Cecília Olliveira

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Ultrapassada, grande imprensa critica fenômenos da internet enquanto reproduz racismo e fake news

Jornalismo vira a cara para nomes como Casimiro e se esconde atrás do selo de 'grande imprensa' para seguir cometendo os mesmos erros de sempre.

Ultrapassada, grande imprensa critica fenômenos da internet enquanto reproduz racismo e fake news

Ultrapassada, grande imprensa critica fenômenos da internet enquanto reproduz racismo e fake news

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

O mundo mudou. Nós mudamos. O jeito de nos comunicarmos também. Mas o jeito de fazer jornalismo não mudou tanto quanto deveria. E isso é especialmente grave por ser a imprensa um pilar da democracia. Como fiscalizadora dos poderes, ela deveria acompanhar as mudanças da sociedade, se não encampá-las.

A imprensa como a conheci quando fiz faculdade, lá no início dos anos 2000, teima em se apegar a conceitos que já se foram, a dogmas que já caíram, a modelos de negócios que não se sustentam mais.

Quando digo apegos, me refiro desde à defesa da fábula da isenção jornalística, passando pelos questionáveis dois-ladismo (a ideia não isonômica de que ouvir dois lados da questão a equilibra) e jornalismo declaratório (reprodução acrítica de declarações das fontes), e chegando ao absurdo de reproduzir racismo e preconceitos e até publicar mentiras sob a roupagem de artigos de opinião. Isso tudo sem perder a empáfia e o ar de superioridade moral conferido pelo selo de “grande imprensa” e sem fazer a autocrítica que tanto cobra de certos partidos.

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Muito já foi dito sobre o papel da mídia no fortalecimento do antipetismo rasteiro. Sobre racismo, também. Mas a última semana nos trouxe tantos exemplos do despreparo, da prepotência e do desdém de grandes veículos com a democracia e a sociedade que é preciso se aprofundar no assunto e nas transformações desse mercado. Ele pode piorar ou melhorar – e, com ele, nossa sociedade.

Em 26 de novembro, a Folha publicou um informe publicitário sobre constelação familiar – “terapia” criada pelo ex-padre alemão Bert Hellinger, questionada por revitimizar mulheres e relativizar crimes como violência doméstica e estupro de vulnerável – sem nenhuma sinalização de que aquilo era propaganda. Depois de quase cinco horas de muitas críticas no Twitter, foi publicada uma”errata“, que não era tão errata assim.

Apesar de admitir que tal prática não tem comprovação científica, a Folha não disse que o conteúdo é patrocinado pela Personare, empresa focada em numerologia, tarô, astrologia e afins. Alice Duarte, que assina a “opinião”, é a responsável pelas constelações vendidas pela empresa.

Deslize é trocar ‘mas’ por ‘mais’. Editores e repórteres precisam ser responsabilizados por atitudes racistas.

A mesma Folha foi bastante criticada durante a pandemia por publicar um anúncio intitulado “Manifesto pela Vida“, bancado por médicos bolsonaristas a favor do exaustivamente questionado (e de fato ineficaz) tratamento precoce. Nesta, a Folha não estava sozinha. O mesmo anúncio foi publicado n’O Globo, do Rio; na Zero Hora, do Rio Grande do Sul; no Correio Braziliense, do Distrito Federal; no pernambucano Jornal do Commercio; no Estado de Minas; no cearense O Povo; e no Correio, da Bahia.

No mesmo dia do “artigo de opinião publicitária” da Folha sobre constelação familiar, o Estadão tuitou sobre o ataque a tiros numa escola no Espírito Santo. O crime, cometido por um adolescente branco com símbolos nazistas, foi retratado no tweet com a foto de uma mão negra segurando uma arma.

Isso não é um deslize. Deslize é trocar “mas” por “mais”. Editores, repórteres e tomadores de decisão precisam ser responsabilizados por suas atitudes racistas, como foi a da escolha da imagem. O Estadão foi duramente criticado, inclusive por autoridades negras, como Marina Silva, e a tag #EstadãoRacista ficou entre as mais citadas naquele dia.

