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2023 vai ser o que você fizer

É hora de deixar a mesquinharia meritocrática de lado para nos enxergarmos enquanto experiências coletivas implicadas com o social e a ecologia.

2023 vai ser o que você fizer

2023 vai ser o que você fizer

Ilustração: The Intercept Brasil

Nós sempre somos induzidos a lidar com essa ideia de linha do tempo do calendário — que termina isso, começa aquilo — e essa narrativa está muito impregnada na nossa maneira de observar ao redor.

Não tem nada de fim de ano e não tem nada de começo. A realidade transborda esses meros formalismos e essa noção fajuta de tempo repartido. O futuro é uma invenção, uma convenção. Mas ele pode ser o que a gente escolher fazer juntos.

A nossa realidade política recente, por exemplo, está pulsando, movimentada por um acelerador de partículas. Cada gesto, cada minuto, cada evento reconfigura a perspectiva de um amanhã. Então, estamos diante de um fenômeno que muda feito um caleidoscópio, diante daquilo que podemos chamar de futuro.

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A eleição do Lula foi uma mágica. Dentro de um contexto extremamente manipulado, desigual, com a brutalidade da máquina do estado toda azeitada para detonar o PT. Tentaram a todo custo reafirmar o estigma em cima de uma legenda que, por mais que tenha cometido erros ao longo da sua breve história de existência, de longe não é a pior. Tem partidos muito mais velhacos por aí. E o mais velhaco deles é o PL, que se aproveitou de todo caos político dos últimos 20 anos e, quando perdeu a disputa eleitoral, ainda entrou com pedido para suspender o resultado das eleições no Brasil.

O que vamos ter em 2023? A possível reconfiguração das forças políticas internas interessadas em restituir a dignidade do fazer política. Isso implica em tirar pelo menos parte dos trapalhões golpistas, cassando seus mandatos e jogando alguns para o lixo da história — que seria um destino plenamente cabível para o Bolsonaro e a sua turma.

Esses escroques da política estão regurgitando. Regurgitar é aquilo que uma ave ou uma criança fazem quando já mamaram de mais. Aí ela vomita. Essas pessoas já mamaram muito. Encheram a pança. Não tem mais nada a dizer, mas continuam querendo se locupletar da miséria alheia. Eles não têm nenhum compromisso nem com o clima do planeta, nem com a realidade social dos povos que vivem sob sua influência.

A gente costuma perguntar o que melhora para o ano que vem. Mas deveria se perguntar o que piora. E tem muita coisa que pode piorar, já que temos visto gente batendo cabeça em muro de quartel, como se tivesse surtado. Gente que se enrola em bandeira e reza para generais.

É um surto coletivo. Assim como teve a Covid, agora teve outro surto. E esse surto militarista resgata um modelo cíclico de intervenção militar que existe desde o começo da nossa República. Isso põe o Brasil em uma situação muito humilhante e revela um pensamento atrasado sobre a política global e sobre a própria América Latina. Além de burro, é ridículo. Esse bando de gente que circula por aí vestido de verde e amarelo, se confundindo com torcedores da Seleção Brasileira, são zumbis. Não sabem o que querem. Já que são evangélicos, caberia aplicar aquela frase de Jesus Cristo: “Pai, perdoai-vos. Eles não sabem o que fazem”.

Só que essa frase é muito generosa para esse bando de imbecil. Eles deveriam sair da rua, porque estão atrapalhando a vida de quem quer ir em frente. E eles só querem andar para trás. Em todo sentido, são retrógrados.

E essa coisa do PL de se servir do orçamento secreto para encher o rabo de dinheiro e depois entrar com uma ação contra o resultado das ações? Merecia pedir a prisão do presidente do PL [Valdemar Costa Neto]. Esse cara é uma escória. É um sujeito podre. Ele não poderia estar na vida pública e muito menos controlando um partido político que pode servir de abrigo para qualquer aventureiro — que é o que eles fizeram quando acolheram Bolsonaro na legenda.

