Relatório mostra que 13 clubes de tiro na Amazônia foram autuados por armas sem registro, munição sem controle e outras irregularidades

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Relatório mostra que 13 clubes de tiro na Amazônia foram autuados por armas sem registro, munição sem controle e outras irregularidades

Documento do Exército lista crimes, licenças vencidas e inexperiência de militares na fiscalização.

Relatório mostra que 13 clubes de tiro na Amazônia foram autuados por armas sem registro, munição sem controle e outras irregularidades

Amazônia Sitiada

Parte 4


Arma sem registro. Falta de controle de munição. Permissão de uso do estande por atiradores sem registro. Licença vencida. Essas são algumas das irregularidades encontradas pelo Exército brasileiro em clubes de tiro da Amazônia Legal entre 2020 e 2021. Um documento de acesso restrito do Exército, enviado ao Tribunal de Contas da União e repassado ao Intercept, mostra que ao menos 13 clubes na região foram autuados por irregularidades. Piora: ele mostra também despreparo e descumprimento das leis pelos próprios militares.

No fim de julho do ano passado, por exemplo, o Exército constatou que o clube 454, em Cacoal, Rondônia, não informou às autoridades sobre o evento Glock Week, que aconteceu entre os dias 24 de junho e 4 de julho de 2021. A portaria que regulamenta atividades de colecionamento, tiro despostivo e caça, de 2019, diz que a exposição de produtos controlados – caso das armas – em eventos públicos deve ter autorização prévia. Por mensagem, o 454 informou que a situação “já foi resolvida”.

Na mesma operação, a 12ª Região Militar, responsável pela fiscalização, ainda encontrou uma arma não registrada no clube de tiro Center Point, também em Cacoal. No relatório, não há registro de apreensão da arma, nem de encaminhamento de Marcelo Hupp Labendz ou Iracema Labendz, donos do Center Point, à delegacia. O clube segue funcionando normalmente. Labendz informou que “a informação estava equivocada”, que nunca foi autuado por esse motivo. Quando questionado se houve outra autuação, disse se tratar de um assunto muito pessoal sobre o qual não falaria por telefone.

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De acordo com o Estatuto do Desarmamento, “portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, […] arma de fogo, acessório ou munição […] em desacordo com determinação legal ou regulamentar” é crime, com pena de dois a quatro anos de reclusão e multa. E qualquer um pode reportar infrações criminosas às autoridades policiais para que os responsáveis sejam presos em flagrante, de acordo com o Código Penal. No caso dos clubes, caberia aos militares fazê-lo. Mas não consta sequer qual punição os militares da 12ª Região Militar aplicaram ao clube de tiro.

Em Epitaciolândia, no Acre, uma das armas do Clube de Tiro da Fronteira não estava no estande – e não há qualquer justificativa para o desaparecimento no relatório do Exército. Segundo um dos responsáveis pelo clube, a arma estava fora do cofre e foi entregue à Polícia Federal. A multa foi de R$ 2,5 mil.

A mesma operação dos militares, batizada de Herácles, também constatou que, entre os dias 25 e 27 de setembro de 2020, o Clube Amazonense de Tiro Esportivo, em Manaus, não tinha qualquer controle de munição. Faltava ainda um “comprovante das armas que foram para manutenção”. Ou seja, não se sabe das armas, não se sabe das munições e, portanto, não há uma fiscalização efetiva. Qual a punição para as duas entidades de tiro? O relatório não diz. O clube também segue funcionando e se propagandeia como “o que mais cresce no estado do Acre”.

Outra exigência da lei é que os frequentadores desses clubes emitam junto ao Exército o Certificado de Registro de CAC, sigla para caçador, atirador e colecionador. Para isso, os candidatos precisam enviar certidões de antecedentes criminais e comprovante de ocupação lícita, declarar que não respondem a inquérito policial ou processo criminal, indicar o endereço de armazenamento das armas e encaminhar um laudo de aptidão psicológica, entre outros documentos. É um mecanismo de controle e rastreamento das armas para que não sejam desviadas e usadas em crimes. E para evitar, ao menos em teoria, que criminosos ou psicopatas frequentem os clubes e tenham acesso legal a armas de fogo.

