Nas eleições municipais de 2016, o Novo estreou na disputa eleitoral prometendo um novo jeito de fazer política. Os fundadores vendiam a ideia de que o partido era resultado de um movimento espontâneo formado por profissionais liberais, que queriam superar a chamada “velha política” por meio de práticas inovadoras e com base em uma agenda ultraliberal que reduziria a pó o papel do Estado na sociedade. “O Novo é diferente, é top, é moderno. E tem gente nova, honesta e liberal”, dizia a letra de um jingle de campanha do partido.
Qualquer analista minimamente informado conseguiu enxergar que estávamos diante de um engodo. O Novo nasceu na onda antipolítica que tomava conta do país naquele momento — a mesma onda que pariu o bolsonarismo. O discurso moralista e antipolítica atraiu os reacionários que mais tarde viriam a apoiar com unhas e dentes também o bolsonarismo. O destino do Novo estava escrito nas estrelas.
Um partido fundado por ricaços do alto escalão do mercado financeiro, formado majoritariamente por homens brancos do sul/sudeste que têm ojeriza ao Estado, jamais poderia ser considerado uma novidade na política. À época, escrevi que o Novo já nascia velho e que não passava de “um PSDB que ainda não sujou o sapatênis de camurça na lama”. Hoje estamos aqui, 7 anos depois, vendo o Novo com o sapatênis enlameado e sentando no colo do bolsonarismo junto com os tucanos. Essa era fácil de prever. Não há nada mais cliché na história da política nacional do que ricaços atuando como linha auxiliar da extrema-direita.
Nas eleições de 2018, João Amoedo, o principal fundador do partido, declarou voto em Bolsonaro, mas prometeu que o partido se manteria “independente e vigilante”. É claro que isso não aconteceu. Durante os 4 anos trágicos de extrema-direita no poder, o Novo se mostrou um parceiro fiel de Bolsonaro, sendo um dos partidos que mais votou a favor dos projetos do governo na Câmara. A fidelidade era tanta que a Gazeta do Povo, jornal que hoje defende as bandeiras do bolsonarismo, chegou a chamar o partido de “queridinho do presidente Bolsonaro”.
Quando viu as primeiras gotas de lama caindo em seu sapatênis, Amoedo ficou assustado. A atuação carniceira do seu então correligionário Ricardo Salles, no Ministério do Meio Ambiente de Bolsonaro, estava jogando por água abaixo a tentativa do Novo de se apresentar com um figurino moderninho no cenário político. Numa tentativa de recalcular a rota, o partido expulsou Salles alegando que o ministro estava muito alinhado ideologicamente ao bolsonarismo. O curioso é que, dois anos antes, Amoedo não viu problema em lançar Salles como candidato a deputado federal pela sigla com uma campanha que prometia balas de fuzil “contra a esquerda e o MST”.
‘Não há nada mais cliché na história da política nacional do que ricaços atuando como linha auxiliar da extrema-direita’.
Essa tentativa tardia de mudar os rumos da sigla não adiantou nada. O Novo virou parte integrante do bolsonarismo, com seus políticos endossando as políticas mais absurdas. Haja vista o papel do partido durante a pandemia. Zema, o único governador eleito pelo Novo, em Minas Gerais, foi um dos únicos do país a endossar o negacionismo assassino de Jair Bolsonaro. Adriano Silva, de Joinville – o único prefeito eleito pela sigla – seguiu na mesma linha e atacou medidas de contenção do vírus como o lockdown.
Assustado com o monstro que ajudou a criar, Amoedo se desfiliou. No fim de novembro do ano passado, ao apagar das luzes do governo Bolsonaro, o ex-banqueiro pegou o chapéu e saiu da legenda declarando voto em Lula para livrar a democracia de mais quatro anos de Bolsonaro. Afirmou que o Novo virou linha “auxiliar do bolsonarismo”, como se isso já não estivesse evidente desde os primeiros meses de governo. Essa inocência performática não me engana. O fato é que esse Frankenstein ultraliberal tentou salvar a própria biografia antes de ser engolido pelo monstro fascista que ajudou meticulosamente a criar.
’Após o fracasso nas últimas eleições, a sigla anunciou que não irá mais manter aquela que foi a sua grande marca: a rejeição à grana do Fundo Partidário’.
Com a saída de Amoedo, o Novo não precisa mais se preocupar em manter a aparência moderninha. Agora está livre para ser o que sempre foi sem medo de ser feliz: um partido ultraliberal na economia e reacionário na política e nos costumes como qualquer PL da vida. Após o fracasso nas últimas eleições, a sigla anunciou que não irá mais manter aquela que foi a sua grande marca: a rejeição à grana do Fundo Partidário. Essa prática estúpida, calcada na antipolítica, finalmente caiu por terra dentro do partido. Pode-se debater sobre os valores e o modo como os partidos usam esse dinheiro, mas rejeitá-lo como princípio é pura demagogia. O trabalho partidário é essencial para a democracia, custa caro e é fundamental que o Estado o patrocine. O lado ruim para a sociedade é que o partido agora terá mais dinheiro para financiar suas práticas políticas reacionárias. São os ossos da democracia.
Nesta semana, o Novo escolheu Leandro Narloch para comandar a área de comunicação e relações públicas do partido. Narloch é mais um sapatênis que não vê problema em oferecer carne podre para os abutres reacionários. O seu currículo não me deixa mentir. Ele criou fama ao escrever o “Guia Politicamente Incorreto” — um livro que distorce fatos históricos e espalha mentiras — norteado pelo desejo de lacrar a esquerda e destruir a imagem dos seus personagens históricos. Narloch foi demitido da CNN por comentários homofóbicos – associou homossexualidade à promiscuidade. Já bancou o coach do movimento negro ao afirmar na Folha que ele deveria se inspirar nas “sinhás pretas” que possuíam escravos. Afirmou também, sem estar amparado por nenhum documento histórico, que Zumbi dos Palmares foi um senhor de escravos. Essas foram apenas algumas barbaridades que lembrei de cabeça. Há muitas mais. A escolha de Narloch para comandar a comunicação do Novo mostra que os rumos do partido continuam apontando para a extrema-direita bolsonarista. Não foi à toa que o senador Eduardo Girão, aquele senador que sugeriu que a vacina Coronavac continha “células extraídas de fetos abortados”, escolheu o partido como sua nova casa.
Passados 7 anos da primeira eleição disputada, é possível fazer um balanço do que o partido Novo produziu para a política brasileira: a destruição da Amazônia pelas mãos de Salles, o endosso ao negacionismo assassino durante a pandemia e o apoio maciço às políticas mais reacionárias da extrema direita. Como já se previa desde a fundação, os sapatênis não só ficaram sujos de lama como se alinharam aos coturnos.
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