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Leia a cartilha de lobistas do agro que ensinou deputados a defenderem o Marco Temporal contra os indígenas

Manual assinado pela Frente Parlamentar Agropecuária treina deputados com argumentos que atacam direitos dos povos indígenas.

Leia a cartilha de lobistas do agro que ensinou deputados a defenderem o Marco Temporal contra os indígenas

O lobby do agronegócio pela aprovação do Marco Temporal, aprovado nesta terça na Câmara dos Deputados, incluiu cartilhas distribuídas às vésperas da votação com argumentos em defesa do PL 490/07 – considerado um ataque frontal ao direito dos povos indígenas do Brasil. O Intercept obteve a íntegra de dois documentos que ensinam os deputados a argumentarem a favor do projeto. Os dois são assinados pela Frente Parlamentar Agropecuária, a FPA, grupo conhecido como bancada ruralista.

Um deles contém ‘talking points’, uma lista com a indicação de diferentes estratégias e argumentos para defesa do Projeto de Lei do Marco Temporal. Por exemplo, segundo a cartilha, os deputados deveriam dizer que os objetivos do projeto são “proporcionar segurança jurídica em relação ao direito de propriedade e evitar conflitos para todos os envolvidos nas demarcações de terras indígenas”. Não por acaso, a expressão “segurança jurídica” apareceu nos discursos dos deputados pró-Marco Temporal, do extremista Zé Trovão, do PL catarinense, ao “moderado” Arthur Maia, do União Brasil da Bahia, relator do texto.

Documento com ‘talking points’ lista argumentos pró Marco Temporal que foram repetidos pelos deputados.

O material da FPA cita ainda os “benefícios” do projeto que deveriam constar na fala dos deputados. Entre eles, repete o mantra da “segurança jurídica”, dizendo que o PL vai “encerrar o litígio de processos administrativos ainda inconclusivos e trazer segurança jurídica para todos os envolvidos”. O material vai além e aposta na desinformação. Sem qualquer base factual, afirma que “sem a segurança do projeto de lei, qualquer área do território nacional pode ser questionada sem nem um tipo de indenização relacionada à terra”.

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“Ou seja, alguém que tem o título da terra, pagou por ela, produz alimentos e gera empregos só será indenizado pelas benfeitorias existentes (casa, galpão), e sem prazo para tal. Com o advento da Lei, isso irá mudar”, desinforma o folheto da FPA.

O texto ainda avisa os deputados sobre “pontos de atenção”, citando argumentos de associações indígenas e entidades da sociedade civil e ambientalistas contrários ao projeto. “Entidades e organizações indígenas condenam a proposta do marco temporal. Afirmam que é um golpe e um retrocesso aos direitos dos índios”, diz a cartilha.

O outro documento tem um desenho que mostra o suposto drama que o Marco Temporal causaria aos proprietários de terra. Na ilustração, um personagem branco diz “obrigado, vô”, dando a entender que a propriedade é herdada, e um indígena ameaça reivindicar essa herança de família 

O Intercept acessou os metadados dos documentos e detectou que a autoria é do Instituto Pensar Agropecuária, o IPA, uma entidade privada que reúne 38 associações e sindicatos de empresários do agronegócio, criada justamente para assessorar a Frente Parlamentar de Agropecuária. 

Segundo o site do IPA, o instituto “tem papel singular no processo de institucionalização da agenda do setor com o objetivo de garantir o respaldo técnico e das ações específicas que tramitam no Congresso Nacional, além de promover a interlocução com os poderes Judiciário e Executivo”. 

O principal investimento da entidade é uma sede no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, onde realiza convescotes semanais entre deputados, senadores e ruralistas.

Um relatório publicado pelo projeto De Olho nos Ruralistas mostrou que o Instituto Pensar Agro é financiado por várias multinacionais do agronegócio, como Bayer, Basf e Syngenta, Cargill, Bunge, JBS, Marfrig, Nestlé e Danone, por meio de entidades de classe e outros intermediários. 

Tom de ameaça contra o STF

O outro documento cita a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal derrubar o PL do Marco Temporal na Câmara. Mesmo com a aprovação de terça, o STF deve manter na pauta uma ação que analisa o tema, prevista para ir a julgamento na semana que vem.

Em tom de ameaça, a cartilha cita quatro “impactos econômicos estimados” caso a Corte contrarie o plano dos deputados: 1,5 milhão de empregos a menos; R$ 364,6 bilhões em produtos agrícolas que não serão produzidos no país; aumento significativo do preço dos alimentos; USS$ 42,7 bilhões em exportações agrícolas não geradas. 

Cartilha alarmista lista os perigos econômicos caso o STF decida pela derrubada do Marco Temporal.

É o mesmo discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que se opôs à derrubada do Marco Temporal no ano passado. Às vésperas da primeira tentativa de votação no STF, o então presidente disse que, se a tese fosse derrubada, o agronegócio poderia “acabar” e o Brasil poderia ter que importar alimentos. Para ele, era uma “política que vem de fora para inviabilizar o agronegócio”.

A pressa dos ruralistas em aprovar o PL foi uma reação direta ao novo julgamento do caso no Supremo. Ao aprovar o texto, Câmara tentou se antecipar para evitar que o  STF regulamente o assunto. A previsão, porém, é que o ritmo seja mais lento no Senado. Segundo o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, do PSD mineiro, o texto deve passar por comissões antes de ir ao plenário.

Além da mudança na demarcação, o texto aprovado ainda prevê outras alterações que podem impactar profundamente os direitos dos povos indígenas, como autorização para garimpos e transgênicos dentro de terras indígenas e a flexibilização da política de não contato com povos isolados. 

Na noite de terça, com a aprovação do Marco Temporal na Câmara, os deputados escolheram o Brasil que querem: o da mansão do Lago Sul, com suas “seguranças jurídicas” da cartilha, e não o da terra indígena.

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