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De Moro a Ratinho, o Brasil cai na real

Não é ideologia, é fome que define esta eleição.

De Moro a Ratinho, o Brasil cai na real

Eleições 2022

Parte 22


De Moro a Ratinho, o Brasil cai na real

Ilustração: The Intercept Brasil

Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal de Carla Jimenez no Intercept. Assine. É de graça e chega direto na sua caixa de e-mails.

Estamos a quatro dias da eleição presidencial. O embate mais surpreendente que poderíamos esperar quatro anos atrás. Enquanto estamos nos perguntando se o ex-presidente Lula pode levar esta eleição no primeiro turno, como sugerem pesquisas mais confiáveis, vale relembrar as semanas que antecederam a eleição de 7 de outubro de 2018.

Naquele momento, o Brasil já tinha mais ou menos claro que o então candidato do PT, Fernando Haddad, e o ex-deputado Jair Bolsonaro, que concorria pelo PSL, iriam ao segundo turno. Lula estava preso desde abril, e Haddad assumiu a candidatura do partido. Apesar do antipetismo vigente, tinha alguma chance. Uma pesquisa do Ibope mostrava, em 28 de setembro, Bolsonaro na frente, com 27%, e Haddad logo atrás, com 21%. No segundo turno, Haddad levaria vantagem sobre o capitão do Exército, segundo o instituto: 42% a 38%.

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Eis que dias depois dessa pesquisa, entrou em cena um personagem que então começava a dizer a que veio de verdade. Em 1º de outubro, faltando seis dias para o pleito, o então juiz Sergio Moro, de Curitiba, liberou o sigilo da delação de Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e Dilma. Fazia acusações graves, embora sem provas, de que Lula fazia pedidos diretos para se beneficiar em negócios ligados ao governo. Uma delação que já havia sido descartada até pelos procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba pela falta de consistência, como viria a atestar a série de reportagens Vaza Jato. Mas Moro era o juiz “ilibado” e deveria saber o que fazia. E assim, o assunto foi manchete numa hora decisiva.

A delação só referendou o antipetismo ensandecido que elegeria Bia Kicis, Carla Zambelli, Daniel Silveira, entre outros deputados radicais que surfaram na onda Bolsonaro. A terra estava fértil para plantar mais raiva e pavor. O resto já é memória popular. Bolsonaro venceu, Moro virou seu ministro da Justiça, o que ajudou a enterrar a Lava Jato. Saiu do governo atirando contra a figura do presidente, tentou ser candidato ao Palácio do Planalto na “terceira via” sem sucesso, e agora luta desesperadamente para se vincular outra vez ao ex-chefe em sua campanha para ser senador. Ironicamente, o ex-juiz pode perder até na sua República de Curitiba, que o projetou mundialmente em seus áureos tempos de justiceiro. É uma caricatura do que foi algum dia. O mundo do Brasil deu voltas, ou melhor, cambalhotas.

Há um regozijo em ver o ex-juiz mal-intencionado ser ignorado pela sociedade que nele confiou. Mas não se pode desprezar o passado se queremos aprender com ele. Entre 2013, quando ocorreram as Jornadas de Junho, e 2018, a sede por um país sem corrupção ajudou Moro a moldar o país. Eram ele e a Lava Jato que mais personificavam o anseio popular de que os políticos zelassem pelo bem público, respeitando os impostos suados do cidadão. E como ministro da Justiça, viria legitimar o governo Bolsonaro como um presidente a moralizar o país. Aqui é preciso ser justo com o que somos enquanto sociedade. A aspiração por mais ética é sim dos brasileiros. Moro e Bolsonaro só capitalizaram esse sentimento.

Uma pesquisa do instituto Atlas desta terça, 27 de setembro, deixa claro como a ética como valor nacional é presente. Numa pergunta sobre os principais problemas do Brasil, o instituto ofereceu uma lista de opções para os entrevistados. Corrupção ficou em segundo lugar, com 16,6% das pessoas citando-a como o principal problema do país. Só perdia para um: pobreza e desigualdade social, que ficou em primeiro com 19,7% das respostas. Inflação é o terceiro, com 12%. Desemprego, o sexto, com 7,4%.

