A palavra "Twitter" pintada em uma porta fechada na Praça Tahrir, no Cairo, em 4 de fevereiro de 2011, enquanto os manifestantes exigiam a renúncia do presidente Hosni Mubarak e o governo tentava reprimir o protesto desligando a internet. A rede social que ajudou a organizar a revolução egípcia agora está nas mãos de um bilionário de direita.

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Elon Musk dá ouvidos a trolls de extrema direita e silencia vozes de esquerda no Twitter

Bilionário parece terceirizar a extremistas de direita as decisões sobre quem deve ser banido no Twitter.

A palavra "Twitter" pintada em uma porta fechada na Praça Tahrir, no Cairo, em 4 de fevereiro de 2011, enquanto os manifestantes exigiam a renúncia do presidente Hosni Mubarak e o governo tentava reprimir o protesto desligando a internet. A rede social que ajudou a organizar a revolução egípcia agora está nas mãos de um bilionário de direita.

Elon Musk afirma que está “lutando pela liberdade de expressão nos Estados Unidos”, mas o novo dono da rede social parece estar liderando um expurgo de ativistas de esquerda da plataforma.

Vários importantes militantes antifascistas e jornalistas tiveram suas contas suspensas na semana passada, depois que agentes de direita pediram seu banimento diretamente a Musk, e trolls de extrema-direita inundaram o sistema de reclamações do Twitter com denúncias falsas sobre violações dos termos de serviço.

Como Mike Bonin, vereador da cidade de Los Angeles, observou no Twitter, os usuários suspensos incluem Chad Loder, um pesquisador antifascista cuja investigação aberta sobre o motim do Capitólio em Washington levou à identificação e prisão de um militante mascarado do grupo Proud Boys que atacou policiais. A conta do videojornalista Vishal Pratap Singh, que cobre protestos de extrema-direita no sul da Califórnia, também foi suspensa.

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Entre as outras contas importantes suspensas estão o Elm Fork John Brown Gun Club, um grupo antifascista que fornece segurança armada para eventos LGBTQ+ no norte do Texas, e o CrimethInc, um coletivo anarquista que publica e distribui zines, livros, pôsteres e produz podcasts anarquistas e antiautoritários desde meados da década de 1990.

Todas as quatro contas foram criticadas por Andy Ngo, um autor de extrema-direita cujas reportagens conspiratórias e cheias de desinformações sobre protestos de esquerda e movimentos sociais alimentam a ilusão em massa de que um punhado de pequenos grupos antifascistas fazem parte de um exército secreto imaginário chamado “antifa”. Em uma troca de mensagens pública no Twitter na sexta-feira, Musk convidou Ngo a denunciar diretamente a ele “contas antifa” que deveriam ser suspensas.

“A noção bizarra que Andy Ngo tem dos ‘antifa’ parece ser a métrica usada para excluir as contas de jornalistas e publicações, a maioria das quais produzem jornalismo de comprovada qualidade e de maneira completamente honesta, respeitando os Termos de Serviço”, explicou Shane Burley, editor da antologia “¡No Pasarán!: Despachos antifascistas de um mundo em crise,” em postagens no Twitter. “Delírios paranoicos a respeito dos antifa estão provocando isso.”

Como o The Intercept noticiou no ano passado, Ngo já havia tentado, sem sucesso, que Loder fosse suspenso do Twitter, e também se juntou a uma tentativa frustrada de obter uma ordem judicial para que o pesquisador parasse de tuitar sobre um dos Proud Boys que participaram da invasão ao Capitólio.

Em uma entrevista por telefone na segunda-feira, Loder, fundador de uma empresa de tecnologia e especialista em segurança cibernética, disse ao The Intercept que a princípio sua conta @chadloder foi suspensa na semana passada por cerca de 90 minutos, depois que Musk respondeu a Ngo no Twitter. Depois de recuperar por um breve período o acesso à sua conta, Loder foi suspenso novamente e acusado pelo Twitter de ter usado outra conta para burlar o banimento.

Loder disse que tem acesso a outra conta inativa, @masksfordocs – que foi criada no início de 2020 como parte de um esforço de um grupo de ativistas para doar máscaras N95 para médicos durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19 – mas que não havia utilizado a conta para burlar os banimentos. (Ngo chamou a atenção para a conta @masksfordocs no Twitter, descrevendo-a como perfil “alternativo” de Loder).

“O que eu acredito é que a minha e outras contas foram denunciadas em massa nas últimas semanas por um grupo dedicado de extremistas de extrema direita que deseja apagar evidências arquivadas de seus crimes passados ??e neutralizar nossa capacidade de expor esses crimes no futuro”, disse Loder. “Suspeito que os sistemas automáticos do Twitter denunciaram minha conta por algum motivo, e isto não está sendo revisado por nenhum ser humano.”

Como a conta de Loder estava em uma lista divulgada por ativistas de direita em uma campanha coordenada para denúncia em massa de falsas violações por usuários de esquerda do Twitter, ele pode ter sido suspenso como resultado dessa ação. Loder compartilhou capturas de tela com o The Intercept mostrando que os canais do Telegram com dezenas de milhares de membros, incluindo seguidores do QAnon e Proud Boys, coordenaram uma série de reclamações sobre os tweets de Loder e comemoraram sua suspensão.

