O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou uma dieta para perder peso. Cerca de um mês atrás, cortou alimentos pesados e passou a comer mais saladas e grelhados. Foi o suficiente para circular no PT o boato de que Lula tentava emagrecer para adequar a silhueta ao colete à prova de balas.
Para dirigentes do PT e integrantes da coordenação da campanha, o rumor é consequência do clima de paranoia que se instaurou no meio político, devido ao risco cada vez mais evidente de que a violência política seja uma das marcas das eleições deste ano.
A presidente do PT e coordenadora-geral da campanha, Gleisi Hoffmann, me contou no dia 15 que vai pedir ao recém-empossado presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, que adote medidas legais para garantir a segurança do candidato e impedir que a violência atrapalhe as eleições.
“A Justiça Eleitoral não pode agir só quando é provocada pelas nossas representações”, criticou Gleisi em uma conversa no escritório político de Lula, em São Paulo.
A versão sobre a dieta do candidato é falsa. Lula iniciou um regime por outros motivos. Mas o uso do colete é real: por orientação de seus seguranças e contra sua vontade, o ex-presidente tem usado a peça em eventos públicos. Aliados levaram ao candidato um colete mais leve, de fabricação israelense, que não atenua o impacto, mas impede perfurações. Lula está testando.
Sua assessoria não comenta assuntos relacionados à segurança, mas auxiliares do ex-presidente me disseram que as opções eram usar a proteção ou limitar o contato direto com o eleitorado. A segunda possibilidade foi descartada logo de cara, por envolver um ativo político natural do candidato.
Durante os oito anos em que esteve no governo, Lula se notabilizou pela capacidade de quebrar protocolos, driblar a segurança e ir para os braços do povo. Uma cena emblemática ocorreu no dia da posse de Dilma Rousseff, em janeiro de 2011. Lula passou a faixa para a sucessora, desceu a rampa do Palácio do Planalto e, em vez de entrar no carro que o aguardava, atravessou a rua para abraçar apoiadores.
Apesar de o perigo hoje ser maior, ao ponto de a Polícia Federal enquadrar Lula no nível de risco mais alto, os homens que fazem a escolta do candidato vão ter que se adaptar. Na viagem à cidade mineira de Uberlândia, em junho, ele driblou a proteção e foi tirar fotos com uma apoiadora. Quando os seguranças reclamaram, ele respondeu que não poderia ter agido de outra maneira. “Uma mulher sai de casa às quatro da manhã para vir até aqui e eu não vou cumprimentar?”, indagou.
Naquela viagem, aconteceu um dos episódios mais insólitos de agressão da pré-campanha. Rodrigo Luiz Parreira, que tem histórico de problemas com a justiça, usou um drone para lançar um líquido com odor de fezes sobre apoiadores de Lula em 15 de junho. Três semanas depois, um homem jogou um explosivo com fezes humanas no público que acompanhava um evento do então pré-candidato no Rio de Janeiro.
No último dia 9, a Folha de S.Paulo revelou que a equipe da Polícia Federal responsável pela escolta de Lula pediu às superintendências regionais dos estados por onde ele passou que a segurança fosse reforçada. No ofício, o chefe da equipe, Andrei Augusto Passos Rodrigues, lista sete episódios de violência ou ameaças envolvendo o petista, além de citar o “acesso a armas de letalidade ampliada” pelas mudanças legais no governo Bolsonaro.
O primeiro comício da campanha, que aconteceu em Belo Horizonte no dia 18, evidenciou a preocupação da PF. O Comando de Operações Especiais, grupo de elite da corporação que atua em situações de alto risco, foi acionado para o ato. Além de drones e agentes à paisana, havia atiradores de elite no alto dos prédios ao redor do evento. A Guarda Municipal, a Polícia Militar e o Departamento de Trânsito também foram destacados.
No final do evento, Lula se arriscou mais uma vez. “Quero pedir um favor para o pessoal da segurança. Na minha frente tem um menino cadeirante. Esse menino está cantando desde a hora que eu cheguei. Então, eu não posso ir embora sem descer até ali. Vocês cuidem de criar condições, porque eu estou descendo para dar um beijo nele”, ele anunciou antes de descer do palanque. Não foi o único desafio à segurança. O petista não usou colete em Belo Horizonte, nem em seu comício no Vale do Anhangabau, em São Paulo, dois dias depois.
Quatro círculos
As medidas de segurança foram intensificadas após um homem entrar de penetra no casamento do ex-presidente com a socióloga Rosângela Silva, a Janja, em 18 de maio, e outro invadir o lançamento das diretrizes do programa de governo da chapa Lula-Geraldo Alckmin, em 22 de junho.
As listas de políticos com acesso aos palanques ficaram mais rigorosas, o carro oficial ao qual o candidato tem direito é revezado com outro veículo blindado e os trajetos por onde Lula passa nos eventos são minuciosamente estudados.
