O que era para ser apenas mais uma cerimônia de posse do Tribunal Superior Eleitoral acabou se transformando em uma trincheira em defesa da democracia. Bolsonaro pensou que ouviria discursos protocolares do novo presidente do TSE, Alexandre Moraes, mas se deparou com um discurso em defesa das instituições democráticas, do processo eleitoral e de tudo o que vem sendo violentamente atacado por ele nos últimos anos. O presidente não foi insultado pelo ministro, que fez um discurso neutro, repleto de obviedades sobre a democracia e sobre a lisura das urnas eletrônicas. Mas, diante das circunstâncias criadas pelo próprio Bolsonaro, o discurso parecia uma bomba atirada contra o golpismo bolsonarista.
O novo presidente do TSE reforçou o recado que a sociedade civil deu ao presidente na duas cartas em defesa da democracia. A composição da plateia demonstrou de maneira explícita o isolamento de Bolsonaro e seus anseios golpistas. Estavam lá quase todos os últimos presidentes da República, magistrados de tribunais de todo o país, 22 governadores, os principais candidatos à presidência da República, deputados e senadores de vários partidos, ministros de todos os tribunais superiores, integrantes da OAB e do Ministério Público e ao menos 40 embaixadores. O bolsonarismo se sentiu encurralado.
Com exceção de Bolsonaro, do vereador Carluxo e da primeira-dama Michelle Bolsonaro, todos os presentes aplaudiram de pé quando Moraes afirmou que o sistema eleitoral brasileiro é motivo de orgulho para os brasileiros. “Somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia. Com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, disse Moraes. Os aplausos duraram um bom tempo, que devem ter representado uma eternidade para o presidente. Era possível cortar o constrangimento bolsonarista no ar.
O presidente fechou a cara e, sentado, assistiu seu inimigo mortal, Alexandre de Moraes, sendo efusivamente aplaudido por outros inimigos mortais como Dilma e Lula, que estavam poucos metros à sua frente. Foi lindo. Ao final da cerimônia, um Bolsonaro emburrado foi obrigado a assistir a uma rodinha de autoridades se formando em torno de um Lula simpático e desenvolto. Foi uma derrota acachapante para a turma golpista, antipolítica e mentirosa.
Além da defesa do processo eleitoral, Moraes ressaltou que o respeito às instituições é o único caminho aceitável, reforçou as diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de agressão e repudiou discursos de ódio. Trata-se de obviedades sobre o funcionamento da democracia, mas soaram como um ataque ao presidente da República. Esse é o drama do país: vivemos tempos golpistas em que a exaltação de obviedades se tornou uma arma em defesa da democracia.
Segundo Tales Faria do UOL, aliados de Bolsonaro presentes na posse consideraram a defesa enfática das urnas eletrônicas e as críticas às fake news “uma indelicadeza desnecessária” contra o presidente. É natural que a exaltação do pacto civilizatório soe como uma afronta àqueles que pretendem rompê-lo. Vivemos tempos em que o presidente da República se sente constrangido quando alguém critica mentiras e defende a democracia na sua frente.
A vida dos golpistas ficou muito mais dura. Isolados, sem apoios internos relevantes e nenhum apoio externo, o golpe anunciado vai se tornando algo cada vez mais difícil de ser aplicado. Até figuras relevantes do Centrão já se preparam para uma previsível derrocada do movimento golpista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que até semana passada se calava diante dos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas, passou a fazer críticas. Segundo ele, o presidente erra ao contestar a legitimidade das urnas eletrônicas. “Nós precisamos de eleições transparentes, sim, sem dúvidas, sim, mas o resultado das urnas eletrônicas é reconhecido. Eu disputei oito eleições, seis em urnas eletrônicas, eu não teria nenhuma condição de falar mal do sistema. Então, nós vamos para uma eleição, respeitar o resultado democraticamente. Quem ganhar, tomará posse”, afirmou o presidente da Câmara. Lira chegou até mesmo a conjecturar sobre a sua convivência com Lula caso ele seja o novo presidente.
