Desculpe o tom apocalíptico, mas é dever moral do cronista de costumes dizer logo de cara: a festa da firma acabou. Pelo menos na versão farta e abundante como a conhecíamos. Depois da reforma trabalhista e da pandemia, restaram apenas sóbrias, protocolares e distanciadas confraternizações natalinas.
Há quem não sinta falta alguma da fuzarca à moda antiga, principalmente as mulheres vítimas de abusos e assédios sexuais explícitos. Há quem ainda tenha dor de cabeça, nesse exato instante, só em lembrar uma ressaca moral monstruosa capaz de fazer corar o inseto do Kafka. Não faltarão os nostálgicos, como um colega de mesa no crediário da Mesbla, no Recife, que conheceu o amor da vida em uma festa do gênero – “é divina, apesar de pertencer ao terreno e maldito departamento de Recursos Humanos”, definiu logo na terceira dose.
Curtia especialmente o capítulo “vingança do proletariado”. Quem nunca botou um rabo de papel no chefe, depois de umas boas carraspanas? Sim, isso não alterava um centavo na luta de classes, era apenas um sadismo banal para aliviar a melancolia de mais um dezembro. Na mesma Mesbla da Conde da Boa Vista, nossa imensa contribuição histórica para as massas era, em alguns sábados especiais, liberar geral as compras a crédito para os clientes com maiores dificuldades financeiras. Uma pequena sacanagem de solidariedade às famílias de trabalhadores, para glória dos velhos barbudos, seja Karl Marx ou Papai Noel.
E chega de nostalgia. A festa de firma, com seus luxos e pecados, já era. O que impera no momento nas redações do jornalismo, ramo que adotei depois do fracasso como crediarista de lojas, é o onipresente passaralho, como é conhecida a onda de demissões em larga escala. O exemplo mais recente aconteceu no canal de TV fechada CNN, com 120 colegas despejados sem maiores explicações. Penduro aqui a minha solidariedade.
Deixo também uma nota sobre o termo passaralho. O neologismo foi criado por Joaquim Campelo, redator do “Jornal do Brasil”, em 1973 – ano, para variar, com muitas demissões na área da comunicação. Campelo era tão bom em nomear as coisas que virou auxiliar do Aurélio, o homem do dicionário.
A festa de firma acabou, quero o meu agrado natalino em uma remuneração justa, diria o colega mais realista ao crepúsculo desse 2022. Em tempos de clandestinidade trabalhista e uberização ilimitada, faltam vínculos afetivos até para o amigo secreto.
Em compensação, com o fim da era Bolsonaro no governo, o jantar de Natal em família ficou bem mais palatável. Vai ter festa para aquele filho pródigo que largou o lar doce lar por razões ideológicas. Que o embate siga polarizado apenas no quesito do amor ou ódio ao arroz com uva passa.
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