Conheça o Garimpo 4.0, projeto encabeçado por organização que tem sócios na mira da justiça e acesso fácil aos gabinetes do governo Bolsonaro.

Os apóstolos do impossível

Lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto

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Sentados em roda num salão de paredes de madeira rústica, garimpeiros e garimpeiras da comunidade do Mamoal, em Itaituba, Pará, ouvem atentamente a palestra de três homens. Os oradores estão vestidos como a maioria dos garimpeiros – camisetas e calças jeans – e falam sobre cuidados no descarte de lixo, formas de reaproveitar o mercúrio utilizado para separar o ouro e cuidados com a água a ser consumida para evitar impactos ao meio ambiente e à saúde.

A pregação soa como o anúncio de um milagre: bastam medidas simples para tornar o garimpo de ouro uma atividade sustentável.

É exatamente o oposto do que é o garimpo de ouro no Brasil, uma das atividades mais impactantes e devastadoras, a ponto de afetar a saúde do próprio garimpeiro. E também atravessada pela ilegalidade: entre 2019 e 2020, das 174 toneladas de ouro negociadas no país, apenas 34% tiveram origem aparentemente legal, segundo estudo realizado pelos pesquisadores Raoni Rajão e Bruno Manzolli, da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, em parceria com o Ministério Público Federal, o MPF.

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O garimpo é uma atividade diferente da mineração industrial, que usa maquinário complexo, extrai minério em larga escala e habitualmente é mais controlada pelo poder público – ainda que isso não garanta o cumprimento da legislação. Em vez disso, os garimpos empregam muita mão de obra com pouca ou nenhuma especialização, raramente se instala ou se expande com planejamento e usa máquinas pouco sofisticadas, como balsas em rios e escavadeiras hidráulicas. Como se espalha sem controle e em núcleos geralmente pequenos, frequentemente desrespeita normas ambientais e avança ilegalmente sobre terras indígenas e áreas protegidas.

Ocorre que os três apóstolos da lorota do garimpo sustentável estão diretamente interessados no milagre improvável que vendem. Tratam-se de Guilherme Aggens, engenheiro florestal e empresário, dono da Geoconsult Geologia, Mineração e Serviços Ambientais; Lucas Pavarina, ex-comerciante de ouro e presidente da Associação dos Extrativistas Sustentáveis da Amazônia, a Aesa, que apesar do nome é uma entidade da classe patronal e empresarial; e de Humberto Paiva, pastor evangélico batista e diretor executivo da Impar Consultoria.

Lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto
Lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto

Os três são também ligados à Anoro, a Associação Nacional do Ouro, entidade que reúne de garimpeiros a grandes mineradoras e faz lobby pela liberação da extração de ouro em terras indígenas, que atualmente é ilegal.

É a Anoro quem encabeça o projeto Garimpo 4.0, criado para nos convencer de que o garimpo de ouro pode ser social e ambientalmente responsável. E de que, com o programa e medidas como cadastro virtual e emissão de nota fiscal eletrônica pelos garimpeiros nas vendas do ouro extraído, a atividade pode ser amplamente legalizada em áreas onde hoje é proibida. Paiva, o pastor da Igreja Batista, é quem coordena o projeto. Aggens e Pavarina são parceiros da iniciativa, lançada oficialmente durante uma live em 21 de julho de 2021, Dia do Garimpeiro – data comemorativa instituída por uma lei de 2008.

A cena descrita no início desta reportagem está em um vídeo postado no perfil do Garimpo 4.0 no Instagram. Ali, também há fotos com os três homens durante palestras, em oficinas e ao lado de garimpeiros.

ITAITUBA, PA, 19.08.2018 - Balsas do tipo "chupão" garimpam no garimpo de ouro no rio Rato, afluente do Tapajós (PA); exploração provoca erosão e deixa rio leitoso, sem habitat para peixes. (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)

Balsas garimpam no rio Rato, afluente do Tapajós, em Itaituba, no Pará.

Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

Quando a esmola é demais

A Anoro, criadora e mantenedora do Garimpo 4.0, é presidida por Dirceu Frederico Sobrinho, dono da D’Gold DTVM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários. Trata-se de uma das maiores empresas de compra e venda de ouro do país. Em 2021, foi acusada pelo Ministério Público Federal de “despejar no mercado nacional e internacional mais de 4,3 mil quilos de ouro ilegal nos anos de 2019 e 2020”, numa ação em que é ré com outras duas empresas do setor.

O ouro, segundo o MPF, foi extraído de garimpos ilegais em Itaituba – onde está o garimpo do Mamoal –, Jacareacanga e Novo Progresso, municípios do sudoeste do Pará.

Em 2018, o dono da D’Gold foi investigado em outro caso, a operação Levigação, em que o MPF e Polícia Federal, a PF, apuram o comércio ilegal de ouro no Pará e em São Paulo. “O ouro retirado ilegalmente é comprado pelas empresas usando declarações falsas e emissão de notas fiscais para dar aparência de que o ouro tem origem legal”, afirmou à época o delegado Ricardo Rodrigues, chefe da PF em Santarém, também no Pará. Frederico e outros investigados tiveram R$ 187 milhões em bens bloqueados pela justiça naquele ano. Os inquéritos da Levigação seguem em andamento e estão sob sigilo.

Lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto
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Não para por aí. Em maio de 2022, a PF apreendeu 77 quilos de ouro de origem suspeita que chegaram de avião a Sorocaba, São Paulo, e foram interceptados quando eram transportados em dois carros para a capital, com escolta de seis homens. Dois deles eram policiais militares da segurança oficial do governador de São Paulo Rodrigo Garcia, do PSDB. A dona do ouro suspeito é a D’Gold. Frederico negou que haja irregularidades na origem do metal. Eu tentei entrevistá-lo para esta reportagem, mas ele se recusou a falar.

Assim como a empresa dele, outras do mesmo ramo que são associadas da Anoro já foram investigadas pela PF pela suspeita de comercializar ouro extraído ilegalmente – casos de Carol DTVM e Coluna DTVM.

Garimpos localizados na bacia do Rio Tapajós foram as principais fontes de ouro ilegal em 2019 e 2020, segundo o estudo da UFMG. O do Mamoal, escolhido pela Anoro para ser o modelo do Garimpo 4.0, fica ali, na Área de Proteção Ambiental do Tapajós, a unidade de conservação mais afetada pelo garimpo ilegal no Brasil. Nas APAs, como são conhecidas essas áreas, adota-se o conceito de conservação de uso sustentável, em que algumas atividades econômicas são permitidas, desde que respeitada a legislação específica.

O estudo revela que, em 2019, quase oito toneladas de ouro foram retiradas de garimpos instalados em áreas que se sobrepõem à das unidades de conservação, as UCs. Em 2020, foram lavradas mais 13,6 toneladas. “Das 21,5 toneladas provindas de UCs, foi possível realizar a classificação de 13,8 toneladas, sendo que 4,7 toneladas foram identificadas como ilegais e 9,1 como potencialmente ilegais. A Unidade de Conservação mais afetada é a Área de Proteção Ambiental do Tapajós, somando uma produção de 14,9 toneladas nos dois anos, das quais 8,9 toneladas foram identificadas como irregulares”, afirma trecho do estudo.

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Ilustração: Cezar Berger para o Intercept Brasil

Pregando em causa própria

O presidente Jair Bolsonaro, ele mesmo um garimpeiro amador, assinou em 2022 dois decretos que beneficiam diretamente Dirceu Frederico Sobrinho e suas empresas, além de funcionarem como pilares legais do Garimpo 4.0. O decreto 10.966/2022 cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, o Pró-Mape, e reverbera a proposta do projeto da Anoro de um garimpo sustentável. O Pró-Mape tem “a finalidade de propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”, diz o texto.

