O clima do QG de Lula no último dia 9 era de preocupação. Bolsonaro havia despejado R$ 40 bilhões nas mãos do eleitorado, na forma de um Auxílio Brasil de R$ 600, vale-gás e ajuda a caminhoneiros e taxistas – além de ter pesado a mão sobre a direção da Petrobras para baixar o preço da gasolina. Ainda em 2021, o PT decidiu que a economia, o desemprego e as condições de vida da população seriam temas centrais da corrida de Lula à presidência. Uma estratégia que o derrame inédito de dinheiro público às vésperas da eleição parecia capaz de abalar.
Nos dias que antecederam o pagamento da primeira parcela do auxílio, alguns aliados chegaram a sugerir que a campanha mudasse de rumo. O integrante da coordenação de campanha e senador Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, disse em uma entrevista coletiva que a defesa da democracia e do sistema eleitoral poderiam compensar a possível perda de votos para os beneficiários do auxílio.
Mas uma mensagem publicada por Lula no Twitter em 11 de agosto, dia de manifestações contra a ameaça de golpe, deixou claro que o candidato não alteraria sua estratégia. “Defender a democracia é defender o direito a uma alimentação de qualidade, a um bom emprego, salário justo, acesso à saúde e educação. Aquilo que o povo brasileiro deveria ter. Nosso país era soberano e respeitado. Precisamos, juntos, recuperá-lo”, postou Lula. Ou seja: até quando pautou a democracia, o petista trouxe para o debate as condições de vida concretas da população.
Naquela mesma semana, pesquisas mostravam o crescimento de Bolsonaro entre o eleitorado de baixa renda em São Paulo e Minas Gerais. Ainda assim, a campanha de Lula se manteve firme. Para o PT, entrar em pautas como questões morais ou o sistema eleitoral seria como jogar no campo do adversário. Algum alívio veio no dia 15, quando pesquisas internas apontaram que 70% dos eleitores beneficiários dos auxílios dizem que a iniciativa de Bolsonaro foi eleitoreira. O diagnóstico foi reforçado por novas pesquisas, em que a diferença entre os candidatos voltou a se estabilizar.
Mesmo assim, os favorecidos pelo auxílio serão o alvo de Lula nesse início formal da disputa. Na reunião do conselho político, o marqueteiro Sidônio Palmeira mostrou um vídeo que será usado no horário eleitoral da TV, em que os entrevistados relacionam os programas de transferência de renda a Lula. Em outro vídeo, a campanha mostra uma entrevista de Bolsonaro dizendo que votou contra a extensão de direitos trabalhistas às empregadas domésticas. A estratégia é alcançar o eleitorado feminino evangélico por meio de uma pauta econômica em vez das questões morais e religiosas.
Apesar da disciplina, a campanha pisou numa casca de banana quando a socióloga Rosângela da Silva, esposa de Lula, rebateu uma publicação de Michelle Bolsonaro no Twitter que relacionava religiões de matriz africanas às “trevas”. Desde então, a campanha não consegue sair da batalha religiosa. Para aliados de Lula, ele deve deixar o tema de lado com uma fala atribuída ao próprio Jesus Cristo sobre a separação entre política e religião em Mateus 22:15-22. “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?