Vozes

O membro da máfia das apostas que sonhava em jogar com Messi

A primeira entrevista que publiquei, em 2011, foi com um jovem de 16 anos. Ele chegou à fama nesta quinta, depois que virou réu na Operação Penalidade Máxima por manipular jogos de futebol.

Ilustração: Intercept Brasil

Ilustração: Intercept Brasil

“Tatuagem no braço, corrente de ouro e um largo sorriso”. Foi com essa frase que abri o texto da primeira entrevista que publiquei na minha carreira como repórter. Eu lembro como se fosse hoje. Estava no primeiro semestre da faculdade de jornalismo e tinha o sonho, como tantos outros que escolhem essa profissão, de trabalhar com esporte. Meu sonho já não é mais o mesmo, mas uma das minhas paixões segue inabalável: o Palmeiras.

Foi por causa do meu fanatismo pelo Palmeiras que, tão logo me tornei um estudante de jornalismo, procurei um dos principais sites de notícias sobre o time, o Palmeiras Todo Dia. Me dispus a ser um colaborador voluntário e fiz uma primeira sugestão de pauta: entrevistar um garoto de 16 anos que fazia sucesso na base alviverde e, com alguns poucos vídeos no recém-nascido YouTube, empolgava as comunidades palmeirenses do Orkut.

Não me lembro exatamente como consegui o contato, mas sei que, poucas horas depois que sugeri a entrevista ao editor do site, estava falando no viva-voz do celular com Romário Hugo dos Santos, o Romarinho. As perguntas foram compatíveis com as de um estudante recém-chegado ao jornalismo. As respostas, nada muito além do que um garoto de 16 anos, que já tinha o famoso Wagner Ribeiro como empresário, poderia oferecer.

Até a tarde de quinta-feira, não faria o menor sentido eu relembrar essa entrevista por aqui. Afinal, segui no jornalismo esportivo por algum tempo e pude entrevistar Doutor Sócrates, Renê Simões e outras figuras muito mais relevantes para quem gosta de futebol – e do quanto ele explica o mundo. Só que nesta quinta, 12 anos depois daquela entrevista, tudo mudou. Romarinho, depois de uma carreira sem brilho, voltou aos holofotes.

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Reconheci logo que vi a foto que estampava uma reportagem do site Globo Esporte: “Membro de quadrilha das apostas era promessa na base do Palmeiras e ficou marcado por indisciplina”. Romarinho virou réu na justiça e investigado pela Operação Penalidade Máxima II, tocada pelo Ministério Público de Goiás. Ele é acusado de “dar vantagem patrimonial indevida com o fim de alterar o resultado” de jogos do Campeonato Brasileiro do ano passado.

Em novembro do ano passado, Romarinho entrou em contato com Eduardo Bauermann, do Santos, para combinar o recebimento de cartões nos jogos contra o Avaí e Botafogo. O zagueiro recebeu R$ 50 mil, mas não cumpriu com o acordo na primeira partida. No jogo contra o Botafogo, Bauermann tomou o cartão vermelho, conforme combinado com a quadrilha. No entanto, a advertência aconteceu após o apito final, o que não é considerado por algumas casas de apostas.

Com o prejuízo no esquema, Romarinho cobrou Eduardo Bauermann pela restituição dos valores perdidos pelos apostadores. O ex-jogador teria ameaçado o zagueiro do Santos e, dias mais tarde, costurado um acordo para receber R$ 1 milhão em 20 prestações. Além disso, Romarinho é dono de uma loja de carros com grande atuação entre jogadores e ex-jogadores de futebol.

Na entrevista que fiz com ele, Romarinho disse o seguinte sobre o que almejava para a carreira: “O sonho de todo jogador é defender a seleção e jogar na Europa. Para mim não é diferente. Mas meu pensamento é de ficar no Palmeiras por muitos anos. Pretendo me firmar por aqui, me tornar ídolo ganhando títulos. Prefiro pensar antes no futebol do que no dinheiro que se ganha lá fora. Mas não nego que eu sonho em jogar no Barcelona. Jogar junto do Messi. Já imaginou pegar um pouco daquele mel que ele tem? É fogo (risos)!”.

