se sua vaquinha eleitoral bater em R$ 30 mil. Ou passar o dia todo vestida como uma personagem do mangá japonês Naruto.
Como no caso de Luciano Huck, é bem provável que a apelação dê resultado. Mas o nível do debate político fica reduzido a um quadro ruim de programa de auditório. Se bem que, pensando melhor, isso é o que o MBL faz de menos nocivo. Em tempo: se Kataguiri e sua turma usarão ou não dinheiro do fundo eleitoral, só saberemos quando as prestações de contas finais dos candidatos forem apresentadas, após as urnas serem fechadas.
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