Esse é o drama do país: vivemos tempos golpistas em que a exaltação de obviedades se tornou uma arma em defesa da democracia.
A nova postura de Lira é coisa de quem percebeu que o barco está afundando e já se prepara para embarcar em um novo governo. Faltam poucos meses para a eleição e o que se vê é um presidente cada vez mais fraco, isolado e com a possibilidade de ser derrotado no primeiro turno. O Centrão, que até pouco tempo se calava diante do golpismo em troca de verbas do orçamento, agora dá sinais de que largará o presidente da República ferido na estrada. Já estão preocupados com o orçamento do ano que vem e já ensaiam um acordo com o possível futuro governo.
Para não dizer que Bolsonaro e seu golpismo estão completamente isolados, lembremos que ainda há o apoio das Forças Armadas, de pastores neopentecostais obscuros e de meia dúzia de empresários irrelevantes para a economia brasileira. Nesta semana, vazaram conversas privadas de um punhado de empresários bolsonaristas. No escurinho de um grupo de WhatsApp, esses empresários se sentiram à vontade para apoiar de maneira firme os anseios golpistas do presidente. As conversas mostram uma defesa explícita do golpe como uma maneira legítima de impedir a volta do PT.
Marco Aurélio Raymundo, dono da marca de roupas de surf Mormaii, também conhecido como Morongo, defendeu abertamente um golpe violento e tratou possíveis cadáveres como um mal necessário: “Se for vencedor o lado que defendemos, o sangue das vítimas se tornam [sic] sangue de heróis! A espécie humana SEMPRE foi muito violenta. Os ‘bonzinhos’ sempre foram dominados… É uma utopia pensar que sempre as coisas se resolvem ‘na boa’. Queremos todos a paz, a harmonia e mãos dadas num mesmo objetivo… masssss [sic] quando o mínimo das regras que nos foram impostas são chutadas para escanteio, aí passa a valer sem a mediação de um juiz. Uma pena, mas somente o tempo nos dirá se voltamos a jogar o jogo justo ou [se] vai valer pontapé no saco e dedo no olho”, escreveu. É esse o nível dos empresariado bolsonarista. Como se vê, trata-se de um discurso ignorante, antidemocrático, violento e fanático. A boa notícia é que esse grupelho de empresários é irrelevante em comparação com os grandes empresários que assinaram a Carta em Defesa da Democracia.
Se Bolsonaro já estava preocupado com a possibilidade de perder o mandato e o foro privilegiado, a cerimônia de posse do presidente do TSE e as últimas pesquisas em que aparece estagnado aumentaram ainda mais o nível de desespero. Isso ficou ainda mais evidente no dia seguinte, quando o presidente atacou um cidadão brasileiro na rua em plena luz do dia para tentar tomar o seu celular. Ele se enfureceu ao ser chamado de “Tchutchuca do Centrão” – uma definição precisa sobre a relação do presidente com a Câmara. Depois, questionado por repórteres sobre a reportagem que revelou o golpismo de empresários bolsonaristas, se exaltou e chegou a gritar com um dos seus assessores que ousou encostar no seu braço: “Ninguém bota a mão em mim!”.
Bolsonaro está percebendo que o preço de uma tentativa de golpe está ficando cada vez mais alto. O seu discurso golpista não encontra eco na população e não conta com o apoio de nenhuma das instituições que sustentam o estado de direito. Pelo contrário, nesta semana a reação tímida das instituições deu lugar a um repúdio sério, firme e avassalador para as intenções golpistas do bolsonarismo. A cruzada para descredibilizar o sistema eleitoral sofreu o seu mais duro golpe até agora. Bolsonaro está sozinho. Ao seu lado estão apenas meia dúzia de empresários falastrões, uma base eleitoral lobotomizada e seus generais de pijama.
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