Deveria ser considerada a possibilidade de um debate nacional sobre a ética na política, no qual um dos critérios essenciais seria que partidos venais não podem concorrer às eleições gerais no país. Partido de bolso, de aluguel, não poderia lançar candidaturas majoritárias. São golpistas. Não deveriam estar na vida pública legislando, governando, manipulando, como fizeram com a estrutura pública do país, falindo a Polícia Federal, destruindo a Polícia Rodoviária Federal, desmoralizando várias instituições. Eles tinham o projeto de desmoralizar tudo.

Esses sujeitos se engravatam para esconder o lixo que são. Quanto mais caro o terno, mais escroto é o sujeito. Tira uma foto deles. Avalia eles. Olha a pinta dessas figuras. Eles são indecentes. Ficam tentando manter essa carinha de executivos, mas não tem nada de executivos. São sujeitos que não tem coragem de ler, não estudam. Transformaram a política nesse lugar desidratado de ideias.  Olha só Paulo Guedes. Ele deveria administrar um escritório de contabilidade. Não pode ser Ministro da Economia. Não tem ideias. Quer conter gastos para agradar os banqueiros e não nas necessidades reais do povo, que são influenciados por sua política.

Agora, abre-se uma espécie de arco-íris no céu. Horizonte de um debate político que desafia espectros que sempre foram da direita, mesmo que disfarçados. Temos a possibilidade de propor novos modelos, em um país que sempre foi de direita, com uma vocação muito grande para o autoritarismo.

O presidente Lula deveria radicalizar já agora em tudo que ele quer fazer. Ele deveria fazer um revogaço. Tudo que é casuísmo político que esses caras jogaram no caminho, ele deveria simplesmente tratorar e jogar no lixo. Convocar uma maior participação social na governança, atribuir mesmo responsabilidade à sociedade, ampliar ao máximo possível a política feita por conselhos. Os conselhos na área da saúde, da educação, da cultura, tudo o que foi desmerecido nos últimos anos, desde o golpe contra Dilma, deveria ressurgir como prioridade de governança no governo Lula.

Para além da ideia do Ministério dos Povos Originários, que é um anúncio muito corajoso que ele já fez, Lula deveria colocar a Constituição como instrumento de governo. Seria genial governar pela Constituição, né? Um exemplo que eu daria, seria o seguinte: o capítulo do direito dos índios na nossa Constituição estabelece que, em cinco anos, o Estado brasileiro — não é o governo, o estado brasileiro — deve demarcar todas as terras indígenas. Em cinco anos. Já se passaram trinta. Tem um déficit de vinte e cinco anos.

Quando alguém chegar com essa conversa de que o mercado está nervoso, a gente deve rebater dizendo que a Constituição está nervosa. Porque tem vinte e cinco anos que não entregam um compromisso constitucional.

Pois as pessoas que têm um pendor democrático acabam se passando por otárias. Porque os caras da direita não vacilam em usar o poder do presidente para abusar de tudo. Quando a direita está no poder, porque ela faz o que quer? Quem limita ela? Alguém limitou esses caras quando foram passear de tanque e ameaçaram invadir todo mundo? Alguém disse para eles: ‘ei, desce daí. Para com isso’?  Não. Ninguém.

Por isso, temos que cobrar com veemência as pautas que foram defendidas na campanha. Eu confio no Lula para fazer o que ele disse que ia fazer.  Um homem como Lula, que enfrentou os desafios que enfrentou até agora, não vai se deixar manipular por essa frente ampla que precisou orquestrar para tirar o Bolsonaro de cima da cadeira de presidente da República. Ele não vai ficar manietado por esses acordos e essas alianças políticas que fez. Ele é muito maior do que isso.

Não tem mais essa de querer reduzir a experiência de aliança política que o presidente Lula fez a um arranjo circunstancial. Não foi. Ele fez aquilo que Nelson Mandela fez para tirar o apartheid de cima do povo. A gente tem que dar dignidade ao mandato de Lula. Vamos parar de jogar casca de banana. Quem põe em dúvida a inteligência política de Lula tá jogando casca de banana. Está colaborando com a sabotagem do governo.

