HÁ 4 ANOS, as primeiras reportagens da Vaza Jato publicadas pelo Intercept revelaram um conluio entre os procuradores da Lava Jato com o juiz Sergio Moro com o objetivo de prender Lula a tempo de retirá-lo da disputa eleitoral. As informações em que se basearam as reportagens foram obtidas por Walter Delgatti. Ele teve acesso ao Telegram dos procuradores, interceptou o conteúdo das conversas e decidiu enviá-lo ao Intercept.
Quando a bomba estourou, o bolsonarismo e o jornalismo lavajatista saíram em defesa do então ministro Sergio Moro. Tentaram confundir a opinião pública associando a ação do hacker com o trabalho dos jornalistas que publicaram a Vaza Jato. Apesar de ser óbvio, é importante lembrar que o Intercept nada tem a ver com a ação do hacker e apenas cumpriu uma obrigação jornalística ao receber as informações e publicá-las. Forçar uma ligação entre uma coisa e outra foi uma clara tentativa de encobrir os crimes que foram cometidos pelos procuradores e o juiz de primeira instância.
Delgatti foi preso pela Operação Spoofing naquele mesmo ano, mas solto em outubro de 2020. A liberdade ficou condicionada ao cumprimento de uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de acessar e-mails, redes sociais e aplicativos de mensagens. Nesta semana, o site The Brazilian Report publicou uma reportagem que revela que Delgatti confessa ter sido incumbido por Jair Bolsonaro da missão de grampear o ministro Alexandre de Moraes. O hacker teria tentado clonar o chip do celular do ministro para buscar informações que poderiam comprometê-lo, derrubá-lo da presidência do TSE e colocar em dúvida o processo eleitoral. Essa informação chega logo depois da deduragem de Marcos do Val, que explanou um plano bolsonarista para grampear Xandão. Os dois relatos revelam a armação de uma arapuca criminosa contra o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, visando um golpe de Estado comandado diretamente pelo então presidente da República.
Em agosto do ano passado, a deputada Carla Zambelli intermediou um encontro entre Bolsonaro e o hacker. Delgatti foi recebido no Palácio da Alvorada, onde ficou por duas horas com o ex-presidente. A reunião foi feita fora da agenda oficial, mas a reportagem da Veja registrou em fotos a entrada e a saída do hacker. Questionada pela imprensa, Zambelli afirmou que as conversas seriam apenas para encontrar fragilidades nas urnas eletrônicas. Um mês depois, a deputada colocou Delgatti em contato com Bolsonaro novamente. Ele relatou à Veja que Bolsonaro contou que já havia conseguido grampear conversas de Xandão e, agora, só precisaria que o hacker assumisse o crime. Em troca, o então presidente daria um jeito de limpar sua barra. “Ele (Bolsonaro) falou: ‘A sua missão é assumir isso daqui. Só, porque depois o resto é com nós’. Eu falei beleza. Aí ele falou: ‘E depois disso você tem o céu’”, revelou.
Durante a Vaza Jato, Zambelli era muito próxima do então ministro bolsonarista Sérgio Moro, que chegou a ser seu padrinho de casamento. Naquele momento a deputada tratava o hacker como um bandido perigoso, comparável a Adélio Bispo — o homem que tentou assassinar Jair Bolsonaro durante as eleições de 2018.
Três anos depois de tratá-lo como um criminoso com “passagens na cadeia por furto, apropriação indébita, falsificação de documento público e estelionato”, Zambelli resolveu contratá-lo para cuidar informalmente das suas redes sociais em agosto do ano passado. Delgatti é até hoje um funcionário oculto da deputada e, segundo relatado por ele ao site Brazilian Report, recebe um salário de R$ 6 mil. O hacker chegou até a abrir empresa para poder receber pelos serviços prestados. Se antes Delgatti era tratado como um bandido de alta periculosidade, agora se tornou um homem de bem merecedor de um bom emprego. A mudança brusca é coerente com a biografia de Zambelli. Em poucos anos a ex-militante feminista do grupo Femen se transformou numa fervorosa carola que costuma apontar o revólver na cara daqueles que, no entendimento dela, afrontam sua moral e bons costumes nas ruas.
Tudo nesse episódio é ilegal. A deputada não pode contratar alguém para cuidar dos canais oficiais do seu mandato por debaixo dos panos, sem prestar contas à sociedade. Delgatti está impedido de cumprir essa função já que está proibido de usar as redes sociais por medida cautelar. Além disso, a deputada ficou por 3 meses sem redes sociais por determinação da justiça depois de usá-las para conspirar contra o processo eleitoral. Quais serviços Delgatti prestou para ela nesses 3 meses? Procurada pela reportagem do Brazilian Report, Zambelli primeiro negou ter contratado o hacker. A reportagem então lhe contou ter áudios de Delgatti confirmando ser seu contratado. Ela, então, parou de negar e ajustou sua versão: “Eu não tenho qualquer relação com Walter no que tange grampear o Moraes”. Uma coisa é inegável: a deputada foi a responsável por colocar Delgatti dentro do Palácio da Alvorada.
O que não faltam são elementos para que Zambelli tenha o mandato cassado pelo Conselho de Ética. Mas sabemos que bolsonarismo segue forte na Câmara dos Deputados e isso requer um longo e difícil processo político. Sobra então para Alexandre de Moraes, que é presidente do TSE e relator do inquérito das fake news no qual Zambelli é investigada.
Apesar de boa parte desses relatos já estarem comprovados, ainda é preciso que eles sejam investigados mais a fundo. O fato é que as peças desse quebra-cabeça têm se encaixado muito perfeitamente. O plano tramado pelo Planalto revelado por Do Val é exatamente o mesmo revelado por Delgatti. Ambos os relatos chegam na esteira da revelação de uma minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres, que detalhava os caminhos traçados para um golpe de estado. Tudo tem cara, gosto, cheiro e aparência de uma tramóia golpista organizada pelo ex-presidente e seus comparsas.
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