O ÚLTIMO ANO DE JAIR BOLSONARO na Presidência causou um frenesi no mercado de armas. Só em 2022, os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) compraram mais armamentos do que nos três anos anteriores. Segundo dados dos institutos Sou da Paz e Igarapé, esse público comprou 431.137 armas em 12 meses – enquanto que, ao longo dos outros três anos de mandato, adquiriram 427.248 armas.
“Tivemos dois grandes pacotes de alterações na política de controle de armas em 2019 e 2021. Depois de cada nova norma, as pessoas precisam de tempo para se apropriar delas, juntar documentação e comprarem suas armas. 2022 se beneficiou, portanto, do ápice dessa flexibilização”, explicou Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
“Além disso, houve um incentivo narrativo nesses quatro anos, com lideranças políticas, clubes de tiro ganhando voz e incentivando a política armamentista. E, claro, o cenário eleitoral, com dois candidatos com política opostas de armas. Vimos um incentivo, gente falando ‘é agora a hora, depois não sabemos mais o que vai acontecer, quais as novas restrições’. O mesmo aconteceu nos Estados Unidos”, conclui.
Com os CACs estão 42,5% das armas particulares compradas no Brasil – outros 25% pertencem a membros das Forças Armadas. Já o restante das armas fica nas mãos de caçadores de subsistência, cidadãos com registro de defesa pessoal e servidores civis.
Cabe ao Exército registrar, fiscalizar e controlar todo esse arsenal privado dos CACs e militares – ou seja, quase 2 milhões de armas. A Polícia Federal controla e mantém em seu sistema os outros grupos. E esse é um dos principais problemas: as polícias estaduais e a Justiça têm acesso restrito aos dados da PF e nenhum acesso aos registros do Exército.
Isso dificulta o cumprimento da lei 13.880, de 2019, incorporada à Lei Maria da Penha, que exige a apreensão de armas de homens acusados de agressão contra mulheres – e poderia ter salvo a vida de Michelli Nicolich e de seu filho, assassinados em São Paulo, no ano passado, por Ezequiel Lemos Ramos, ex-marido e pai da criança. E de outras mulheres possivelmente: segundo o último levantamento do Instituto Sou da Paz, em 2020, a cada duas mulheres, uma foi morta por arma de fogo.
Ao registrar a ocorrência na delegacia, o policial precisa perguntar sobre porte ou posse de armas do agressor e, na sequência, consultar os sistemas de registro e enviar o inquérito ao Ministério Público e aos juízes. Só que a consulta com o Exército demanda uma troca extensa e lenta de ofícios, o que impede agilidade na apreensão das armas de agressores.
Com a alta nas vendas, as armas particulares chegam a quase 3 milhões — mais do que o dobro do registrado em 2018. E isso se deve à sanha armamentista de Bolsonaro e aos 40 atos de seu governo (entre decretos, portarias e instruções normativas) que afrouxaram a política de controle de armas no país.
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