Uma troca de e-mails internos entre executivos do Grupo Jovem Pan, de janeiro deste ano, mostra a insatisfação dos diretores da empresa com a perda frequente de receitas em anúncios publicitários.
As mensagens estão anexadas no processo que a própria Jovem Pan abriu contra o Sleeping Giants Brasil na justiça de São Paulo. O grupo, criado em 2020, promove campanhas para que empresas privadas deixem de patrocinar canais e veículos que propaguem discurso de ódio. Desde o ano passado, o movimento tem impulsionado a campanha #DesmonetizaJovemPan, para que os patrocínios à emissora sejam cancelados. “Ano passado, cinco pessoas morreram após terroristas invadirem o Capitólio para atacar a eleição. Recentemente, Brasília mostrou que seremos reféns de um novo Capitólio enquanto a Jovem Pan lucrar com discursos golpistas. Nos ajude a salvar a democracia”, divulgou o movimento na campanha.
Em um dos e-mails, uma supervisora de mídia que atende a conta da fabricante de automóveis Toyota no Brasil pede a suspensão imediata das propagandas que já estavam contratadas para veiculação na Jovem Pan. O motivo alegado na mensagem é uma norma interna que proíbe a vinculação da marca a “qualquer veículo que esteja relacionado a escândalos, sejam eles de ordem políticas, discriminação, entre outros”. Com isso, em valores líquidos, a Jovem Pan deixou de faturar R$ 109.113,28.
No mesmo mês, uma outra montadora de carros também rompeu um contrato publicitário. No e-mail anexado ao processo, no entanto, a chinesa Caoa Chery não chega a justificar a razão do cancelamento de quatro peças, que representariam R$ 728.634,00 aos cofres da Jovem Pan.
Ao todo, a perda dos dois contratos soma R$ 837.747,28, em um único mês.
Os e-mails foram encaminhados do departamento comercial para o jurídico, que os repassou aos advogados da empresa. “Vejam o tamanho do dano”, lamentou o diretor jurídico.
O Intercept procurou o departamento jurídico da Jovem Pan pelo e-mail disponível no próprio processo aberto pela emissora, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Enviamos e-mail para as pessoas responsáveis pelo contrato de anúncio da Toyota Brasil e Caoa Chery, mas também não tivemos retorno.
PRINTS E-MAILS
No processo, os advogados da emissora paulista escreveram que a Jovem Pan é vítima de perseguição e achaque pelo movimento Sleeping Giants Brasil e pediram a remoção imediata de todo conteúdo utilizado na #DesmonetizaJovemPan, além de solicitar que a justiça proibisse novos atos com objetivo de impactar as finanças da empresa, afastando “antigos, atuais e futuros patrocinadores”. Na peça jurídica, há prints da campanha cobrando uma posição de outros anunciantes da emissora, como Banco Safra, Bradesco, Boticário e Americanas. Os advogados pediram multa de R$ 20 mil por dia, caso a decisão fosse descumprida.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, não acatou em primeira instância a liminar proposta pela emissora para barrar a campanha do Sleeping Giants Brasil. A Jovem Pan, então, entrou com um recurso pedindo a suspensão imediata – o que foi novamente negado pela justiça.
Em seu site, o Sleeping Giants Brasil mantém ativo um contador que chama de “desmonetizômetro”, somando todos os valores em reais, provindos de contratos publicitários, que seriam repassados para empresas de mídia que propaguem desinformação, discursos de ódios ou teorias conspiratórias – mas que deixaram de ser pagos devido aos esforços do movimento. Pelas contas dos ativistas, em 2020, primeiro ano do movimento, foram quase R$ 15 milhões não repassados por anunciantes aos veículos denunciados. Em 2021, quase R$ 42 milhões — os números do ano passado ainda não foram contabilizados.
Investigada e desmonetizada
Além de cobrar publicamente eventuais patrocinadores, o Sleeping Giants Brasil também notificou extrajudicialmente o Google para que a plataforma interrompa ou desative a monetização de todo conteúdo produzido e disponibilizado pela Jovem Pan em seus canais. Pediu também que a plataforma desative a conta do AdSense da empresa— serviço de publicidade com lucros a partir da quantidade de cliques dos usuários.
Em outubro de 2020, surfando na onda golpista do governo Bolsonaro, a emissora chegou a ser considerada “case de sucesso no Google News”. Uma reportagem da revista piauí mostrou que a big tech impulsionou com 300 mil dólares a Jovem Pan, por meio de seu programa de incentivo ao jornalismo, o Google News Initiative.
A reportagem ainda contou que o então presidente da emissora, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, conhecido como Tutinha, e Roberto Araújo, que hoje ocupa o cargo, chegaram a viajar para uma apresentação na sede da empresa, em Palo Alto, nos EUA. Os dois conseguiram barganhar o direito de vender publicidade em seus vídeos, além de uma tolerância maior com violações nas políticas de conteúdo da empresa, segundo a piauí.
Mas, em novembro do ano passado, a pressão pública fez a parceria estremecer e o Google acabou desmonetizando os canais da empresa. Segundo o YouTube, o canal “Os pingos nos Is” incorreu “em repetidas violações” das políticas da empresa contra desinformação nas eleições e das “diretrizes de conteúdo adequado para publicidade, incluindo as relacionadas a questões polêmicas e eventos sensíveis, atos perigosos ou nocivos”.
O Sleeping Giants Brasil ingressou em janeiro deste ano com uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo solicitando que o Google Brasil salve os 2.390 vídeos publicados no canal da Jovem Pan no YouTube. Segundo eles, a empresa estaria apagando conteúdos veiculados com discursos de ódio e ataque às urnas eletrônicas, além de informações falsas sobre a vacina contra a covid-19 e incitação ao ódio. No levantamento feito pelos ativistas, a emissora já teria deletado 417 vídeos.
Esse número, no entanto, pode ser bem maior. O robô da Novelo, empresa de análise de dados que faz ronda por canais da direita, detectou que, em janeiro de 2023, só no canal do programa “3 em 1” 3.666 mil vídeos haviam desaparecido. O “Jovem Pan News” perdeu 77 vídeos. No total, 5.258 vídeos deixaram de constar nos canais da emissora. A maioria dos vídeos apagados voltou ao ar, mas 1.516 permaneceram indisponíveis. Foram colocados como “privados” pelo dono do canal – ou seja, não estão acessíveis para o público e não são detectáveis na busca.
Na ocasião, a Jovem Pan divulgou um comunicado afirmando que sofreu um ataque em seus canais, o que teria gerado a limpa em massa. Tudo isso aconteceu dois dias depois que o grupo virou alvo de uma investigação do Ministério Público Federal de São Paulo por espalhar notícias falsas contra a democracia brasileira.
O inquérito civil instaurado pelo MPF detalha uma série de conteúdos da emissora que incitaram atos antidemocráticos – em um processo que culminou no ato terrorista de 8 de janeiro, na sede dos Três Poderes, em Brasília. Para o órgão, a emissora veiculou “numerosas falas com potencial para incentivar e mesmo instigar atos antidemocráticos”.
A reação da emissora foi imediata. Um dia depois da abertura da investigação, a Jovem Pan anunciou a demissão de quatro comentaristas: Rodrigo Constantino, Zoe Martínez, Paulo Figueiredo e Marco Costa. Augusto Nunes e Guilherme Fiúza já haviam sido demitidos na semana seguinte à eleição de Lula. Outra consequência da investigação foi a renúncia de Tutinha do cargo de presidente da emissora.
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