Já o decreto 10.965/2022 simplifica o processo que autoriza a exploração mineral em empreendimentos de pequeno porte e materializa uma demanda da Anoro por “desburocratização”. Num documento interno, a entidade afirma que a exigência do título de propriedade da terra e do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, para concessão do licenciamento ambiental da atividade garimpeira “criam dificuldades e demora”.

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Dirceu Frederico Sobrinho e Jair Bolsonaro.

Foto: Reprodução/Instagram

“Pedimos que seja simplificado o licenciamento ambiental da atividade garimpeira, bem como uniformizado, para que todos os garimpeiros possam se enquadrar dentro da lei e trabalhar de forma legal”, diz o texto. A assinatura dos dois decretos veio após intenso lobby do próprio empresário e da Anoro junto ao governo federal e a parlamentares.

“O presidente da Anoro é frequentador dos gabinetes de Brasília desde o segundo semestre de 2017. As audiências na capital federal se intensificaram a partir do segundo trimestre de 2019, após a posse do presidente Bolsonaro. Além de reuniões com o presidente da ANM, Victor Bicca, o capítulo ‘Esforço concentrado’ da publicação [interna da Anoro] lista encontros na Casa Civil da Presidência e com os ministros Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente.

O lobby tampouco fez home office. Na véspera do 1o de maio de 2020, em plena pandemia do coronavírus, Dirceu Santos se reuniu em Brasília com integrantes do Conselho da Amazônia, comandado desde fevereiro pelo vice-presidente Hamilton Mourão, com quem ele já havia se encontrado”, revelou um artigo publicado em 2020 pelo Instituto Escolhas, uma organização não-governamental que produz estudos e fomenta debates sobre temas socioambientais.

“O interesse de todas as organizações garimpeiras na Amazônia é legalizar o garimpo com o menor custo operacional possível. Ou seja, legalizar o garimpo não necessariamente significa cumprir com as exigências ambientais ou promover recomposição ambiental. Não conheço projetos de garimpo – e pode ser que existam – que fizeram recomposições dignas de suas áreas devastadas”, me disse Luiz Jardim Wanderley, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense, a UFF.

Para a pesquisadora e antropóloga Luísa Molina, consultora do Instituto Socioambiental, o Garimpo 4.0 é uma nova frente de estratégia do lobby garimpeiro para viabilizar a expansão da atividade em terras indígenas e em áreas protegidas onde a atividade é vedada ou permitida sob condições rígidas.

“Eles sabem há muito tempo que o garimpo no Brasil é completamente irregular e descontrolado e fere diversas normas. Mas surfam numa retórica de responsabilidade social e atividade ambientalmente amigável para facilitar a expansão”, Molina avaliou.

ITAITUBA, PA, 19.08.2018 - Balsa para escavação de ouro e diamante diante da terra indígena Sawré Muybu, no Pará, dos índios mundurucus no rio Tapajós. (Foto: Lalo de Almeida/Folhapress)

Balsa para escavação de ouro e diamante diante da terra indígena Sawré Muybu, no Pará, dos índios Munduruku no rio Tapajós.

Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

Contra o mercúrio, figurinhas

Um problema fundamental do garimpo é a contaminação das águas, do solo e do ar por mercúrio, usado para separar o ouro de outros materiais. Molina e Wanderley são coordenadores do estudo O cerco do ouro: garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku, publicado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

“Um estudo da Fiocruz e da [organização ambientalista World Wide Foundation, a] WWF junto aos Munduruku da terra indígena Sawre Muybu, em Itaituba, publicado em 2020, detectou níveis de mercúrio em todos os indígenas. Seis em cada dez participantes da pesquisa tinham níveis de mercúrio acima de limites seguros. Nas terras Munduruku do alto Tapajós, pesquisadores notaram que 99% das 109 pessoas estudadas apresentaram níveis de mercúrio superiores ao limite de exposição aceitável, segundo a [Organização Mundial da Saúde, a] OMS. As pessoas com os níveis mais altos de mercúrio no corpo eram as que moravam nas áreas mais afetadas pelo garimpo”, informa a publicação organizada por Molina e Wanderley.