Horas depois, a Choquei, perfil de entretenimento que também publica algumas notícias, refez o tweet, usando partes do mesmo texto, mas com uma mão branca segurando a arma. Era uma provocação. A treta entre a Choquei e a grande imprensa escalou depois da publicação de uma reportagem da Folha afirmando que o perfil faz “copia e cola” sem checagem e sem créditos (o que não é 100% mentira). Tempos atrás, o perfil foi um dos responsáveis por espalhar a lorota sobre a existência de Ratanabá, uma inexistente cidade perdida na Amazônia. A diferença é que o perfil admitiu o erro e pediu desculpas, sem meias-palavras ou eufemismos.

Depois da matéria, muitas pessoas saíram em defesa da Choquei, apontando más condutas da Folha, que vão desde as propagandas acima citadas e pela publicação de uma ficha criminal falsa atribuída à então presidente Dilma Rousseff até o empréstimo de carros do jornal para agentes da ditadura.

Desprezando o novo

Em meio à Copa, o fenômeno da comunicação Casimiro Miguel bateu o recorde mundial de audiência em lives do YouTube com as transmissões dos jogos pela CazéTV. Foram mais de 4 milhões de espectadores simultâneos na plataforma. Na Folha, o influenciador, que saiu do SBT e do canal TNT para fechar contratos com Google e Amazon na Copa, além do Fifa+, foi diminuído quando comparado a comentaristas tradicionais de futebol. Para o colunista Nelson de Sá, Casimiro lembra “mais um animador, como Fausto Silva ou Milton Neves, quando surgiram no rádio, com mais talento para o humor”.

Esse é o tipo de mudança que não tem volta. A audiência do Casimiro mostra que ele tem público – e não é pouco! As pessoas querem assistir à Copa do Mundo com o “humorista”. A Nelson de Sá, talvez seja preciso lembrar que a Globo conta gols dos campeonatos todos os domingos com a ajuda de cavalinhos falantes e tem entre seus produtos editorias de fofoca e entretenimento.

O mercado vai continuar a mudar e tem gente de olho muito aberto para isso. O criador da Choquei Raphael de Souza era, até 2014, vendedor de chip da Tim. No próximo ano, ele pretende lançar um site de notícias próprio.

O projeto se emancipou em 2021 do casting da Banca Digital, projeto dos empresários Murilo Henare e Fátima Pissarra, da agência Mynd. A Banca reúne cerca de 30 contas de entretenimento do Instagram com dezenas de milhões de seguidores, que lucram com publicidade e até posicionamentos políticos e sociais nas redes.

Henare é filho de uma dona de casa e de um recepcionista de farmácia que começou a trabalhar aos 12 anos, dando expediente na lanchonete de um primo. Ele explodiu na internet comentando a novela Avenida Brasil e não parou mais. Entendeu o mercado, o que comunicar e como.

Aos críticos de Casimiro, talvez seja preciso lembrar que a Globo conta gols com a ajuda de cavalinhos falantes.

No fim de novembro, a Banca Digital contratou Vanessa Campos como head de jornalismo. Ela é especialista em estratégia e planejamento de comunicação e passou por grandes agências de comunicação e publicidade como WMcCann, Grupo TV1 e FSB, atendendo marcas, startups e órgãos públicos.

O movimento da Banca para entrar no jornalismo começou no início deste ano, quando eles assinaram um contrato para assumir a liderança da operação do BuzzFeed no Brasil, site que misturava jornalismo e entretenimento e que encerrou as operações de notícias em 2020. O entretenimento seguiu vivo.

Em julho passado, a Banca foi acusada de usar os perfis que gerencia para pautar debates de forma não muito saudável: supostamente manipulando publicidade, forjando engajamento e  fazendo seus filiados derrubarem perfis de desafetos. A empresa disse que as acusações não procedem, mas a pulga se alojou atrás da orelha de quem está atento à comunicação digital e ao jornalismo.

Há anos que as pessoas se comunicam e consomem notícias de forma diferente, e os mercados de entretenimento e jornalismo têm muito a aprender um com o outro. Mas é preciso frisar: jornalismo é uma coisa, fofoca é outra. E há público para todos.

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