“É com muita felicidade e gratidão que venho agradecer aos 92.791 amigos piauienses que deram seu voto de confiança”, começa a dizer em vídeo no Instagram o deputado federal Átila Lira, do Progressistas do Piauí, no dia seguinte ao bom resultado no primeiro turno. Aos 75 anos, o político natural de Piripiri estava com a missão cumprida. Após 35 anos na Câmara — entrou como deputado constituinte em 1987 e lá permaneceu por oito legislaturas consecutivas, se tornando um dos três recordistas de permanência por ali —, pela primeira vez não disputou uma reeleição em sua longa carreira como parlamentar.
Mas foi como se tivesse ganhado. A partir do ano que vem, o deputado do Centrão passa a cadeira no Congresso Nacional para Átila Filho, seu herdeiro natural e político agora eleito. Nas urnas, para não deixar dúvidas ou quem sabe causar algumas, o novo candidato ao parlamento usou o mesmo nome e número do pai. “Meus caros piauienses, estou concluindo meu trabalho como parlamentar, oito mandatos bem votados pelo estado Piauí. […] O Átila é um bom candidato e vai me substituir e representar melhor, fazer melhor do que eu fiz esses anos todos”, explicou o pai aos seus eleitores porque esperava a transferência de votos, um dia antes da eleição.
O caso está longe de ser uma exceção em Brasília. Em 2022, o mineiro Lafayette Andrada reelegeu-se para seu segundo mandato na Câmara pelo Republicanos. Descendente em linhagem direta do Patriarca da Independência, José Bonifácio, Andrada é filho do ex-deputado Bonifácio Andrada, o mais longevo na Câmara de todos os tempos. Ficou lá por 10 mandatos consecutivos, de 1979 até 2018, quando passou o bastão para Lafayette — Andrada pai morreu de covid-19 em 2019, aos 90 anos.
Agora, o filho segue a tradição da família de ter um representante no legislativo, iniciada na época do Império, há 200 anos. O avô também foi deputado federal antes do pai, dos tios, dos primos e de uma miríade de outros parentes que também estão na política em cargos e lugares diversos.
Eleições hereditárias
As dinastias ajudam a explicar por que só 8% dos eleitos para o Congresso são nomes novos na política, como revela um levantamento do Instituto Millenium publicado pelo Estadão em outubro. A maioria dos deputados e senadores eleitos já ocupou mandatos ou cargos de alto escalão do governo ou é herdeira de tradicionais famílias da política.
Em comum, essas dinastias políticas têm também campanhas bem financiadas. É o que revelam dados levantados pelo Intercept em parceria com a plataforma 72 horas, formada por especialistas na análise de dados eleitorais e organizações e movimentos da sociedade civil.
Além de transferir para os filhos ou outros parentes o capital político, nome e número de urna, os patriarcas destas dinastias também conseguem para os seus o mesmo nível de financiamento de campanha que têm para si. Átila Filho, por exemplo, amealhou R$ 2,7 milhões para sua campanha de sucessão ao pai na Câmara dos Deputados —R$ 2 milhões dos fundos eleitoral e partidário e outros R$ 775 mil em doações, de acordo com os dados declarados por sua campanha ao Tribunal Superior Eleitoral. O investimento é alto para um candidato principiante.
O valor contrasta também com a média de R$ 411 mil que cada uma das 177 campanhas a deputado federal pelo Piauí arrecadou (R$ 61,732 milhões no total). É um milhão a mais que o R$ 1,7 milhão que cada campanha vitoriosa gastou para eleger um dos 10 deputados federais que irão representar o estado a partir de 2023, em média. Aos 42 anos e capitão de primeira viagem, Átila Filho embarcou em uma das três campanhas mais caras do estado.
Já Lafayette Andrada conseguiu R$ 2,7 milhões para sua reeleição – R$ 2 milhões provenientes do fundão eleitoral. Assim como Átila, concorreu com mais dinheiro que a média dos 1.103 candidatos à Câmara por Minas Gerais, que foi de R$ 320 mil para cada. Considerados apenas os 53 eleitos neste ano, a média sobe para R$ 2 milhões por cabeça.
