Bolsonaro acordou com a Polícia Federal batendo à porta. O condomínio onde mora em Brasília amanheceu com policiais com metralhadoras e vestindo balaclava. A precaução dos policiais é justificada. Basta lembrar como o bolsonarista Roberto Jefferson recebeu policiais federais no ano passado: com tiros de fuzil e lançamento de granada. Todo cuidado com a turma da arminha é pouco.
A operação de busca e apreensão na casa do ex-presidente foi autorizada pelo STF no inquérito das “milícias digitais”. A polícia não tem dúvida de que um grupo de militares ligados a Bolsonaro atuou como quadrilha criminosa para adulterar carteiras de vacinação no sistema público de saúde para obter vantagens pessoais. Os militares Mauro Cid e Ailton Barros, que atuavam nas barbas do presidente da República, foram presos. O tenente-coronel Cid era o ajudante de ordens de Bolsonaro e fazia parte da sua vida íntima e da sua família, chegando a cuidar das contas bancárias pessoais dele e de Michelle Bolsonaro. Foi Cid que coordenou a tentativa criminosa de reaver as joias apreendidas pela Receita Federal na alfândega em São Paulo. O ex-major do exército Ailton Barros, também era próximo de Bolsonaro, chegando a se candidatar a deputado estadual no Rio de Janeiro usando o slogan “o 01 de Bolsonaro” — algo que só foi possível com o aval do ex-presidente.
Na decisão que autorizou a operação, Alexandre de Moraes listou seis crimes cometidos pela quadrilha: infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, inserção de dados falsos em sistema de informações e corrupção de menores. O objetivo da quadrilha era adulterar as carteiras do ex-presidente, da sua filha e de integrantes da sua comitiva para enganar autoridades americanas e poder entrar nos EUA sem tomar vacina. A turma que dizia ser implacável com a corrupção, não viu problemas em corromper o sistema de saúde para falsificar documentos públicos e, assim, obter vantagens pessoais.
O fato é que o cerco está se fechando para Jair Bolsonaro. Agora, além de Anderson Torres, outros dois aliados próximos amanhecem vendo o sol nascer quadrado. Nesse momento, temos 3 homens-bomba para Jair Bolsonaro na cadeia. Todos estão calados, se mantendo fiéis ao chefe, mas isso pode mudar. A partir de agora, Bolsonaro não irá dormir uma noite sequer pensando na possibilidade da PF bater à sua porta na manhã seguinte, mas dessa vez para levá-lo para a cadeia.
A turma que dizia ser implacável com a corrupção, não viu problemas em corromper o sistema de saúde para falsificar documentos públicos e, assim, obter vantagens pessoais.
Chega a ser ridículo imaginar que o ex-presidente e seus comparsas estejam em apuros com a lei por causa de uma investigação de falsificação de carteiras de vacinação. Apesar de ser um crime grave, é café pequeno perto das atrocidades perpetradas pelo núcleo bolsonarista nos últimos anos. Mas essa é só a pontinha do iceberg. A CNN teve acesso aos áudios encontrados pela PF no celular de Mauro Cid. Neles, os ajudantes de Bolsonaro planejavam abertamente um golpe de estado a 15 dias do fim do seu mandato. O teor golpista das conversas é claro e não oferece margem para qualquer outra interpretação. Um golpe militar foi tramado na antessala do Palácio do Planalto por pessoas da mais alta confiança do presidente da República.
Barros descreveu o roteiro golpista nos áudios: pressionar o comandante do Exército, prender Alexandre de Moraes e colocar as Forças Armadas em ação. “Se for preciso, vai ser fora das quatro linhas”, disse, explicitando o desejo por violar a Constituição e manter seu chefe no poder. Nessas conversas não se utilizou de códigos ou meias palavras. O golpismo está límpido e claro: “Tem que ser dada a missão ao comandante de prender o Alexandre de Moraes (…) com decretos de Lei e Ordem, botar as Forças Armadas chefiadas por Bolsonaro para agir”. Perceba que os passos desse roteiro eram exatamente os mesmos que estão descritos na minuta do golpe encontrada na casa de Anderson Torres.
A tentativa de golpe militar tramada pelos aliados mais próximos de Bolsonaro é um fato difícil de negar. Já era antes de aparecerem os áudios, mas agora se tornou impossível. “Mas será que o presidente sabia dessa tramoia?”, podem perguntar os mais inocentes. A resposta deve vir com outras perguntas: será que um presidente que defende o golpe de 64, que passou 4 anos enfiando a faca no pescoço da democracia, que anunciou que descumpriria as decisões do STF e que contestou sem provas o processo eleitoral, sabia que militares da sua mais alta confiança tramavam um golpe que o manteria no cargo? Apesar da resposta ser óbvia, juridicamente ainda falta o batom na cueca para levar o golpista-mor para a cadeia. As possibilidades disso acontecer são grandes. A PF está com apetite investigatório e irá vasculhar o celular apreendido de Bolsonaro. Além disso, a fidelidade dos seus ajudantes militares presos será colocada à prova de fogo nos próximos meses.
A partir de agora, Bolsonaro não irá dormir uma noite sequer pensando na possibilidade da PF bater à sua porta na manhã seguinte.
A família Bolsonaro nunca esteve tão encalacrada com a justiça. Além do caso das joias e da prisão dos ajudantes que tramaram um golpe e falsificaram carteiras de vacinação da família, ainda foi descoberto nesta semana um esquema milionário de rachadinha no gabinete de Carlos Bolsonaro durante uma investigação do Ministério Público. A maré virou para os Bolsonaros. As investigações da PF ainda estão em andamento e a CPMI do 8 de janeiro começará em breve. Bolsonaristas serão convocados, acareações poderão ser feitas e é possível que em breve teremos mais militares bolsonaristas indo para a cadeia. A prisão de Jair Bolsonaro parece uma possibilidade cada vez menos remota. Será um grande dia para a democracia.
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