O medo de ir para a cadeia é o que tem movido Bolsonaro nessa reta final de campanha. Nem os bilhões despejados de última hora para eleitores beneficiários de programas sociais, o uso do INSS para praticar golpe eleitoral e a coação de fiéis em igrejas e trabalhadores em empresas fizeram Bolsonaro subir nas pesquisas.
Esta é uma eleição que já foi fraudada pelo uso indiscriminado e ilegal da máquina pública. Inconformados com a derrota iminente, Bolsonaro e sua gangue têm procurado desesperadamente por uma bala de prata que possa fazer o candidato fascista decolar nas intenções de voto.
Como essa bala de prata não existe, precisaram fabricá-las nos porões do bolsonarismo. Ocorre que, como se sabe, políticos bolsonaristas são invariavelmente incompetentes e não têm talento nem para o golpismo. O que se viu foi uma sucessão de patacoadas na tentativa de criar um factoide com poder de interferir nas eleições. Até aqui, todas as balas de prata fabricadas acabaram se mostrando biribinhas de festa junina.
Primeiro foi a cena armada para que Roberto Jefferson saísse como herói e Alexandre de Moraes como o grande vilão. Mas o aliado de Bolsonaro acabou perdendo a mão, lançou granadas de uso proibido e disparou mais de 50 tiros contra os policiais. O episódio pegou mal na opinião pública, e o presidente se viu obrigado a abandonar mais um bandido amigo ferido na estrada.
Outra bala de prata que saiu pela culatra foi a do atentado fake contra Tarcísio no bairro de Paraisópolis, em São Paulo. A campanha do bolsonarista espalhou que o candidato havia sofrido um atentado enquanto fazia campanha. A história começou a ficar estranha, Tarcísio recuou da farsa, transformou em um tiroteio entre facções, mas Bolsonaro continuou explorando o factoide em sua propaganda eleitoral.
A farsa foi desmontada nos últimos dias. Descobriu-se que um dos seguranças é da ABIN e que ele exigiu que o cinegrafista da Jovem Pan apagasse as provas de um crime que ele havia acabado de filmar. O Intercept ouviu testemunhas do caso em Paraisópolis e todas garantiram que os tiros partiram dos seguranças de Tarcísio. Sem estar portando armas, o jovem Felipe da Silva Lima, de 28 anos, foi executado com um tiro de fuzil, deixando três filhos menores de idade. O amadorismo seria cômico se não fosse trágico.
Não satisfeitos em falhar miseravelmente na confecção dessas duas balas de prata, os bolsonaristas tentaram emplacar uma terceira a poucos dias da votação. Na última segunda-feira, o ministro das Comunicações Fábio Faria convocou uma entrevista coletiva prometendo anunciar uma bomba. Acompanhado do secretário-executivo da pasta, Fabio Wajngarten, o ministro denunciou “uma grave violação do sistema eleitoral”. Com base em auditorias feitas por empresas contratadas pela campanha, apontaram que rádios de todo o Brasil teriam veiculado mais inserções da campanha de Lula do que as de Bolsonaro.
Eu assisti à coletiva ao vivo. A pompa dos dois ao fazer a denúncia contrastava com o olhar de desespero. Jornalistas perguntaram o nome das empresas que fizeram a auditoria que embasou a ação no TSE. Ambos se enrolaram e não responderam. Jornalistas insistiram na pergunta, mas continuaram no lero-lero.
Na terceira vez que fizeram a mesma pergunta, Wajngarten respondeu “depois eu passo pra vocês”, e Fábio Faria encerrou a coletiva. Imediatamente as redes bolsonaristas batizaram o caso de “Radiolão” e passaram a gritar contra a fraude eleitoral em curso. A base parlamentar bolsonarista chegou a se mobilizar para colher assinaturas para a criação de uma CPI sobre o caso.
A coisa toda tinha cor, cheiro e aparência de tramoia. E era. Depois que os nomes das empresas foram divulgados, ficou claro que não se tratavam de empresas de auditoria. Não são sequer empresas capacitadas para fazer esse tipo de monitoramento de inserções nas rádios. Os números da auditoria apresentados ao TSE não fazem o menor sentido. Foram inúmeras as aberrações encontradas na falsa denúncia.