A tônica desta eleição é elementar: falamos da mãe que cozinha à lenha porque o gás subiu às alturas, dos trabalhadores que perderam emprego na pandemia.

É nesse quesito que entra o Brasil de 2022. Depois de um governo aporofóbico — que não gosta de pobres — e de uma pandemia que trouxe uma intensa escassez de dinheiro e dignidade, o país não suporta mais a miséria, seja de emprego e renda, seja de empatia. O Brasil não quer teorias perversas de que a universidade não é para todos, como dizia o ministro Milton Ribeiro, que teve a pasta de Educação envolvida em notícias de negociatas com Bíblias e barras de ouro. Ou ainda, a insinuação de que o filho de porteiro só tirava zero e vivia de farra de crédito estudantil, como sugeriu o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Aqui, é Lula quem nada de braçada. O “encantador de serpentes”, como o chamou Ciro Gomes durante o debate da Band. Quer queiram seus adversários ou não, o petista exala superações. Do seu passado de pobreza, das suas tragédias pessoais, da sua prisão depois de um processo duvidoso conduzido por um juiz movido pela ambição. Lula é o reflexo do Brasil real, que pede dois dedos de água no deserto. Para esse Brasilzão, é o que parece mais certeiro depois da seca vivida em anos inóspitos.

Em sua entrevista no programa do Ratinho, no último dia 19, Lula mostrou disposição para dar um pouco de fôlego ao país que ficou sem ar. Se vencer a eleição, vai aumentar o salário mínimo dos trabalhadores, estagnado há três anos. “E como é que o senhor vai aumentar o salário mínimo?”, perguntou o apresentador do SBT em sua série de entrevistas com presidenciáveis. “Aumentando!”, respondeu o petista, como se fosse a decisão mais simples do mundo. Lula confirmou que terá no salário mínimo, um dos focos da melhoria de vida, como foi no seu Governo e de Dilma Rousseff. Se sair vencedor, trará de volta a fórmula que ajudou a melhorar a distribuição de renda durante o seu governo: vai vincular a expansão do PIB ao aumento real do salário mínimo.

No país onde 37% da população ocupada ganha um salário mínimo, e 68% ganham até dois salários, a tônica desta eleição parece elementar. Estamos falando da mãe de família que passou a cozinhar à lenha quando o preço do gás subiu às alturas, ou dos trabalhadores informais que perderam emprego na pandemia e ficaram sem o dinheiro quando o governo Bolsonaro decidiu suspender o Auxílio Brasil por dois meses.

É exatamente o mesmo perfil econômico dos brasileiros que apoiam o ex-presidente Lula. Na pesquisa Atlas Intel, ele tem uma imagem positiva entre 63,8% dos que ganham até dois salários mínimos como renda familiar. Moro e Bolsonaro não tinham banda para alcançar essa frequência. O presidente, que turbinou o Auxílio Brasil em plena campanha eleitoral, enviou um orçamento para 2023 com um corte de 59% do programa de Farmácia Popular. Não reajustou a merenda escolar, defasada desde 2017. E o salário mínimo seguiu sem o aumento real para o ano que vem.

Lula acertou o alvo para se comunicar com o Brasil da base, e isso pode lhe render, com sorte, uma vitória neste próximo domingo. Ou no dia 30, se houver um segundo turno. Ponto para a democracia e para a empatia nacional com os que mais precisam. Se voltar a ser presidente, o petista ainda terá sua hora para encarar o Brasil de Moro e Bolsonaro, com uma imprensa pronta a morder seu calcanhar. Mas um dia de cada vez.

Estamos mais calejados e conscientes do nosso Brasil real. Os que vibramos com a volta da democracia em 1985 e 1988 já temos cabelos brancos e nos cabe sabedoria para olhar uma eventual vitória sem paixões e sem maniqueísmo. Não é pelo risco de golpe que a grande massa vai às urnas, nem para salvar a Amazônia. É para matar a fome de 33 milhões de brasileiros que Lula pode vencer esta eleição.

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