Questão ambiental

Bastou, por exemplo, o presidente Lula ser eleito para que as articulações internacionais envolvendo o Brasil fossem retomadas. O país recuperou sua importância no debate global do clima. O Brasil é o principal protagonista nesse debate no planeta. A eleição de Lula foi uma dessas manifestações do presente que constroem o futuro. Isso porque mudou objetivamente a situação de decidir se vamos acabar com a floresta ou mantê-la viva.

E Lula já disse que vamos nos mover em direção à bioeconomia, interessados na cooperação internacional. O Fundo Amazônia vai ser recuperado, ele vai se ampliar, vai ter muito mais doadores. O Brasil vai deixar de aparecer nas manchetes como aquele que toca fogo na floresta para restabelecer seu lugar geopolítico relevante no mundo.

Mas não podemos esquecer que estamos em uma deriva global. O fato de nós termos uma melhora circunstancial na vida política do Brasil não significa que a gente vira uma ilha da maravilha num mundo desgovernado. Significa que estamos fazendo um trabalho em casa para diminuir a tensão global. Eu não sou um especialista em geopolítica. Estou interessado na vida do planeta. O destino dos humanos me interessa como residual. Estou interessado no planeta.

E o que esperar de 2023?

O capitalismo precisa de um indivíduo. Precisa de um consumidor. Precisa de um cliente. Cliente não é cidadão. O cliente radicaliza, atomiza o indivíduo. O capitalismo lida com um potencial imbecil, aquele que quer ter uma vantagem individual em tudo. Por isso precisamos fortalecer e incentivar experiências comunitárias, de sujeitos coletivos.

Precisamos nos enxergar como experiências coletivas, implicado com o contexto social e ecológico que estamos vivendo. Pensar globalmente e agir localmente. Esse era um conceito ambientalista na década de 1980, que foi abandonado cedinho, bem rápido. A partir da década de 1990, teve aquele elogio ao indivíduo. O tal dos yuppies. Aquele sujeitinho espertalhão, que queria fazer um milhão. E saía por aí especulando, fazendo qualquer tipo de besteira e não sabia que o dinheiro dele ia financiar guerras, petróleo, devastação ambiental… Ele não olhava e nem queria saber o que o dinheiro dele estava fazendo enquanto ele dormia.

Os poucos indivíduos que têm dinheiro deveriam pensar o que o dinheiro dele faz com o mundo. O que esse prostituto está fazendo? Está fazendo o puteiro crescer.

E você? Também fica aí exibindo seu cartão de crédito, como se fosse uma espada laser do herói de Guerra nas Estrelas? Como se fosse o próprio Luke Skywalker? Larga de ser boçal. Sai daí. Seja um sujeito coletivo, participe da vida da sua comunidade, do seu bairro, do seu país. Experimente ser um sujeito coletivo. Saia dessa muralha burra do individualismo. O Pepe Mujica diz que o capitalismo não quer cidadão, quer indivíduo. E o elogio do indivíduo é esse cartão, que eles dizem que pode comprar tudo. Mas, na verdade, ele pode comprar você, te endividando.

Essa juventude tem que pensar. Não estou pedindo que ninguém seja de esquerda. Estou pedindo que deixem de ser pulhas. Porque um jovem pulha é a pior merda que você pode ser.

2023 vai ser o que você fizer. Parece aquela conversa fiada de comercial, de vinheta da TV Globo. Quem ler o título dessa conversa pode até achar isso. O senso comum pode achar isso, mas não é. É uma chamada à responsabilidade individual, deslocando o indivíduo desse lugar egoísta meritocrático e provocando ele para assumir uma experiência coletiva.

Temos que bagunçar o coreto dessa coisa de produzir como se fosse um gênio, uma pessoa de sucesso, alguém que superou adversidades para vencer na vida. Isso tudo são construções que elogiam o individualismo. Tenho acreditado muito em produções e construções que agreguem o esforço de um grupo. Não a mera superação de adversidades externas para alcançar os louros. Acredito em experiências coletivas que dialoguem e transformem o espaço onde estão inseridas.

O futuro não existe. Não tem um depois. Tem o agora. É uma produção. Eu me reconcilio com meu ser, com minha consciência, quando eu entendo que não existe futuro e que o que existe é o agora. E ele produz o amanhã.

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