Embora a equipe de Confiança e Segurança do Twitter tenha sido informada da campanha organizada de denúncias falsas contra Loder no início deste mês – sendo que denúncias coordenadas em massa e acusações falsas eram consideradas “manipulação da plataforma” e violavam a política do Twitter antes da sua compra por Musk, – essa equipe foi esvaziada pelas demissões em massa ocorridas em 17 de novembro.

Ainda assim, em uma postagem na rede social de código aberto Mastodon, Loder brincou com a possibilidade de que Musk estava apenas cumprindo as ordens de Ngo.

O Twitter não é mais viável

Qualquer que seja o motivo da suspensão, Loder disse que está claro que o Twitter “não é mais uma plataforma viável” para antifascistas e para quem pesquisa sobre segurança.

“Se eu recuperar minha conta, é apenas uma questão de tempo até que eu seja denunciado em massa novamente”, disse Loder.

O pesquisador, que passou a usar a rede Mastodon, disse que, no caso das redes sociais, “o produto que você está vendendo é a moderação de conteúdo”. Agora que Musk parece estar reformulando a moderação de conteúdo para inclinar o campo de jogo a favor de extremistas de direita, o Twitter “vai se transformar em um Gab com golpes de criptografia”, acrescentou – em referência à rede social Gab, usada pela extrema direita.

No caso das redes sociais, ‘o produto que você está vendendo é a moderação de conteúdo’.

Loder também disse que algumas das críticas da direita às decisões de moderação de conteúdo feitas pelo Twitter antes de Musk eram justas. “Também concordo que o Twitter não deveria ter censurado a história do laptop de Hunter Biden”, disse Loder. “Só não queremos que nazistas declarados divulguem o endereço das nossas casas.”

Mas Loder diz que as mudanças radicais feitas por Musk, como o aumento da tolerância ao discurso de ódio de extrema-direita, significam que o Twitter provavelmente continuará funcionando como um site e um aplicativo por algum tempo, mas aos poucos deixará de ser um lugar para encontrar opiniões variadas sobre assuntos de importância pública, ou um espaço para militância online contra os extremistas de direita.

“O Twitter é formado por comunidades de pessoas que optam por se organizar online”, disse Loder, observando como o site tem sido usado por sindicalistas e manifestantes pela justiça racial nos últimos anos para promover mudanças no mundo real, e pelos chamados “caçadores de sedição”, pessoas que usaram a plataforma para investigar e fazer a identificação visual dos manifestantes que participaram do golpe fracassado no Capitólio em Washington no dia 6 de janeiro de 2021.

O Twitter era um lugar onde as comunidades podiam se reunir, apesar do assédio, porque o discurso de ódio em seu pior nível era banido pela moderação do conteúdo. “Musk deixou claro que isso não faz mais parte do produto”, disse Loder. “Toda a comunidade de segurança da informação do Twitter mudou para o Mastodon.” Alguns ativistas que ajudaram a criar o Black Twitter já estão falando sobre como reconstruir sua comunidade também nesse site.

“O Twitter nunca foi um ‘local público’ saudável para a maioria de nós. Não vamos reescrever a história se ficarmos elogiando aquele espaço infernal”, escreveu Loder no Mastodon no domingo. “O Twitter era um campo de batalha assustador, onde mal conseguimos sobreviver em meio aos piores e mais violentos extremistas neonazistas, que constantemente publicavam os endereços de nossas casas, ameaçavam a vida de nossos filhos e enviavam hordas de trolls racistas para nossas postagens.”

No Mastodon, Loder acrescentou que “os mesmos princípios que nos permitiram sobreviver com dificuldade no Twitter serão exigidos. Defender a comunidade, pressionar com bom senso as políticas de moderação, e manter eterna vigilância. Não há espaços seguros a não ser aqueles que tornamos seguros por meio de esforço constante. Nós nos mantemos seguros.” Loder diz que o Twitter levará muito tempo para morrer e desaparecer completamente, “como uma carcaça de baleia podre”.

Links quebrados

“Vou ter que consertar quase todos os artigos que escrevi, já que meus tweets foram apagados”, escreveu o jornalista e cinegrafista Vishal Singh no Mastodon na segunda-feira, depois de ser banido do Twitter. “Centenas de artigos escritos por inúmeros jornalistas usaram meus tweets. De todos os lados do espectro político. Artigos acadêmicos que citaram meus tweets. Esses links e conteúdos incorporados agora estão todos quebrados.”

Dias antes da conta de Singh ser suspensa, Ngo tinha postado screenshots de alguns tweets exaltados do jornalista, junto com um texto enganoso e factualmente incorreto: “Vishal Singh, um violento #Antifa de extrema esquerda em Los Angeles que se identifica como jornalista, está clamando por violência e mortes mais uma vez”. Singh é um jornalista de esquerda, mas não pediu violência nos tweets compartilhados por Ngo, e tampouco é violento. No ano passado, depois que Singh foi atacado duas vezes por manifestantes antivacina de extrema-direita e revidou em legítima defesa, Ngo postou um vídeo com uma legenda enganosa e acusou falsamente Singh de ser o agressor.