Bolsonaro mobilizou algumas das principais instituições do estado para discutir a possibilidade de um golpe nas eleições.
Assim que recebeu a ação, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, deu 24 horas para a coligação de Bolsonaro apresentar provas concretas de que rádios deixaram de veicular inserções. Moraes considerou a acusação “grave” e alertou que abriria investigação contra o candidato caso a campanha não provasse a denúncia. Segundo ele, o fato pode ser caracterizado como crime eleitoral se for constatado que quiseram “tumultuar” as eleições.
Mesmo com o enquadro do TSE, o bolsonarismo dobrou a aposta. Políticos como o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o senador Lasier Martins passaram a gritar pelo adiamento das eleições. O golpismo foi atiçado nas redes. Segundo apuração da jornalista Daniela Lima, da CNN Brasil, a tese do adiamento das eleições foi discutida entre o primeiro escalão do governo, tendo o envolvimento de Ministério da Justiça, CGU e AGU. Bolsonaro mobilizou algumas das principais instituições do estado para discutir a possibilidade de um golpe nas eleições.
Descobriu-se então que uma das tais empresas presta serviços para a empresa de Luciano Hang, o véio da Havan. Descobriu-se também que uma das donas da rádio que endossou a denúncia é uma militante bolsonarista das mais fanáticas. Trata-se de uma farsa tão mal montada, tão simplória, que só mesmo o desespero diante do fracasso eleitoral poderia explicar.
Para complementar, apareceu um funcionário do TSE exonerado acusando o tribunal de persegui-lo por denunciar justamente o caso das inserções de rádio. Segundo ele, o tribunal prevaricou diante dos alertas feitos por ele. O TSE negou que ele tenha feito esses alertas.
Além disso, esse tipo de fiscalização não é da competência do TSE e não cabe a um funcionário do tribunal fazê-la. O funcionário foi exonerado porque o tribunal identificou motivações políticas em sua atuação. Segundo o Estadão, ele costumava postar conteúdo antipetista e fake news de políticos bolsonaristas nas redes. O amadorismo é tão gritante que nem se preocuparam em checar as redes do comparsa. Até os planos de Cebolinha contra a Mônica conseguem ser mais sofisticados.
Segundo apuração da jornalista Natuza Nery, Bolsonaro quis insuflar um golpe depois da resposta de Moraes. Bastante nervoso, chegou a ligar para alguns líderes civis e militares para angariar apoios para a radicalização, mas foi rejeitado por todos.
Isolado nas intenções golpistas, fez um pronunciamento sobre o caso em que sustentou a farsa. Disse haver “provas contundentes” e atacou o TSE, mas evitou as costumeiras ameaças golpistas. Citou a suposta perseguição sofrida pelo funcionário do TSE e acusou o PT de envolvimento no esquema das inserções de rádio – sem apresentar provas, claro.
“Aí tem dedo do PT. Não tem coisa errada no Brasil que não tenha dedo do PT. O que foi feito, comprovado por nós, pela nossa equipe técnica, é interferência, é manipulação de resultado. Eleições têm que ser respeitadas, mas, lamentavelmente, PT e TSE têm muito o que se explicar nesse caso”, disse um homem completamente desesperado.
A farsa do “Radiolão” serve ao menos a dois propósitos: tentar reduzir danos dos impactos causados pelas duas últimas balas de prata que saíram pela culatra, desviando a atenção da opinião pública; e preparar o terreno para a contestação do resultado eleitoral. A ação firme e rápida do TSE nesse caso, somada ao amadorismo bolsonarismo, fez a tramoia sair pelo ralo.
O desespero em criar novos factoides para insuflar o golpismo às vésperas da eleição nos revela que os bolsonaristas acreditam nas pesquisas, confiam nas urnas eleitorais e têm plena consciência de que sairão derrotados nas urnas amanhã. Que assim seja! E que a Justiça coloque todos os golpistas na cadeia!
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