Para fazer frente a isso, o Garimpo 4.0 distribui cartilhas ilustradas e realiza palestras que ensinam os garimpeiros a não desperdiçar e a reaproveitar o mercúrio. A medida é efetiva, segundo os agentes do projeto. Vídeos no Instagram do Garimpo 4.0 trazem depoimentos de garimpeiros satisfeitos com os resultados.

“Não tenho dúvida de que projetos que buscam reduzir a perda de mercúrio podem trazer algum tipo de benefício. Ainda assim, pelas condições precárias dos garimpos na Amazônia, a redução pode ser muito pequena, ainda mais se tivermos um aumento da produção do ouro, que significa maior uso do mercúrio, e possivelmente uma maior perda do mercúrio também”, afirmou Wanderley.

“Ainda que tivesse alguma pertinência estabelecer medidas de educação ambiental para o garimpeiro, isso faz sentido num garimpo legalizável ou legalizado. No garimpo nas terras indígenas Munduruku, essa cartilha não serve de nada, porque ele não é legalizável. E o garimpeiro saber usar a retorta, tomar água fervida, não tem absolutamente nenhuma repercussão”, falou Rodrigo Oliveira, pesquisador do Instituto Socioambiental.

‘É todo um mercado estruturado para fraudar. E as compradoras são as responsáveis, porque são elas que movimentam o mercado’.

A escolha do garimpo do Mamoal como modelo de implementação do Garimpo 4.0 é também uma forma de “maquiar” os conflitos da região do Tapajós, avaliou a engenheira ambiental Laize Sampaio, doutoranda em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo, a USP.

“A maioria dos garimpos vêm se expandindo em áreas protegidas e em terras indígenas. As taxas de desmatamento ocasionadas pela atividade garimpeira têm aumentado em uma velocidade nunca vista antes sobre essas áreas”, alertou Sampaio, que pesquisa a atividade garimpeira no Tapajós e seus efeitos sobre os modos de vida locais.

O uso do mercúrio na mineração não é proibido. Em 2017, foi promulgada a Convenção de Minamata, que pretende proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos nocivos do metal. O Brasil ratificou a convenção em 2018, mas o esforço para adotar medidas que reduzam ou eliminem a utilização do mercúrio na mineração de ouro, que consta no documento, não passou da intenção.

Desde 1981, a produção, importação e comercialização do mercúrio no país é controlada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, o Ibama. É a ele que compete, desde 2021, “receber solicitações para a autorização de importação e exportação da substância e verificar se seu uso está dentro das modalidades previstas na Convenção de Minamata.” Como no Brasil não há produção primária de mercúrio, o metal entra no país via importação.

Lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto

Site da Associação Nacional do Ouro propaga a ilusão do garimpo responsável para o meio ambiente.

“Quando se fala de garimpagem, mineração ou qualquer atividade que vai degradar o meio ambiente, vai haver muitos vilões, mas o maior de todos é o mercúrio”, admitiu a mim Lucas Pavarina. Empresário e parceiro da Anoro, ele que reconheceu que o Garimpo 4.0 pretende adquirir mercúrio para repassar a garimpeiros no Mamoal.

“A ideia é comprar com nota fiscal, dar entrada no estoque da cooperativa, emitir a nota para quem está pegando e informar para o governo que está sendo emitida a nota para o cooperado da região”, explicou Pavarina. “Resolve? Não sei, mas é uma tentativa”.

A venda de mercúrio a empresas e pessoas físicas é permitida, e suas condições constam na Instrução Normativa 8 de 2015, do Ibama. Pedi ao órgão uma lista das empresas autorizadas a importar e comercializar o metal em e-mails enviados nos dias 18 e 21 de julho, e cobrei o instituto por telefone em 4 de agosto. Não recebi nenhuma resposta.