A lista de famílias que se revezam em cargos no Congresso é longa. Outro exemplo é o novato Pedro Campos, do PSB, eleito deputado federal neste ano. Irmão do prefeito do Recife, João Campos, é filho do ex-governador de Pernambuco e ex-deputado federal e estadual, Eduardo Campos, neto de Ana Arraes, ministra do Tribunal de Contas da União, e bisneto de Miguel Arraes, que também governou o estado e foi deputado federal. Seguindo o padrão das dinastias políticas, sua campanha foi melhor financiada que a média: teve R$ 2,8 milhões à disposição.
Ao mesmo tempo em que algumas dinastias políticas se perpetuam, outras são forjadas. O notório Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara responsável pelo processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff que depois passou quase quatro anos preso pela Operação Lava Jato, recuperou os direitos políticos nestas eleições e tentou a sorte como candidato à Câmara por São Paulo. O carioca não conseguiu voltar à cena onde comandou o crime de lesa pátria que depôs a petista, mas ganhou R$ 1,5 milhão do PTB para a empreitada. Se não foi eleito, em compensação, emplacou a filha Daniele pelo seu estado natal, o Rio de Janeiro.
Galgando uma campanha de R$ 2,5 milhões e o apoio de lideranças evangélicas na Baixada Fluminense, reduto eleitoral do pai, Dani conseguiu 75 mil votos e garantiu uma cadeira para a família Cunha na Câmara após seis anos de ausência. Foi a segunda tentativa de Cunha de eleger a filha para uma cadeira que já foi sua. Em 2018, porém, ela não foi eleita. Agora, seguindo o padrão das dinastias políticas, a campanha de Dani foi melhor financiada que a maioria.
A transferência de prestígio de Moro para a conja conseguiu para sua campanha R$ 2,8 milhões.
O ex-juiz Sergio Moro, eleito senador pelo União do Brasil do Paraná após apunhalar pelas costas e derrotar seu padrinho político, o senador Álvaro Dias, do Podemos, é outro exemplo. Não satisfeito em largar a toga e a pose de justiceiro para entrar oficialmente no campo da política jogando no time do Centrão, levou junto para o Congresso Rosângela Moro. A “conja”, como a própria se apresentou durante a campanha eleitoral, foi eleita deputada federal pelo mesmo partido do marido, só que em São Paulo, onde o ex-juiz foi impedido pela Justiça Eleitoral de se candidatar.
Ambos tiveram votações expressivas e candidaturas bem financiadas pelo União Brasil, um início de dinastia política auspicioso para o casal. Moro arrecadou R$ 4,9 milhões para fazer campanha, mais que o teto de gastos de R$ 4,4 milhões para as campanhas ao Senado no estado. Foram R$ 4,1 milhões de dinheiro público e R$ 800 mil de outros recursos. O valor é duas vezes e meia a média de arrecadação dos nove concorrentes ao Senado pelo Paraná, incluindo ele, que foi de R$ 2 milhões por candidato (R$ 18,145 milhões ao todo).
A transferência de prestígio do ex-juiz para a esposa Rosângela conseguiu para sua campanha R$ 2,8 milhões, perto dos R$ 3,1 milhões de teto no estado, praticamente tudo dos fundos eleitoral e partidário do União Brasil. Sua campanha foi bem mais rica que a média das concorrentes: as 1.327 candidaturas registradas no estado arrecadaram ao todo R$ 468 milhões, ou uma média de R$ 350 mil cada. Dentre 70 eleitas e eleitos para a Câmara, a média de arrecadação em São Paulo foi de R$ 1,9 milhão.
Correção: 4 de novembro de 2022, 20h19
O nome do deputado do Progressistas do Piauí é Átila Lira, e não Átila Lins. O texto foi corrigido.
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