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Entrevista: 'É fundamental que haja a despolitização das Forças Armadas', diz ministra do STM

Ministra Maria Elizabeth Rocha defende punição exemplar aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Entrevista: 'É fundamental que haja a despolitização das Forças Armadas', diz ministra do STM

NOS CORREDORES QUE LEVAM ao quarto andar do Superior Tribunal Militar, o STM, em Brasília, é possível ver as fotos dos ministros que passaram pela presidência da corte, que tem mais de 200 anos. Dentre dezenas de fotos de homens, uma única mulher se destaca. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha foi empossada ministra em 2007, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, hoje novamente presidente do país. Maria Elizabeth chegou a ficar oito meses na presidência interina do tribunal, posto para o qual pode retornar no futuro de forma definitiva. Ela é uma das cinco civis entre a maioria militar que compões as 15 vagas de ministros e modernizou o STM ao colocar no centro de muitas discussões temas antes não abordados, como assédio sexual contra mulheres militares e a discriminação de gênero nos tribunais.

Com os atos terroristas que tomaram a capital federal em 8 de janeiro, o STM entrou de vez na jogada. Pode ser o órgão a julgar os presos pelos atos golpistas. “Eu não tenho a menor dúvida de que o STM punirá com rigor todos esses atos golpistas de destruição, de dano, de vandalismo e de ofensas às Forças Armadas, como houve alguns por parte de militares, inclusive”, disse a ministra em entrevista ao Intercept. Maria Elizabeth reiterou que o Tribunal “cumprirá o seu papel, como sempre cumpriu dentro do Estado Democrático de Direito.”

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Quais os próximos passos do julgamento dos presos em atos golpistas? Difere de um processo que corre nos tribunais comuns? Como impedir que militares continuem a politizar as Forças Armadas e a interferir de forma golpista na democracia?

Confira os principais trechos da entrevista.

Foto: Reprodução.

Intercept – O que é o STM e o que ele faz? Que tipo de ação chega ali? Qual é o papel do STM na democracia?

Maria Elizabeth Rocha – É a Justiça Militar. Ela tem por função garantir a hierarquia e a disciplina nos quartéis, porque homens armados, investidos do monopólio da força legítima pelo próprio Estado, têm de ser rigorosamente controlados. Do contrário, a sociedade é que corre riscos, porque os eventuais excessos que sejam cometidos e eventuais desvios que possam ocorrer, tem de haver uma justiça para punir com rapidez e celeridade.

E a nossa justiça é uma justiça célere, de forma que a indisciplina não se alastre pelos quartéis. Então, como eu costumo dizer, nós não queremos que a história se repita, nem como farsa e nem como tragédia, e isso quase ocorreu no 8 de janeiro. É preciso que justiças, como a Justiça Militar Federal, existam para garantir a legalidade.

Houve uma construção de campanhas políticas ou de debates políticos dentro de quartéis e de algumas instituições militares para que eles aderissem a um projeto político. É possível evitar que isso se repita?

Os militares são submetidos àquilo que nós chamamos de relação especial de sujeição. Os militares, ao contrário dos civis, têm os seus direitos fundamentais cerceados, diminuídos, exatamente por causa da função e do papel que eles ocupam dentro do Estado. Então, os militares não podem se sindicalizar, os militares não podem fazer greve. Os militares não podem ter filiação político partidária, como os magistrados, inclusive. Os militares, não podem, por consequência, se candidatar a cargos políticos enquanto estiverem na ativa.

Isso tudo para evitar que a política entre dentro dos quartéis. Porque quando a política entra dentro dos quartéis, não tenho a menor dúvida e a história tem provado isso, a hierarquia e a disciplina saem pela janela. A politização em si, ela foi, inclusive, referendada pelo governo anterior. O que houve foi também, vamos dizer assim, uma alocação de militares dentro dos postos que, em tese, os civis deveriam ocupar nos ministérios e nos órgãos públicos.

‘É fundamental que haja uma despolitização das Forças Armadas’.