No último dia 15, o evento de estreia da campanha foi cancelado após a equipe de Lula avaliar que o espaço não atendia às necessidades de segurança. “Eles disseram que o local não é seguro do ponto de rota de fuga, caso acontecesse alguma coisa”, afirmou à Folha de S.Paulo o presidente da força sindical Miguel Torres. “Também falaram que havia problema no acesso”, completou.
Desde que o Intercept revelou que os itinerários, horários e deslocamentos do ex-presidente em uma viagem a Curitiba, em março, foram parar em grupos bolsonaristas, a campanha deixou de informar às polícias locais os trajetos do candidato. O objetivo é evitar novos vazamentos. Além das precauções que fontes do PT aceitaram revelar, existe uma série de protocolos secretos usados conforme a necessidade.
Lula hoje conta com até quatro círculos de segurança. O primeiro é formado por homens do Gabinete de Segurança Institucional, que acompanham o ex-presidente desde que ele deixou o Planalto, em 2011 – uma prerrogativa legal dos ex-mandatários. O segundo, por agentes da Polícia Federal que o acompanham desde o final de julho, direito de todos os candidatos a presidente. O terceiro é composto por seguranças privados contratados pelo PT. E, o quarto, por centenas de militantes de movimentos como o MST, que entram em cena apenas nos eventos com grande quantidade de pessoas.
Coordenando todas essas camadas está um velho conhecido: o general da reserva Marcos Edson Gonçalves Dias, militar que acompanhou Lula como chefe de segurança durante os oito anos de governo e conhece como poucos as manias e necessidades do candidato. No ato de lançamento das diretrizes do programa, fui cumprimentar o general assim que o avistei. Ele foi gentil, como sempre, mas, quando fiz a primeira pergunta, o militar se calou. Faz parte do protocolo.
O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, se vale da estrutura de segurança a que tem direito como presidente da República mesmo em campanha. Isso significa ter à disposição agentes do Gabinete de Segurança Institucional e da Polícia Federal, que por sua vez podem solicitar – e fazem isso – apoio às polícias militares estaduais. E, quando há motociatas e eventos de rua, à Polícia Rodoviária Federal.
Em Juiz de Fora, onde Bolsonaro lançou sua corrida pela reeleição, a PRF – que, em tese, tem poderes para atuar apenas em rodovias federais – montava guarda, com duas viaturas com três policiais armados com fuzis nas esquinas de uma avenida com um calçadão. Além disso, a campanha contratou seguranças privados apenas para a convenção nacional, realizada no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, em julho.
‘Se houver segundo turno, teremos quatro semanas preocupantes’.
Em eventos como o de Juiz de Fora, dedicados exclusivamente à campanha, é o partido de Bolsonaro que precisa arcar com os custos de deslocamento dos agentes do GSI e da PF em aviões da Força Aérea Brasileira.
Essas estruturas seriam impensáveis na campanha de 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez. Na época, ele contava apenas com o auxílio de Freud Godoi, Aurelio Pimentel e José Carlos Espinoza, ex-integrantes do Sindicato dos Metroviários de São Paulo que faziam as vezes de companheiros de viagem, faz-tudo e seguranças.
Naquela pré-campanha, dei uma carona a Lula depois do lançamento do programa Fome Zero, no edifício Martinelli, centro de São Paulo. Ele aguardava sozinho em um ponto de táxi na rua, já no início da noite, e aceitou que o deixássemos em um local mais seguro.
O acesso ao então candidato era simples, e os episódios de medo não passavam de sustos passageiros. No comício em Salvador, um dos últimos de 2002, Lula e sua esposa Marisa Letícia deixavam o palanque montado no Farol da Barra em meio a 100 mil pessoas quando uma mulher subiu na grade de proteção e se atirou sobre ele. Era uma das irmãs de Lula por parte de pai, que morava em outro município da Bahia e não o via há décadas.
No dia seguinte, no hotel onde estavam hospedados, Lula e Marisa reviram as fotos do incidente. Ela não se convenceu com a explicação do marido e continuou achando que se tratava de uma fã mais abusada. Lula manteve a versão. “O DNA do seu Aristides [pai do ex-presidente] é forte”. Todos riram. Eram outros tempos.
‘É preciso sempre cuidado’
Na conversa da segunda-feira passada, Gleisi deixou escapar que outros integrantes do PT também tiveram a segurança reforçada. O mesmo acontece com candidatos de oposição a Jair Bolsonaro Brasil afora. Em meados de julho, um apoiador do presidente tentou invadir o palanque do ex-governador do Maranhão Flávio Dino, candidato a senador pelo PSB, na cidade de Codó, e precisou ser imobilizado por seguranças.
“Hoje, infelizmente, é obrigatório reforçar a segurança porque, na medida que você polariza com uma corrente política extremista que tem a violência na sua identidade, é preciso sempre ter cuidado. Seja por algo organizado ou por ações isoladas. Nós vimos na convenção do PL o Bolsonaro estimulando isso”, me disse Dino.
