Os atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília despertaram até mesmo o indolente procurador-geral da República Augusto Aras. Antes ocupado em colocar panos quentes em quaisquer suspeitas que envolvessem o presidente que o nomeou, ele resolveu trabalhar. Mandou criar um Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, que já denunciou à justiça 98 pessoas acusadas de participação nos ataques.
No braço do Ministério Público da União responsável por investigar e oferecer denúncias contra militares das Forças Armadas, entretanto, um milagre semelhante não se repetiu. “Até o momento, o Ministério Público Militar não requisitou a instauração de Inquérito Policial Militar relacionado aos atos ocorridos no dia 8 de janeiro”, me respondeu a instituição nesta quinta-feira, 26, via Lei de Acesso à Informação.
“Requisitar a instauração”, neste caso, é uma expressão – propositalmente? – imprecisa. O MPM não precisa pedir autorização a quem quer seja para abrir inquéritos contra militares. Basta que decida fazer isso. Mas, quase três semanas após o ataque mais grave à democracia brasileira desde o golpe de 1964, a turma chefiada pelo procurador-geral de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte, ainda não deu nem sequer o primeiro passo necessário para acusar membros das Forças Armadas que tenham participado dos ataques às sedes dos Três Poderes.
Por ora, apenas “algumas notícias de fato estão sendo apuradas pela Procuradoria de Justiça Militar em Brasília”, mas ainda não resultaram em inquérito. Notícia de fato é o nome dado a qualquer denúncia apresentada ao Ministério Público por um cidadão. Se ela for verdadeira e minimamente embasada, dá origem a um inquérito. Três semanas após os ataques, o MPM ainda não conseguiu dar conta desse trabalho preliminar.
“Eu estranho, e muito, que o Ministério Público Militar fique para trás. O que está esperando?”, questionou o jurista, professor e procurador de justiça aposentado Lenio Luiz Streck, a quem pedi um comentário sobre o caso. “Já deveria ter requisitado inquéritos, já deveria ter feito denúncias. Porque, se o Ministério Público – entre aspas – comum já denunciou 90 e tantas pessoas, como é que no militar não tem nenhum ainda?”.
A demora do MPM é ainda mais relevante porque, atualmente, todos os crimes de militares, no Brasil, são tratados como crimes militares – ou seja, os previstos no Código Penal Militar. Um exemplo: o assassinato de um soldado da Força Aérea Brasileira por um colega, em novembro passado, em Brasília, é apurado e investigado pela própria Aeronáutica. E será julgado pela justiça militar. Como se fossem uma casta, os militares têm até seu sistema de justiça exclusivo. Uma aberração que deverá finalmente ser revista pelo Supremo Tribunal Federal após o 8 de janeiro.
Enquanto isso, o único inquérito policial militar já concluído – pelo Exército – sobre o 8 de janeiro indicia o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni. O crime dele? Ofender as Forças Armadas, a quem xingou de “filhas da puta” por não terem apoiado (mais) um golpe de estado. Mesmo nesse caso, o letárgico MPM ainda não ofereceu denúncia.
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