Em abril de 2020, no início da grave crise econômica provocada pela pandemia, o governo Bolsonaro anunciou uma medida provisória para tentar salvar empregos de pequenas e médias empresas por meio do financiamento de suas folhas de pagamento. O Programa Emergencial de Suporte a Empregos, criado pela MP 944, injetou R$ 40 bilhões em créditos em cooperativas e bancos, responsáveis por distribuir os financiamentos. Os pequenos empresários respiraram aliviados – mas só por um momento.
Com uma série de burocracias e entraves inexplicáveis, o dinheiro simplesmente não chegava até eles. O Intercept mostrou vários desses casos em maio de 2020 — do total injetado pelo governo, R$ 1,44 bi, ou seja, meros 3,6%, havia sido efetivamente distribuído aos pequenos empresários. Como consequência, os trabalhadores seguiam em risco de perder o emprego.
A reportagem, na época, chamou a atenção da Procuradoria-Geral do Trabalho, que decidiu investigar a situação. Em junho de 2020, o órgão criou um Grupo Especial de Atuação Finalística com nove procuradores para averiguar as razões para a execução da política instituída pela medida provisória ser tão baixa. Os quatro bancos denunciados pela nossa reportagem – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander – entraram na mira da investigação.
Os procuradores requisitaram às instituições informações e documentos que comprovassem a implementação do Programa Emergencial de Suporte a Empregos. De todos, apenas o Itaú prontamente respondeu os questionamentos – as informações prestadas levaram o MPT a descartar irregularidades. Mas os outros bancos, segundo os procuradores, foram por outro caminho e “tentaram impedir a atividade investigatória”, segundo argumentaram em uma ação.
Foi só depois de uma ação judicial que o Banco do Brasil e a Caixa colaboraram. O Santander, nem isso. Os procuradores afirmam que o banco ocultou uma série de informações, como o número consolidado das operações de crédito relacionadas ao programa emergencial, além de cópias de documentos e operações que confirmassem a oferta do financiamento.
A Federação Brasileira dos Bancos, Febraban, e o próprio Santander ainda chegaram a entrar com dois mandados de segurança para travar a investigação. A ação da Febraban chegou a paralisar o inquérito, mas depois foi derrubada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, o TRT-15. “Não vislumbro qualquer irregularidade perpetrada pelo Ministério Público do Trabalho”, decidiu o desembargador Antonio Francisco Montanagna.
Para os procuradores, a suspeita foi intensificada com o “censurável” comportamento do Santander ao negar as informações e tentar impedir as investigações. “Como se estivesse o banco acima da lei, ou contasse com imunidade a investigações ministeriais. Como diz o ditado, ‘quem não deve, não teme’”, escreveu o grupo em uma ação civil pública que foi proposta para responsabilizar o banco pela recusa, além de o obrigar a fornecer as informações sob pena de multa diária. “Se a conduta do banco é límpida, a apresentação das provas só o beneficiaria e seria, de fato, de seu total interesse, já que poderia conduzir ao arquivamento da investigação”, continuaram os procuradores.
No dia 24 de janeiro saiu a decisão: o pedido foi acatado pela 4ª Vara do Trabalho de Campinas e confirmado pelo TRT-15. A justiça determinou que o Santander preste as informações sob pena, em caso de descumprimento, de multa diária de R$ 150 mil. Segundo a decisão, o pedido do MPT não viola as regras de sigilo bancário, já que tem como escopo a análise de verbas públicas e “a garantia de salários e postos de emprego, em todo território nacional, o que adquire a qualidade de interesse público, sem sombra de dúvidas, ante este cenário desolador que a pandemia impôs ao nosso país e ao povo brasileiro”.
O Santander ainda não respondeu oficialmente à requisição, mesmo após a determinação judicial. Procurado pelo Intercept, o banco afirmou apenas que “coopera com as autoridades e, em fevereiro de 2021, há dois anos, portanto, encaminhou ao Ministério Público do Trabalho todos os documentos e informações solicitadas”.
O MPT e a justiça, no entanto, parecem discordar. Só depois que o banco divulgar as informações solicitadas – aí sim – a investigação do grupo especial vai poder avançar para descobrir possíveis irregularidades.
Na época da pandemia, o Santander dizia em sua página na internet: “juntos, vamos superar esse momento”. Na prática, os pequenos empresários não sentiram esse apoio. “Acho muito bonitinha a propaganda deles”, nos disse um deles, na reportagem que publicamos à época. Agora, finalmente vamos conseguir saber se, de fato, o Santander distribuiu os valores que recebeu para quem precisava salvar empregos.
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