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Homens denunciados pelas mães de seus filhos por violência doméstica, abuso sexual infantil ou dívida de pensão interferiram diretamente no projeto de lei que alterou a Lei de Alienação Parental em 2022. Ao menos três deles fizeram lobby junto à relatora do projeto, a senadora Rose de Freitas, do MDB, para excluir os artigos que poderiam prejudicá-los. Eles admitiram a intervenção em conversas de WhatsApp às quais o Intercept teve acesso.
Este texto encerra a série “Em nome dos pais”, que revelou as injustiças promovidas por juízes, promotores, psicólogos e assistentes sociais com base na Lei de Alienação Parental, sancionada em 2010. Ela se baseia numa síndrome – não reconhecida pela Organização Mundial da Saúde – que diz ser possível programar uma criança para odiar alguém e fazer acusações falsas, como de abuso – algo altamente improvável.
A ONU publicou este mês um relatório em que recomenda que os países proíbam o uso do “pseudoconceito desacreditado e não científico de alienação parental” e de seus “supostos especialistas” em processos de família. Além disso, orienta que as crianças vítimas sejam ouvidas e que os membros do sistema de justiça passem por um treinamento obrigatório sobre o preconceito de gênero, a dinâmica de abuso doméstico e a relação entre alegações de abuso doméstico e de alienação parental.
Mas, por aqui, a lei segue a toda. Um dos homens que disse ter interferido no projeto é Márcio Leopoldo. Ele teve mandado de prisão expedido por dívida de pensão, mas nunca foi preso. Em agosto de 2022, o débito acumulado já era de quase R$ 40 mil.
Na época que o projeto era discutido no Senado, ele comentou em um grupo de WhatsApp que estava “redigindo o trecho do relatório da senadora sobre a mudança de endereço”. Leopoldo alega que um dos atos de alienação que sofreu foi a mudança da mãe da sua filha para outra cidade. O que ele não explicou é que, sem receber pensão, a ex-esposa teve que se mudar para perto da família. “Domino tanto o tema que a nota que eu escrevi foi integralmente aceita”, se gabou.
Em uma rede social, Leopoldo até orienta os homens: “Peça a guarda compartilhada, peça para ficar metade do tempo com a criança na sua casa, peça para não haver pensão em razão do compartilhamento de gastos, etc”. Em um processo judicial, ele mesmo usa o argumento de que fica com a filha 12 dias no mês para contestar o débito – desde 2020, é o pai dele quem paga a pensão, segundo a avó materna.
Segundo Leopoldo, quem constrói o patrimônio da família geralmente é o homem, que se torna vítima da mulher interesseira. “É o famoso ‘entrou com a bunda e saiu com uma casa'”, escreveu em um comentário no Facebook.
Já André Zanella chegou a ser condenado a 14 anos de prisão por estupro de vulnerável da filha, hoje com 10 anos de idade, mas foi inocentado em instâncias superiores por falta de provas. No processo constam, porém, consistentes relatos da menina sobre os abusos.
Leopoldo e Zanella são bastante ativos nas redes sociais e administram, juntos, grupos de WhatsApp que reúnem defensores da legislação, entre eles o terceiro homem que identificamos, Vinícius Ferreira. Lá, se discutem estratégias de defesa para homens que respondem a diversas acusações, incluindo estupro de vulnerável. Entre 2021 e 2022, debatia-se também formas de influenciar o parecer da senadora, como revelam prints e áudios que analisei.
Foi retirado do parecer a proibição do uso da lei pelo genitor investigado por estupro infantil ou violência doméstica.
Um dos dispositivos propostos pelos coletivos de mães contrárias à Lei de Alienação Parental, retirado do parecer da relatora, era a proibição do uso da lei pelo genitor investigado em “inquéritos e processos relativos à violência física, psicológica ou sexual contra criança e adolescente e à violência doméstica ou sexual”. Esse artigo evitaria que abusadores se beneficiassem da lei.
O assunto interessava diretamente a Zanella e a Ferreira, presidente da Associação Nacional em Defesa dos Filhos pela Igualdade Parental e que chegou a ser acusado de violência doméstica pela ex-esposa. Em uma conversa no grupo APBrasil, Leopoldo defendeu a necessidade de fazer “ações políticas” e disse que Ferreira “foi para Brasília”. Este confirmou: “Essas últimas semanas estão muito corridas. Depois de Brasília, acho que vou dormir três dias seguidos. Na verdade, não. Já tem reunião marcada às 15h com deputados do PT”.
O artigo que o prejudicava foi retirado do parecer. Para a senadora, ele violaria o princípio da presunção de inocência.
Procurado, Vinicius Ferreira escreveu: “Li sua matéria anterior e ela não condiz com a realidade sendo extremamente tendenciosa. A maneira que atuo [é] na defesa do direito dos filhos conviverem com pai e mãe”. Ele acrescentou que, por orientação de seu advogado, não pode falar sobre o tema. Leolpoldo, Zanella e a ex-senadora Rose de Freitas, cujo mandato encerrou este ano, também foram procurados, mas não responderam.
Agora, a luta deles é para impedir a obrigatoriedade de ouvir crianças em processos envolvendo alegação de alienação. A psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Glicia Brazil – de quem tratamos neste minidocumentário – faz parte de um grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça que discute a validade do depoimento delas nesses casos. Ela defende que elas podem distorcer os fatos por influência de um adulto. Em uma interação com Ferreira no Instagram, a psicóloga disse que está trabalhando em um protocolo para impedir que o depoimento de crianças e adolescentes seja considerado relevante.
O lobby em defesa dos homens injustamente favorecidos pela Lei de Alienação de Parental está presente em todas as instâncias.
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