O caminho até o Palácio do Planalto, nesta segunda-feira, dia 9 de janeiro, não permitia esquecer o ataque golpista e fascista a que o país foi submetido no dia anterior. A lenta movimentação de carros que tentavam chegar nas repartições públicas anexas à Esplanada dos Ministérios era explicada pelos bloqueios de trânsito da Polícia Militar e pela incomum presença de veículos do Exército.
Ao longo da via N2, que passa pela lateral do Senado Federal e dá acesso à parte de trás do Palácio do Planalto, encontrei caminhões verde oliva do Exército circulando com homens armados e ônibus da Polícia do Exército espalhados pelos estacionamentos que normalmente abrigam carros de servidores públicos. Passei por este caminho de carro, por volta de 9h30, para ir à parte de trás do Palácio do Planalto, isso porque a entrada principal do prédio, em frente à Praça dos Três Poderes, estava interditada.
O acesso de jornalistas ao Palácio do Planalto aconteceu naquela via, pela garagem do prédio, no subsolo. Ao chegar, deu para notar que o rigor da semana anterior, com seguranças empenhados em revistar repórteres durante a posse de ministros, praticamente inexistia nesta segunda. Passei pela catraca sem maiores dificuldades carregando minha credencial no pescoço. Atravessei os poucos veículos estacionados e subi as escadas que levam à parte de cima do prédio. O fedor de urina e fezes que exalava das escadas servia de prenúncio à cena de degradação de um dos mais importantes símbolos do poder nacional.
Na parte de cima, ainda era possível perceber o cheiro de pólvora e das bombas de gás lacrimogêneo que foram disparadas para afastar os golpistas. Havia dezenas de cápsulas e projéteis pelo chão misturados com cacos de vidro, pedaços de armários, fotos rasgadas, documentos oficiais jogados e pedras.
“Vi ontem pela TV e não imaginava encontrar uma destruição deste tamanho. Eu fico sem palavras diante disso daqui”, me relatou um segurança do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI — órgão que cuida da segurança da Presidência — enquanto juntava documentos espalhados sobre uma mesa que fora atirada para fora do prédio. O funcionário pediu para que eu não o identificasse. Ele não queria dar entrevista.
Entre membros do novo governo, jornalistas, servidores e funcionários terceirizados que faziam a limpeza do local, a expressão era a mesma: incredulidade. A sensação de revolta existia, mas era mais aparente a sensação de tristeza e indignação. Para quem costuma circular por esse Palácio, que é parte do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, custa a acreditar que os ambientes grandiosos, esculturas, quadros, móveis e demais objetos históricos foram atacados sem dó por fascistas que atentaram contra a democracia.
Havia diferentes marcas de destruição, objetos e mobiliários cobertos de pó químico, molhados com água e lixo. Computadores, telefones, cabos e teclados retorcidos. Um busto atirado para o lado de fora do prédio e danos na tela “As Mulatas”, do pintor modernista Di Cavalcanti, e na escultura “O Flautista”, de Bruno Giorgi.
“Quem vai pagar o prejuízo é a nação. Chamaria de terrorismo o que vi aqui. Não sei quanto tempo para limpar isso tudo. Sei que vai demorar muito”, me contou um funcionário da limpeza enquanto botava peças de mobiliário quebrado em uma montanha de lixo.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, onde fica o Supremo Tribunal Federal, o cenário era ainda mais devastador – aquele parecia ser o prédio mais deteriorado. A imprensa não estava autorizada a entrar ali ou a chegar nas proximidades. Colegas jornalistas que estiveram no prédio às 6h30 me contaram que foram impedidos de documentar a destruição, sob alegação de que o local estava sob perícia.
Naquela manhã, na parte de dentro do Palácio do Planalto, dois andares acima dos destroços que eram recolhidos por dezenas de funcionários, o presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin estavam reunidos com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, o presidente em exercício do Senado e outras autoridades da República. Além de coordenar politicamente o país, a reunião convocada por Lula foi realizada de forma presencial com objetivo de reocupar os prédios de poder, mostrar controle e alguma normalidade institucional frente à tentativa de golpe.
‘Chamaria de terrorismo o que vi aqui. Não sei quanto tempo para limpar isso tudo. Sei que vai demorar muito’.
Cenário de destruição semelhante ao do Planalto encontrei no Congresso, mas em menor escala. O estrago que pude perceber estava mais localizado nos acessos da rua ao prédio, nas proximidades do plenário e na antessala que dá acesso à sala da presidência do Senado.
Uma das portas que leva ao plenário do Senado se resumia a uma pilha de cacos de vidro sobre o carpete azul que cobre o chão por onde transitam parlamentares. A mesa utilizada para dirigir os trabalhos, feita de playground durante a invasão golpista, estava bagunçada e com danos. Já na antessala da presidência do Congresso, que fica do lado de fora do plenário, as paredes de vidro preto estavam no chão. Logo ao lado dessa sala, indo em direção a Câmara dos Deputados, pude ver que honrarias e presentes diplomáticos que ficam expostos para o público foram saqueados. Foram levados pelo menos 40 itens, segundo me contaram servidores que tentavam catalogar o prejuízo.
Em meio à presença de jornalistas e funcionários da limpeza, servidores do Congresso tentavam separar, cuidadosamente, o que restava de presentes diplomáticos e patrimônio histórico do Senado, como cascas de um ovo de avestruz ornamentado que foi dado de presente por representantes do Sudão e destruído durante a invasão.
Pelos corredores encontrei três senadores, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, da Rede, o petista Rogério Carvalho e o senador do PSD Otto Alencar. Governistas, eles me relataram indignação e revolta, além de afirmarem estar unindo esforços para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, uma CPI, para investigar os ataques de domingo.
Em meio às tentativas de limpeza e reconstrução, no Planalto, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, disse que mesmo com a quebradeira de computadores, mesas e equipamentos, o governo estava “trabalhando normalmente”. A mesma orientação foi dada pela manhã por outros ministros, que pediram a presença física dos servidores como símbolo de uso do espaço e coordenação.
Pimenta disse a jornalistas que as vidraças do Planalto, do Supremo e do Congresso seriam substituídas o mais rápido possível para que não fosse necessária a instalação de tapumes. É grande a tentativa do governo e dos demais poderes de retomar algum clima de normalidade institucional, sentimento que, junto com parte da cultura e do patrimônio brasileiros, foi saqueado pelos fanáticos seguidores terroristas de Jair Bolsonaro.
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