No Mastodon, Singh compartilhou capturas de tela de e-mails do Twitter, mostrando que, embora as denúncias tenham sido arquivadas contra sua conta pelos mesmos tweets que Ngo postou como capturas de tela, a empresa concluiu que nenhum desses tweets violaram suas políticas oficiais.

Na segunda-feira, Singh também foi suspenso do Instagram. “A campanha da extrema-direita para fazer denúncias falsas em massa contra minhas contas de mídia social ainda não parou”, escreveu no Mastodon. “O objetivo é fazer todo o meu jornalismo desaparecer.”

Na última sexta-feira, o Twitter também suspendeu a conta do CrimethInc, um coletivo e editora anarquista. O nome do grupo faz referência ao “crime de pensamento”, termo cunhado por George Orwell no romance distópico “1984”.

Nos 14 anos em que o CrimethInc está no Twitter, a conta nunca violou as políticas do site, e tampouco foi suspensa. Isso mudou na semana passada, após uma conversa no Twitter entre Musk e Ngo.

Ngo pediu a Musk que suspendesse a conta do CrimethInc, chamando-o de “coletivo Antifa” e alegando falsamente que o grupo havia “reivindicado uma série de ataques”. Poucas horas depois do pedido de Ngo a Musk, e sem citar nenhuma violação específica das políticas, o Twitter suspendeu a conta @crimethinc.

Após a suspensão do CrimethInc, Ngo alegou, com uma hipérbole tipicamente viciosa e incorreta, que o “grupo opera como o ISIS: produz propaganda e material de treinamento para radicalizar militantes a favor da violência”. Ele também reclamou que uma dúzia de contas afiliadas ainda não haviam sido suspensas. Três dias depois, quase todas essas outras contas apontadas por Ngo também foram suspensas pelo Twitter.

“O objetivo de Musk em adquirir o Twitter não tinha nada a ver com ‘liberdade de expressão’ – foi um movimento político para silenciar a oposição, abrindo caminho para a violência fascista”, disse o CrimethInc em comunicado enviado ao The Intercept.

O coletivo também explicou que, na manhã da suspensão, recebeu um e-mail do Twitter dizendo que a empresa havia “recebido uma reclamação sobre sua conta”, mas havia “investigado o conteúdo denunciado e constatado que não estava sujeito a remoção de acordo com as Regras do Twitter.”

O grupo disse que não recebeu mais e-mails do Twitter para explicar ou justificar o banimento. “Isso sugere que a decisão de banir nossa conta logo em seguida veio do próprio Musk, sem levar em conta as regras do Twitter ou qualquer outro protocolo além de sua aparente lealdade à extrema direita.”

O Twitter não respondeu ao pedido para comentar o caso.

Como o jornalista investigativo Steven Monacelli escreveu na semana passada, dois dias depois que um atirador matou cinco pessoas e feriu outras 25 em um tiroteio em massa no Club Q, uma boate LGBTQ+ em Colorado Springs, o Twitter suspendeu a conta do Elm Fork John Brown Gun Club, um grupo antifascista do Texas que fornece segurança armada para reuniões LGBTQ+.

O John Brown Gun Club – batizado em homenagem ao líder abolicionista branco John Brown que, em 1859, liderou uma revolta armada contra a escravidão – ajuda comunidades marginalizadas a se defenderem contra a violência dos supremacistas brancos. Encontros LGBTQ+ no Texas, como um evento drag familiar coberto pelo jornalista em agosto, muitas vezes atraem a atenção de manifestantes de extrema-direita armados, caso dos Proud Boys e de grupos neonazistas como a Frente Patriota e a Rede Liberdade Ariana.

O motivo para o Twitter suspender a conta, de acordo com seu relatório de suspensão, foram dois tweets que supostamente violaram as regras do site contra “conduta odiosa”. Um deles era uma resposta a um tweet do Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos com o texto “@CBP Assaltando à mão armada” e outro era um trocadilho sobre pronomes inclusivos com o texto “Every queer a riflethem”, algo como “cada bicha é uma arma”, uma possível referência ao lema “Every Marine a rifleman” usado pelos fuzileiros do país. Sem a intenção de ser mal interpretado ou retirado do contexto, nenhum desses tweets constitui conduta odiosa.

Desde que sua conta no Twitter foi suspensa na semana passada, o Elm Fork John Brown Gun Club tem tuitado em uma outra conta, @elmforkJBGC, que ainda não foi suspensa. O grupo também começou a postar no Mastodon.

“Não podemos deixar de perceber a ironia de que nossa suspensão coincide com um esforço coordenado para o retorno das piores contas de ódio transfóbico e antissemita”, disse o Elm Fork John Brown Gun Club em um comunicado ao The Intercept. “Não sabemos se isso é um indicativo sobre como será o futuro do Twitter sob a liderança de Elon Musk, mas podemos dizer que as decisões tomadas e seu momento estão sendo deliberados e direcionados.”

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