É fundamental que haja uma despolitização das Forças Armadas. É fundamental que o poder civil seja aquele que comande as Forças Armadas, que comande o poder militar para que o Estado tenha um funcionamento saudável. Todos nós que estudamos o direito militar, que estudamos o funcionamento das Forças Armadas, todos nós, juristas e cientistas políticos, estamos convictos que não há outro caminho a seguir a não ser este.

Ainda pensando nessa questão da hierarquia da disciplina, houve uma construção de campanhas políticas ou de debates políticos dentro de quartéis e de algumas instituições militares para que eles aderissem a um projeto político. É possível evitar que isso se repita?

É uma questão que está sendo muito colocada, Cecília, é se é se seremos nós que julgaremos ou será o Supremo. Essa questão, ela envolve uma discussão processual penal complexa, porque o que acontece em tese, nós teríamos sim a competência para julgar os militares que participaram dos atos de vandalismo no dia 8 de janeiro. A questão é que existem outras nuances que podem interferir na distribuição da competência.

Uma delas é o que nós chamamos de conexão. A conexão é a junção de processos onde réus que têm foro por prerrogativa de função, no caso, que têm foro no Supremo Tribunal Federal, sejam denunciados em primeiro lugar e atraiam a competência para que esses processos sejam julgados no próprio Supremo Tribunal Federal. Um outro ponto, também processual penal e jurídico processual civil, também é a chamada prevenção.

Um juiz se torna prevento para atuar dentro de determinado processo, quando ele pratica os primeiros atos iniciais, mesmo antes do oferecimento da denúncia. É o do ministro Alexandre de Moraes. Ele tem atuado mesmo antes das denúncias terem sido oferecidas. E por último, ainda uma terceira discussão se considerará esses crimes como políticos ou não. Porque o direito realmente não é matemática.

Dois mais dois nunca é igual a quatro dentro das ciências jurídicas. Então, alguns autores entendem que, depois da revogação da famigerada Lei de Segurança Nacional, os crimes políticos no Brasil foram totalmente revogados. Não, não há que se falar mais em crimes políticos. Existem crimes que ameaçam o Estado Democrático de Direito que estão inseridos e que foram editados posteriormente à revogação da lei dentro do Código Penal comum.

Então seriam considerados crimes comuns e não crimes políticos. Outros autores entendem que não, que há sim crimes políticos. Inclusive a própria Constituição fala em crimes políticos. E daí… Se a gente considerá-los como crimes políticos, a tramitação é completamente diferente. Eles vão ser julgados pela Justiça Federal de primeira instância, com recurso ordinário constitucional para o Supremo Tribunal Federal.

O que eu quero dizer com isso é que, se você considerar esses crimes 8 de janeiro como os como crimes políticos, as possibilidades recursais são menores do que se não considerá-los. Vai ser o Supremo que vai bater realmente o martelo sobre as condições e as competência para julgamento dessas ações.

A senhora tem uma atuação reconhecida em relação aos crimes sexuais. Como está essa situação? É possível punir? É possível inibir?

Agora eu faço questão de ser uma voz das minorias ali dentro. Não é só uma voz feminina, mas também uma voz feminina. Eu sou uma feminista. Eu sempre defendi os direitos das mulheres, o empoderamento feminino. Mas mais do que isso, eu acho que eu estou ali para representar uma minoria, porque, afinal de contas, todos os que estão ali são homens. Acho que fui indicada pelo presidente Lula para fazer a diferença.

‘Agora eu faço questão de ser uma voz das minorias ali dentro. Não é só uma voz feminina, mas também uma voz feminina’.

Então, não tem sentido algum eu me render ao mimetismo, a homogeneidade e repetir aquilo que é dito. É preciso que eu traga o olhar da alteridade, o olhar da diferença. E é isso que eu busco fazer. Então, desde de o primeiro momento que entrei na Corte, eu sempre defendi os direitos da população LGBTQIA+, eu sempre busquei reforçar os direitos civis e o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana

E esse é o papel das cortes de justiça, densificar, concretizar as garantias que estão ali fundamentadas como pétreas, mas que nós sabemos que ainda são tão desrespeitadas.

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