Mas nem todos os proprietários de clubes de tiro se importam em conferir o registro de seus associados. Em Senador Guiomard, no Acre, os donos do Estande de Tiro Século XIX foram autuados por permitir acesso sem o certificado. Não se sabe se houve punição para o CAC ou para os responsáveis pelo empreendimento – mas o clube segue em atividade. Foi até palco de campanha de uma candidata ao Senado pelo PL no estado.

Em outro relatório, da 8ª Região Militar – responsável pelos estados do Amapá, Maranhão, Pará e parte do Tocantins –, consta mais um caso de atiradores sem licença de CAC. Não é possível identificar, pelo documento, em qual cidade e clube de tiro isso aconteceu. Neste caso, o relatório ao menos aponta a punição: estande e depósito lacrados.

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Clube Amazonense de Tiro Desportivo, que não tinha controle de munição e nem comprovante das armas que foram para manutenção segundo o relatório do Exército.

Foto: Reprodução/Facebook

Fiscalização ‘administrativa’

No fim de 2021, uma auditoria do Tribunal de Contas da União apontou problemas na fiscalização de clubes de tiro no Brasil. “Essa falta de padrão na execução das ações fiscalizatórias do órgão compromete o sistema de controle de armas de fogo instituído e impacta negativamente a segurança pública do país. Ademais, não apresentar os administrados em situação de possível infração criminal às autoridades competentes é uma infração gravíssima ao Estatuto do Desarmamento”, concluiu o  TCU.

“Em casos de outros estados, eles até apreendem a arma, mas deixam o clube de tiro como fiel depositário. Diante de um crime, como é o caso, ou a pessoa é presa e a arma apreendida, ou o Exército precisa convocar a força policial para fazer isso. Aí [quando não fazem isso] eles dizem: ‘Ah, a nossa fiscalização é administrativa’. Mas isso não é um ilícito administrativo. Isso é um crime”, contestou Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.

Outros casos citados nos relatórios de fiscalização envolveram, de fato, apenas problemas administrativos – como certificado vencido ou documentação desatualizada. Mas essas irregularidades também deveriam ser penalizadas. Por vezes, nem mesmo o endereço do estabelecimento estava correto. “Há casos em que os militares chegam ao local indicado, e os vizinhos avisam que o clube de tiro não fica mais ali há muito tempo”, disse Langeani. Até por isso nem sempre os militares cumprem as metas de inspeções traçadas previamente. Segundo o relatório, só 87% dos clubes de tiro foram inspecionados conforme a meta.

As punições previstas no decreto 10.300, que regulamenta produtos controlados e foi publicado por Jair Bolsonaro, são: advertência, interdição, cassação e multas (mínima, média, máxima e pré-interditória). Só que os valores são irrisórios, variando de R$ 500 a R$ 2,5 mil. “Tanto as taxas para registro de CAC e abertura de clube de tiro quanto as multas foram estabelecidas em 2003 e nunca foram reajustadas. Imagina o que a gente teve de inflação até hoje. Então, mesmo que levem a multa mais alta, o valor é muito baixo”, criticou Langeani.

Na auditoria, o TCU encontrou indícios graves de fragilidade na fiscalização dos clubes de tiro, das lojas de armas e dos CACs pelo Exército. A auditoria lista casos que se enquadram em crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, mas não se sabe se a polícia foi informada, porque o Exército não apresentou parte das informações solicitadas.

Tentamos falar com o Clube Amazonense de Clube de Tiro, Estande de Tiro Século XIX e também com o o próprio Exército, mas não obtivemos resposta até o fechamento do texto.

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