Trabalho escravo, violência sexual contra mulheres e crianças, prostituição, tráfico de drogas, presença do crime organizado, tráfico de mercúrio e contaminação e adoecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais são outros problemas crônicos derivados do garimpo. Para eles, contudo, o Garimpo 4.0 não apresenta qualquer discussão ou proposta em seus materiais didáticos.

The Dirty Amazon Gold Business

“Os empresários estão fazendo trabalho de base, porque quem vai fechar a estrada em protestos [em favor do garimpo] não são os empresários, são os garimpeiros”, afirma Luísa Molina.

Foto: Monica Raymunt/picture alliance via Getty Images

Bucha de canhão

Rodrigo Oliveira, do Instituto Socioambiental, menciona a operação Dilema de Midas, feita pelo MPF em conjunto com a PF, que ao longo de três anos investigou a cadeia econômica do ouro no Pará e desvelou o papel central das DTVMs e seus Postos de Compra de Ouro na lavagem e escoamento de ouro ilegal.

“É todo um mercado estruturado para fraudar. E as compradoras, eu tenho convicção em afirmar, são as responsáveis, porque são elas que movimentam o mercado”, me disse o pesquisador. Por isso, Oliveira acredita que o problema central do Garimpo 4.0 é desviar o foco das DTVMs e colocá-lo sobre os garimpeiros – isto é, tirar a atenção de onde está a verdadeira ilegalidade.

“A nota fiscal [defendida pelo Garimpo 4.0] já é uma obrigação, toda transação tem que ter. Mas isso não garantiria o bloqueio de uma transação suspeita. A ausência de rastreabilidade está associada a muitos outros problemas. Por exemplo, a legislação dispensa que o garimpeiro faça um estudo do tamanho da jazida na área. Tem processos minerários que não têm ouro nenhum. Como não se sabe quanto ouro tem ali, é um poço sem fundo para lavar dinheiro. A ausência de um sistema informatizado de custódia do ouro de garimpo é o problema central”, explicou Oliveira.

Para Luísa Molina, desviar o foco das DTVMs é uma ação deliberada e estratégica da Anoro com o Garimpo 4.0. “Existe uma tentativa de associar ao garimpeiro a imagem de um trabalhador, como se o garimpo atendesse às demandas de pessoas que estão sofrendo com o desemprego e a fome no país e são empurradas para a atividade completamente desassistidas e precarizadas”, ela criticou.

“Quem ganha com a extração de ouro não são os garimpeiros metidos na lama, sofrendo com os barrancos caindo em cima deles, respirando mercúrio. São os empresários do ramo. Regularizar o garimpo é facilitar para os donos de garimpo, do maquinário, os caras que estão vendendo para empresas estrangeiras, como o Dirceu Frederico Sobrinho. Os empresários estão fazendo trabalho de base, porque quem vai fechar a estrada em protestos [em favor do garimpo] não são os empresários, são os garimpeiros”, ela prosseguiu.

Nos dias 20 e 22 de junho, por email e telefone, pedi entrevistas a Anoro e Geoconsult, mas apenas Lucas Pavarina, da Aesa, aceitou falar comigo para esta reportagem. Também pedi informações à Agência Nacional de Mineração, que não me respondeu. Enquanto isso, a Anoro segue adiante com o Garimpo 4.0. Agora, anuncia em suas redes que o projeto poderá ser ampliado em grande escala e usar recursos de fontes como o BNDES, o Fundo Amazônia e o Banco Mundial.

“Para acessar esses recursos, basta sair na frente”, diz o locutor de um dos vídeos institucionais do projeto: “ser o primeiro a apresentar o Garimpo 4.0, tornar-se referência no garimpo responsável no país e no mundo”. Difícil vai ser entregar o milagre prometido.

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