Ilustração: Victor Vilela para o Intercept Brasil
A repulsa, desprezo ou ódio de Jair Bolsonaro às mulheres deve custar sua derrota neste domingo, 30. A misoginia permanente não é apenas uma crítica impressionista ou panfleto de adversário político. O discurso do capitão reformado do Exército levou até a União, pela primeira vez na história do Brasil, a ser condenada na 6ª Vara Cível Federal em São Paulo a uma multa de R$ 15 milhões – dinheiro para reverter em ações com entidades de proteção à mulher e publicidade contra a violência machista.
O presidente que não amava as mulheres jamais conseguiu, durante a campanha à reeleição, reverter o estrago no universo do voto feminino. Na etapa final, conseguiu enlamear ainda mais a sua triste figura, no episódio em que pronuncia falas pedófilas – “Pintou um clima” – em relação a um grupo de meninas refugiadas da Venezuela. Nesse momento, atraiu a ira de celebridades como a apresentadora Xuxa Meneghel e de eleitoras anônimas de todas as partes do país.
Até mesmo entre as evangélicas, o comitê central bolsonarista sentiu que a misoginia era o ponto mais fraco do candidato. Em uma estratégia planejada pelos marqueteiros, a primeira-dama Michelle saiu em peregrinação em igrejas com um argumento radical: “Não olhe para o meu marido. Olhe para mim que sou uma serva do Senhor”.
A ideia seria pregar que Bolsonaro tem seus defeitos como um pecador normal e machista, mas é um “bom homem” que merece o voto das crentes. Se conseguiu reduzir danos entre as colegas pentecostais, só o mapa da votação saberá a resposta.
“Ele não gosta de mulher, não adianta desculpa”, definiu a senadora Simone Tebet, do MDB do Mato Grosso do Sul, em resposta a uma pergunta que lhe fiz esta semana no programa “ICL Notícias”, canal de YouTube do Instituto Conhecimento Liberta. Aliada no segundo turno ao candidato Lula, Simone bateu firme na misoginia do capitão. Ela mesma e a jornalista Vera Magalhães foram vítimas de ataques bolsonaristas durante um debate na TV Bandeirantes em setembro.
O último gesto de desrespeito explícito às mulheres se deu esta semana, quando o presidente defendeu o seu amigo e companheiro de aventuras (farras em barcos) Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal. O ex-funcionário de confiança responde na Justiça a acusações de assédio moral e sexual no exercício do cargo. “Não vi nenhum depoimento mais contundente de qualquer mulher”, desdenhou o candidato do PL, em entrevista ao portal Metrópoles.
O grupo de vítimas, revoltado, respondeu em uma carta: “Motivo de tristeza que condutas como apalpar seios e nádegas, beijar e cheirar pescoços e cabelos, convocar funcionárias até seus aposentos em hotéis sob pretextos profissionais diversos e recebê-las em trajes íntimos, além de constantes convites para ‘massagens’, ‘banhos de piscina’ ou idas a ‘saunas’ sejam naturalizados e tidos, repetimos, como ‘não contundentes’ pelo Chefe do Poder Executivo”.
O presidente que não amava as mulheres produziu uma fartura de provas contra si mesmo no tema misoginia.
O presidente que não amava as mulheres produziu uma fartura de provas contra si mesmo no tema misoginia. Na condenação que a Justiça Federal impôs no ano passado à União, por causa das suas declarações, a sentença realça esta pérola de 2019: “O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”.
O ataque à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, também foi considerado na decisão jurídica. “Ela queria um furo. Ela queria dar o furo! A qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro, para a vibração dos seus fanáticos do cercadinho no Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2020. Além das citações do presidente, a ação movida pelos procuradores da República Lisiane Braecher e Pedro Antonio de Oliveira Machado levou em conta outras frases de mais dois representantes da equipe de governo, o ministro da Economia Paulo Guedes e a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Silva.
A União apelou e conseguiu derrubar a decisão, a pedido do presidente. No programa de TV do Ratinho, Bolsonaro tentou limpar sua barra sobre o tema. “O meu governo foi o que mais prendeu machões pelo Brasil”, reagiu. “Isso que eu não gosto de mulher é uma narrativa”.
Até mesmo o álbum eleitoral do candidato do PL revela um político cercado apenas pela macharada. As raras mulheres da campanha fizeram atividades com a primeira-dama, praticamente separadas dos homens. Na coletânea de imagens, predominam as motociatas do “imbrochável”, almoços em churrascarias repletas de caubóis do agro, live com Neymar e encontros com cantores sertanejos e lutadores de MMA. O cheiro de testosterona e poeira de rodeio infestou os ares. A jornada foi uma exaltação permanente à macheza tosca e violenta de clube de tiro. O bolsonarismo como ele é.
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