Um segurança do ex-governador me confidenciou que uma das dificuldades nesse tipo de caso é a necessidade de cautela durante a ação, porque qualquer imagem de violência, mesmo que defensiva, pode ser usada contra o candidato.
O advogado Augusto Arruda Botelho, candidato a deputado federal pelo PSB de São Paulo, também tem andado com seguranças. Ele conta que é alvo de ofensas nas redes sociais desde que começou a defender posições de esquerda no programa O Grande Debate, da CNN, mas que as ofensas se transformaram em ameaças depois do anúncio de sua candidatura.
Botelho falou que, recentemente, estava em um restaurante no município paulista de Itapetininga quando um homem foi até sua mesa ofendê-lo e, depois, o perseguiu de carro pelas ruas. “Infelizmente, meu prognóstico não é otimista. Essas situações tendem a piorar e, se houver segundo turno, teremos quatro semanas preocupantes”, me relatou Botelho.
Um levantamento feito pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, a Unirio, mostra que os casos de violência política aumentaram 23% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2020, quando tivemos eleições municipais. O número subiu de 174 para 214.
Depois de uma série de episódios envolvendo filiados e diretórios do partido, o PT criou em 2020 o Memorial da Violência Política, um repositório de casos de ameaças e agressões sofridas por integrantes do partido. Naquele ano, foram 107 ocorrências, o que levou a executiva nacional da legenda a elaborar, junto com advogados, uma cartilha sobre o tema distribuída entre seus filiados. O texto orienta os petistas a enquadrar juridicamente os episódios de violência política como delitos eleitorais ou, se for o caso, como crimes de racismo, homofobia etc.
Atentado em 2018
Gleisi Hoffmann avalia que a escalada de violência política tem origem na complacência das instituições democráticas, sobretudo do Judiciário.
“O que tivemos foi uma absurda ausência das instituições. Aquele episódio do tiro na caravana do Lula até agora não teve nenhuma consequência. Além disso, tiveram outros casos que não receberam a devida atenção institucional”, afirmou.
A deputada federal e ex-senadora se refere ao atentado a tiros contra os ônibus da caravana de Lula no trajeto entre os municípios paranaenses de Quedas de Iguaçu, numa região marcada por conflitos agrários entre fazendeiros, indígenas e sem-terras, e de Laranjeiras do Sul, em 27 de março de 2018.
Eu estava cobrindo a viagem em um carro que trafegava entre os dois ônibus baleados. Não ouvi os disparos, porque usava fones de ouvido para transcrever o discurso feito por Lula minutos antes, mas vi quando os veículos pararam em um posto na estrada e os motoristas e passageiros perceberam as marcas das balas.
Esperava-se que o assassinato de Marcelo Arruda mobilizasse o país contra esse tipo de crime, mas isso não aconteceu.
O atentado foi o ápice de uma escalada de violência política que teve desde homens armados com revólveres em atos contra o petista, pedradas que fraturaram o braço do ex-deputado Paulo Frateschi, chuva de ovos contra os veículos da caravana e da imprensa, soco na cara de um padre progressista, necessidade de cortar caminho por dentro de assentamentos do MST para fugir de bloqueios nas estradas e, por outro lado, a agressão contra um jornalista por parte de um segurança privado de Lula.
O primeiro delegado que investigou o caso e apontava para a tese de crime premeditado foi afastado, e o atentado nunca foi esclarecido.
Em 6 de setembro de 2018, outro caso ajudou a mudar o destino do país. Adélio Bispo, que fora filiado ao Psol, deu uma facada em Bolsonaro durante um evento de campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais. O presidente já liderava as pesquisas, mas é opinião quase unânime entre analistas políticos que a facada foi fundamental para sua vitória. De vez em quando, a hashtag #adelio ainda aparece entre os assuntos mais comentados no Twitter. Geralmente, quando o bolsonarismo está na defensiva nas redes.
Quatro anos depois, em 9 de julho, o Paraná, berço do lavajatismo, voltou a ser palco de um episódio de violência política quando o policial penal bolsonarista Jorge Guaranho entrou na festa de aniversário de 50 anos de Marcelo Arruda, tesoureiro municipal do PT em Foz do Iguaçu, e o matou a tiros na frente da família.
A expectativa era de que o assassinato fosse um divisor de águas e mobilizasse o país contra esse tipo de crime. Mas Gleisi avalia que, mais uma vez, houve leniência por parte das instituições. “O próprio inquérito tentou não ligar [o crime] à violência política, mas o fato foi muito contundente. Tivemos que fazer muita pressão”, contou.
A comandante da campanha de Lula quer aproveitar a chegada de Alexandre de Moraes à chefia do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, para cobrar medidas efetivas de prevenção da violência nas eleições, a fim de impedir que o clima de hostilidade contamine o pleito.
“Tem que ter um protocolo eleitoral e político que responsabilize o presidente da República e seu partido pela atuação [violenta] de cabos eleitorais e fiscais. O TSE existe para isso, inclusive para agir em questões de segurança pública. Tem que chamar os governadores [chefes das polícias]”, concluiu.
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