“Eu quero saber do meu marido, eles [os policiais] não querem dar notícia. Não querem deixar passar, não querem deixar fazer nada. Estou com bebê de uma semana”, disse, assustada, uma moradora do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, com a criança no colo.
A cena se repetiu. Mais uma vez. O Complexo da Maré acordou às 5h da manhã de segunda-feira, dia 26 de setembro, sob tiroteio em uma operação conjunta da Polícia Militar e da Polícia Civil.
O Interceptestava na Maré no momento da operação. Os moradores apavorados tentavam, em vão, convencer policiais que também havia pessoas entocadas em uma casa que eram trabalhadores, e não criminosos. “Foda-se”, respondeu um dos agentes do estado.
Faltando seis dias para as eleições, em que o atual governador, Cláudio Castro, é candidato à reeleição pelo PL, um total de 180 homens foi escalado para”conter investidas de uma facção criminosa contra outra nesta região”, segundo a justificativa oficial. As investidas, no caso, vinham de criminosos do Terceiro Comando Puro na Maré – aliado à milícia da zona oeste – que tentavam avançar em outra favela da zona norte, o Morro do 18, dominado pelo Comando Vermelho.
Essa foi a razão da “operação de emergência” que envolveu o Batalhão de Operações Especiais, o Bope, e a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais, o Core, as tropas de elite da PM e da Polícia Civil, além de blindados e helicópteros.
O CV disputa áreas nas zonas norte e oeste da cidade com o TCP. Há informações de bastidores que dão conta que alguns chefes dessa facção agem, supostamente, em conluio com os milicianos da zona oeste. O Complexo da Maré é dominado pelas duas facções, que travaram uma série de batalhas na semana passada – foram mais de 50 tiroteios registrados no Grande Rio, segundo dados do Fogo Cruzado. A Vila do João e a Vila dos Pinheiros estão sob domínio do TCP.
Pelo menos 35 escolas e quatro unidades de saúde foram fechadas. A Linha Amarela e a Linha Vermelha, duas das principais avenidas da cidade, foram bloqueadas por carros, e motoristas apavorados se agacharam na pista em meio à linha de tiro. A operação na Maré terminou com sete mortos e oito feridos. Familiares de José Henrique da Silva, o Zé Careca, de 53 anos, um dos assassinados na operação, afirmam que ele era inocente e foi baleado.
Historicamente, desde 2006, é nas áreas dominadas pelo Comando Vermelho que se concentra a maior parte das operações policiais no Rio de Janeiro. Segundo dados do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, o GENI/UFF, e do Fogo Cruzado, entre 2006 e 2021, 61% das chacinas policiais ocorreram em bairros onde há predominância do CV. Bairros onde há milícias e TCP empatam com 15%. Áreas tomadas pela facção Amigos dos Amigos, a ADA, concentram 9% dos massacres.
No balanço da operação de segunda-feira, os mortos e feridos foram tratados como “suspeitos”. Como de costume, resta aos moradores depois lutar para provar que seus familiares, vizinhos e amigos eram trabalhadores. E limpar o rastro de sangue, que já se tornou cena cotidiana. Só naquele mesmo dia, aconteceram outras 11 operações policiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
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