De 2011 para cá, o que mudou não foi apenas que Romarinho deixou de se imaginar no Barcelona e virou, segundo consta, um criminoso. Eu arrisco dizer que a maior mudança no futebol brasileiro desde lá é que uma inifinidade de marcas de casas de apostas estampam, como patrocinadoras, as camisas dos clubes e os próprios campeonatos. Isso significa que o “boom” das “Bets” chegou num país onde a chance de realmente “jogar com o Messi”, como sonhava Romarinho, é exceção. Números da Universidade do Futebol, com base em dados da CBF, mostram que 55% dos jogadores profissionais do Brasil recebiam apenas 1 salário mínimo (R$ 1.100) em 2021.

É sob a consciência desses trabalhadores, muitas vezes submetidos ao trabalho forçado durante a infância e a adolescência, com uma carreira que dificilmente supera os 35 anos de idade, que paira o dilema ético de fazer parte de um esquema de apostas. E é a eles que nossos dedos apontam. Mas, é preciso saber que, para cada Romarinho, hoje um suposto criminoso que atua no aliciamento de atletas, há um investidor, um tubarão, um milionário trapaceando.

Não há como deixar de citar o repórter Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, um dos poucos jornalistas que consegue levar a essência da profissão ao esporte, que fez uma reflexão importante sobre o tema. Relembrando uma entrevista que fez com um barão internacional das apostas esportivas chamado Joe Colombo, em 2005, Castro criticou, em uma publicação no Twitter, a forma como a imprensa brasileira trata o assunto. “Vejo como nos preparamos mal para esse momento. Mais do que isso: como estamos, de maneira geral, abordando mal o tema na imprensa. Sobre como enfrentar. As campanhas de educação no meio do esporte já deveriam ter começado há anos, antes do boom de sites de aposta explodir”, lamentou.

‘São jogadores muitas vezes submetidos ao trabalho forçado na infância, com uma carreira que acaba aos 35 anos, que vivem o dilema ético de fazer parte de um esquema de apostas.

“Bobagem? Pois foi com educação massiva no esporte universitário, nas divisões de acesso das ligas, etc., que se conseguiu diminuir um pouco os níveis assustadores que marcaram o esporte americano”, afirmou. Lúcio ainda trouxe um ponto importante, que me veio à cabeça quando vi a foto de Romarinho depois de tantos anos: “Vendo a cobertura da imprensa, programas, por horas penso que estou diante de um monte de Wagner Montes. ‘Bandidos, imorais’, etc., é o que se grita sobre o atleta que se envolveu. Não vou entrar no mérito. Cada um que julgue”, escreveu.

Por aqui, em Brasília, o governo Lula divulgou nesta quinta-feira, 11 de maio, alguns detalhes de sua proposta para regulamentar o mercado de apostas esportivas. A matéria deve chegar ao Congresso Nacional como uma medida provisória – ou seja, entrará em vigor assim que for editada e deve ser chancelada em até 120 dias. Segundo o Ministério da Fazenda, a proposta conta com colaborações do Planejamento, da Gestão, da Saúde, do Turismo e dos Esportes e visa garantir confiança e segurança aos apostadores. Depois de os ministérios avaliarem o texto, ele chegará à Casa Civil.

A MP também prevê a criação de uma secretaria no Ministério da Fazenda, responsável pela análise de documentos para aprovação ou rejeição do credenciamento de empresas de apostas no país. Em abril, o ministro Fernando Haddad afirmou que o governo espera arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões com a taxação de apostas esportivas na internet. Sobre as manipulações, o ministro Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública, determinou que a Polícia Federal investigue as denúncias de jogos do Campeonato Brasileiro das Séries A e B de 2022.

”Diante de indícios de manipulação de resultados em competições esportivas, com repercussão interestadual e até internacional, estou determinando hoje que seja instaurado inquérito na Polícia Federal para as investigações legalmente cabíveis”, escreveu Dino no Twitter.

Diante do escândalo que toma os noticiários do país, não tinha como não me lembrar de Romarinho. Sem esquecer que, ao olhar para crimes como esses, devemos saber diferenciar Romarinhos de Joe Colombos. Ou melhor: quem paga de quem toca a música.

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Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

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