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Se o presidente Jair Bolsonaro vier a comparecer aos debates eleitorais deste ano, ficará na incômoda posição de vidraça. No poder desde janeiro de 2019, Bolsonaro, atualmente no PL, é o incumbente desta campanha, com um flanco aberto para o ataque dos adversários que exploram as falhas do seu governo. Ficou fácil antagonizar com o mandatário. Os presidenciáveis têm repetido que, uma vez eleitos, vão reverter uma série de políticas adotadas pelo presidente, sejam as voltadas para o meio ambiente, que facilitaram o desmatamento e a invasão a terras indígenas, seja no campo social para trabalhar adequadamente programas contra a extrema pobreza.
Simone Tebet, do MDB, Ciro Gomes, do PDT, e o ex-presidente Lula, do PT, defendem adotar programas permanentes de renda mínima para atenuar o grave quadro social no país. A prioridade é dar suporte às 33 milhões de pessoas que passam fome hoje. O governo Bolsonaro, que substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, conseguiu aumentar o benefício de R$ 400 para R$ 600 através da PEC Kamikaze, aprovada pelo Congresso em julho. Ela ganhou esse nome por se tratar de uma medida criada às pressas com vistas à eleição, mas que compromete o orçamento deste ano e do próximo.
Apesar da elevação de última hora do valor, o programa ficou marcado pela interrupção por três meses no ano passado, quando o governo subestimou os efeitos da pandemia. Agora, seus beneficiários vivem a insegurança de não ter o auxílio renovado no ano que vem, uma vez que o ministro da Economia, Paulo Guedes, condicionou a extensão do programa à aprovação da reforma tributária.
Lula, que lidera as pesquisas, capitalizou a queda de braço entre Guedes e Bolsonaro, assegurando que o Bolsa Família voltará de maneira permanente no valor de 600. É o mesmo número defendido por Tebet. Ciro, por sua vez, defende uma média de R$ 1.000 por família, com diversos níveis de benefício.
Seja qual for a proposta, todos os presidenciáveis esbarram nas limitações do teto de gastos. “A situação vai ser crítica para qualquer um que se eleger”, me disse Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, o CCiF. “Só a PEC Kamikaze custou 0,5% do PIB para utilizar por seis meses”, explicou. O economista acredita que a situação crítica dos vulneráveis no Brasil vai requerer uma brecha no teto para atenuar a insegurança alimentar e implementar-se políticas de inclusão.
Appy é um dos seis autores do documento “Contribuições para um governo democrático e progressista”, um conjunto de propostas de desenvolvimento para o futuro do Brasil. Em 68 páginas, o grupo de especialistas — Carlos Ari Sundfeld, Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros, Pérsio Arida e Sergio Fausto — lista medidas que ajudam a proteger vulneráveis, ao mesmo tempo em que propõe diretrizes para estimular o crescimento da economia. O documento foi entregue a todos os candidatos — menos a Bolsonaro. A ideia, segundo Appy, era dar sugestões aos presidenciáveis comprometidos com a democracia.
O compromisso democrático virou mote de campanha eleitoral em 2022. Em eleições anteriores, por exemplo, as propostas para a economia eram sempre um tema dominante. Especialmente quando havia dois candidatos com ampla vantagem, como agora. A comparação de seus projetos poderia definir a vitória ou derrota de um deles. Hoje, porém, a afirmação da democracia como regime de governo ganhou mais relevância. A insistência de Jair Bolsonaro e ministros militares em colocar em dúvida as urnas eletrônicas tumultuou o que seria um roteiro previsível no passado.
Nos planos de governo de todos os presidenciáveis há projetos para reverter as políticas de destruição da Amazônia.
Mas a reação a essas investidas vem pautando a cena nacional. A carta pela democracia em 11 de agosto, o discurso de posse do ministro Alexandre de Moraes, no Tribunal Superior Eleitoral, e até a troca de mensagens por WhatsApp de empresários que defendem um golpe de estado foram destaque nos últimos dias.
Diante desse quadro, o fortalecimento das relações institucionais virou promessa de campanha dos concorrentes de Bolsonaro. Todos asseguram que vão eliminar distorções que beneficiam este governo, como o orçamento secreto, aprovado em 2019 pelo Congresso. Lula, Ciro e Tebet já afirmaram que vão trabalhar para derrubar a chamada “emenda do relator”, que garante ao deputado ou senador responsável pelo parecer final do orçamento anual pleitear verbas públicas sem se identificar. “Acabo com o orçamento secreto no meu primeiro dia de governo”, disse Ciro em algumas entrevistas.
A dúvida é se o Supremo Tribunal Federal teria de ser provocado para julgar a constitucionalidade dessa emenda do relator, que já responde por 50% dos investimentos públicos da União, segundo o CCiF. “O recurso [público], que já é escasso, fica pulverizado entre aliados do presidente e tem pouquíssimo efeito sobre o crescimento”, explicou Appy, lembrando que essa é mais uma frente de restrição à transparência no governo Bolsonaro.
Em outra frente prioritária, os presidenciáveis avisam que vão reverter as políticas contra a Amazônia implementadas durante os anos Bolsonaro. Em todos os planos, há projetos de valorização dos órgãos de fiscalização, desmatamento zero e até a criação de um Ministério dos Povos Originários, como propôs Lula, com a liderança de um indígena.
No documento organizado por Appy e seus colegas, a economia verde tem um papel central. “A sustentabilidade pode ser um valor com a posição do Brasil, desde o mercado de crédito de carbono até produtos com desmatamento zero. Isso gera valor agregado e ajuda a reinserir o país numa posição mais forte no cenário internacional”, disse Apply. “Tem que saber usar esse trunfo”, concluiu.
Nos novos modelos de economia global, a preservação da natureza passou a ser uma nobre frente de atuação. Bolsonaro, incrivelmente, desperdiçou esse capital com grileiros, madeireiros e toda sorte de invasores de terras indígenas.
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