Em entrevista para o programa Contragolpe, do Intercept, o professor de filosofia e presidente do Cebrap Marcos Nobre conjecturou sobre o futuro do bolsonarismo. Para ele, o grande objetivo de Bolsonaro hoje é “chegar ao segundo turno, demonizar o adversário, diminuir a distância entre eles e depois contestar o resultado das urnas”. Isso manterá sua base engajada e a narrativa golpista viva entre os políticos bolsonaristas que serão eleitos. Diante do cenário difícil na disputa presidencial, chegar ao segundo turno já seria uma vitória significativa. Isso garantirá força o suficiente para ocupar o papel de principal antagonista de um possível governo Lula.
Segundo Nobre, uma derrota de Bolsonaro não significará o fim do bolsonarismo, porque eles ainda têm “capilaridade, organização e engajamento”. Possuem candidaturas competitivas na disputa por vagas na Câmara, no Senado e nos governos estaduais. “O bolsonarismo está disputando muitos governos estaduais com chance de ganhar. Mesmo que ele seja derrotado na eleição presidencial, todo esse conjunto de trastes que ele colocou no governo, que estão apoiando esse projeto autoritário, vão encontrar guarida em governos estaduais”, afirmou Nobre.
Bolsonaro tem uma rede de apoios relevante nos estados. Em pelo menos sete estados, candidatos apoiados diretamente pelo presidente lideram as pesquisas. Há ainda outros candidatos que não receberam seu apoio direto, mas que, por afinidade ideológica, tendem a compor com o bolsonarismo caso vençam. As pesquisas indicam que os partidos conservadores lideram em 19 estados e no Distrito Federal. Se eleitos, boa parte deles pode acabar se unindo ao bolsonarismo. Em Minas Gerais, por exemplo, Zema não é apoiado por Bolsonaro, mas atuou durante os quatro últimos anos como um importante aliado.
Como ficaria o mapa dos estados brasileiros caso todos os atuais líderes das pesquisas ganhassem as eleições? 👇 pic.twitter.com/IgStXP3lqG
— Rafael Almeida Ferreira Abrão (@almeida_abrao) September 4, 2022
Candidatos bolsonaristas têm boas chances em importantes colégios eleitorais como Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, Cláudio Castro, mesmo tendo comandado parte de um governo desastroso e envolvido em casos de corrupção até o pescoço, aparece quatro pontos à frente de Marcelo Freixo nas pesquisas. Estão tecnicamente empatados.
Castro tem feito o possível para driblar a alta rejeição de Bolsonaro no Rio. Evitou colocar a imagem do presidente no material de campanha e não citou seu nome nos debates. Agora, pressionado, mudou de postura e chegou a dividir palanque com ele no ato golpista de 7 de setembro. O Rio é o berço do bolsonarismo. É o estado em que as milícias estão mais intimamente ligadas à política. A eleição deCastro representará o fortalecimento dos milicianos, das rachadinhas e do discurso de ódio institucionalizado.
Não basta tirar Bolsonaro do Planalto. É preciso desidratar ao máximo o bolsonarismo nos estados para reduzir sua força política para os próximos anos.
Em São Paulo, Tarcísio de Freitas aparece à frente do governador Rodrigo Garcia na disputa por uma vaga no segundo turno contra Haddad. Para tentar driblar a alta rejeição a Bolsonaro entre os paulistas, Tarcísio adotou um tom mais pragmático e buscou se distanciar da ala ideológica do partido. A estratégia o fez crescer nas pesquisas, mas chegou ao limite. Na última pesquisa Datafolha, o tucano conseguiu diminuir a diferença, e agora os dois aparecem empatados tecnicamente. A disputa segue aberta. Uma vitória de Tarcísio no maior colégio eleitoral do país faria do estado um porto seguro para a sobrevivência do bolsonarismo no país.
Como temos visto nas últimas eleições, o resultado das urnas nem sempre reflete o das pesquisas. Diferentemente da disputa presidencial, o eleitor costuma deixar a escolha do governador para depois, o que torna tudo ainda mais imprevisível. Nas eleições para o Senado, Câmara Federal e câmaras estaduais, a expectativa é de que o bolsonarismo também tenha um bom desempenho. Um levantamento do Poder360 mostra que a coligação de Bolsonaro é a que mais tem candidatos liderando a disputa ao Senado. São 12 candidatos bolsonaristas na liderança contra nove lulistas.
O eleitorado democrata e antifascista tem se focado nas eleições presidenciais, mas deixado em segundo plano as disputas estaduais. Mas não basta tirar Bolsonaro do Planalto, é preciso desidratar ao máximo o bolsonarismo nos estados para reduzir sua força política para os próximos anos. É o que pensa Marcos Nobre: “não estamos prestando atenção o suficiente [nas eleições estaduais]. O bolsonarismo tem chance em muito lugar. Ter máquinas é vital para a sobrevivência do bolsonarismo. A gente precisa prestar atenção em todas as eleições. Há um futuro se Bolsonaro for derrotado, e a gente precisa pensar nele”.
É triste constatar que esta é uma eleição em que o bolsonarismo estará sendo definitivamente normalizado como uma força eleitoral legítima. O principal objetivo dessa corrente política é sequestrar a democracia e destruí-la por dentro. Os últimos quatro anos provaram que seus políticos são essencialmente antidemocráticos. Esta eleição deveria fazer com que todos os que zelam pela democracia se unissem em torno de um único objetivo: extirpar o bolsonarismo da democracia brasileira.
A extrema direita bolsonarista é golpista, autoritária e deve ser combatida em todos os campos de disputa. Não basta tirar Bolsonaro da presidência, mas também reduzir ao máximo as chances de vitórias dos seus candidatos nesta eleição.
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