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Posse de Lula não é o começo do paraíso, mas a saída do inferno

Depois de quatro anos de ódio, violência, golpismo e terror, surge uma luz no fim do túnel de uma democracia que agonizava.

Lula recebeu a faixa presidencial de diversas pessoas que representaram o povo brasileiro

Lula recebeu a faixa presidencial de diversas pessoas que representaram o povo brasileiro

Lula recebeu a faixa presidencial de diversas pessoas que representaram o povo brasileiro

Foto: Andre Ribeiro/Futura Press/Folhapress

A posse de Lula foi um acontecimento histórico. Motivos para defini-la assim não faltam. Ela representa não apenas o fim de um governo autoritário, golpista e fascista que aterrorizou o país nos últimos quatro anos, mas também o começo do fechamento do arco do personagem Lula na história do país.

O primeiro e único presidente operário voltou ao Planalto depois de uma saga heróica vivida nas duas últimas décadas. Lula saiu dos seus dois primeiros mandatos ostentando o recorde de 87% de aprovação e popularidade — quase uma unanimidade. Dilma, indicada por ele, se elegeu e se reelegeu antes de ser derrubada por um golpe parlamentar. A operação Lava Jato, que foi decisiva para a derrubada de Dilma, prendeu Lula quando ele aparecia nas pesquisas como o único democrata popular com capacidade de derrotar nas urnas o candidato do fascismo em 2018.

O lavajatismo abriu os caminhos para Bolsonaro se eleger e poder governar ao lado do juiz que determinou a prisão de Lula. Depois de 580 dias de cadeia, Lula foi solto. Graças às reportagens da Vaza Jato, provou-se o que já era óbvio: um conluio entre promotores, juízes e imprensa foi armado para prender Lula sem provas e retirá-lo do páreo eleitoral. Comprovada a farsa, o ex-operário agora dá a volta por cima dos farsantes e interrompe um projeto de destruição da democracia que estava em curso.

Assim como em 2018, as pesquisas eleitorais de 2022 indicavam que nenhum outro candidato poderia bater Bolsonaro nas urnas. Apenas Lula. A posse de ontem representa, portanto, a salvação do estado, da República e da democracia. Tudo isso estaria com os dias contados caso o ex-presidente fascista permanecesse por mais quatro anos. Não há exagero nessa avaliação. A história recente nos ensina que autocratas reeleitos tendem a intensificar suas práticas autoritárias. A reeleição de Bolsonaro transformaria o Brasil em uma versão tropical da nebulosa autocracia turca de Erdogan. O projeto bolsonarista era bastante claro.

O fato é que, goste-se ou não dessa constatação, Lula voltou para salvar a democracia. Qual outro democrata teria condições para derrotar o líder popular fascista nas urnas? Não existe. Lula era o único com potencial para derrotar o autocrata que estava com a faca, o queijo, o centrão e a máquina do estado na mão para se perpetuar no poder. Se Lula não existisse, estaríamos fadados a mais quatro anos sob o bolsonarismo — o que seria fatal para a democracia.

Em 2003, Lula tomou posse pela primeira vez. Na cerimônia, Fernando Henrique passou a faixa presidencial para Lula, deu os parabéns e abraçou seu principal adversário político. Eram outros tempos e vivia-se um ambiente minimamente civilizado. Ontem, exatos 20 anos depois, Bolsonaro não estava lá para cumprir esse importante rito democrático. A ausência é coerente com a carreira de um político cuja principal marca foi o profundo desprezo pela democracia. Bolsonaro fugiu do país não só para não ter que reconhecer a vitória do seu adversário nas urnas mas, principalmente, por temer ser preso em 1º de janeiro, agora que estão extintos o foro privilegiado e a imunidade presidencial.

Os últimos dias de governo foram marcados por atos golpistas e ataques terroristas por parte dos bolsonaristas, que agiram sob o silêncio conivente do seu líder. De nada adiantou. O machão “imbrochável” os abandonou e foi embora quietinho, com o rabinho entre as pena, no penúltimo dia de mandato. A fuga se deu em um avião da FAB, com tudo pago com dinheiro público. O patriota foi se esconder nos EUA.

Possivelmente esse é um dos episódios mais patéticos da história da vida pública brasileira. Ficará registrado que o presidente pateta vazou para a Disney enquanto seu gado teleguiado tomava chuva na frente do quartel esperando o golpe militar que ele tanto agitou. O bolsonarismo começou o governo enfiando a faca no pescoço da democracia, dizendo que bastaria o presidente mandar “um cabo e um soldado” para fechar o STF, mas terminou com ele fugindo da justiça a bordo do AeroLula. Bolsonaro abandonou o emprego e foi passar o réveillon com sua família no exterior com passagens pagas pelos brasileiros. Esse fim de mandato é um retrato fiel do que Bolsonaro foi como presidente e é como ser humano: medíocre, covarde e minúsculo.

Ainda bem que o fascista não quis participar dessa festa da democracia. Em seu lugar, oito representantes do povo brasileiro foram escolhidos para subir a rampa do Planalto com Lula e lhe entregar a faixa. Entre eles estava uma criança, uma catadora de lixo, um indígena, um metalúrgico, um professor, uma cozinheira e uma pessoa com deficiência. Nada mais simbólico do que ter a passagem de faixa sendo protagonizada pelo povo brasileiro em vez de um tirano que sempre desprezou a democracia.

No primeiro discurso com a faixa presidencial, Lula repudiou o racismo, agradeceu os profissionais do SUS pelo trabalho durante a pandemia, atacou a desigualdade de renda, criticou a desigualdade de gênero e a desigualdade no acesso aos serviços públicos. O presidente se emocionou ao falar sobre os brasileiros que estão na rua pedindo ajuda: “nesses últimos anos o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando o lixo em busca de alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola quando deveriam estar na escola vivendo plenamente a infância a que têm direito. Trabalhadores e trabalhadoras desempregados, exibindo nos semáforos cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: ‘Por favor, me ajuda'”. Lula teve que interromper o discurso para conter as lágrimas. Enfim, temos novamente um ser humano na cadeira de presidente.

Os novos ares democráticos já podem ser respirados com a escolha dos ministérios. Sai Ricardo Salles, entra Marina da Silva. Sai Damares Alves, entra Silvio Almeida. Sai Marcelo Queiroga, entra Nísia Trindade. As mudanças falam por si só. O negacionismo e a antipolítica saem para dar lugar à ciência e à política. A escuridão sai para dar lugar à esperança. A volta de Lula é também a volta do republicanismo, da civilidade e da democracia. Ela não significa que estamos entrando no paraíso, mas que estamos saindo do inferno e recuperando a capacidade de sonhar com um país mais justo e mais humano.

Se o governo Lula será bom ou ruim, isso só o tempo dirá. As dificuldades serão imensas. O país está quebrado financeiramente e o estado brasileiro se encontra em escombros em todos os setores. Além disso, o fascismo bolsonarista se consolidou como uma força política popular e seguirá aterrorizando a democracia. Mas, por ora, nós, os democratas, temos muitos motivos para comemorar. Depois de quatro anos de ódio, violência, golpismo e terror, surge uma luz no fim do túnel de uma democracia que agonizava.

A vitória de Lula é de uma grandiosidade sem precedentes na história da democracia brasileira. Ela simboliza o renascimento da esperança na democracia e o fim de um pesadelo fascista. Isso não é pouca coisa.

Viva a democracia. Viva Lula. Viva o Brasil.

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