João Filho

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Nossos guerreirinhos da democracia tem nojo de Maduro e amor aos sauditas

Visita de Nicolás Maduro ao Brasil despertou na nossa imprensa aquele velho sentimento de democracia seletiva – atacam regimes de esquerda e passam pano para os aliados dos EUA.

Ilustração: Rodrigo Bento/Intercept Brasil

Ilustração: Rodrigo Bento/Intercept Brasil

As falas de Lula durante a visita de Maduro ao Brasil para o encontro da UNASUL atiçou os ânimos dos guerreirinhos da democracia. De fato, Lula errou feio ao bajular Maduro e por  classificar as críticas ao autoritarismo do governo venezuelano de “narrativas”. É inegável que ações do regime chavista cercearam a independência do Legislativo e do Judiciário, minaram a liberdade de imprensa e militarizaram o governo. 

É inegável também que eventos do passado mostram que a oposição venezuelana é violenta, golpista e com tendências igualmente autoritárias. Isso não absolve Maduro e nem é suficiente para jogar os problemas democráticos na Venezuela na conta das “narrativas”. Faço essa ressalva para lembrar que o picareta Guaidó foi alçado à condição de presidente da Venezuela pela imprensa internacional, pela direita internacional e por vários países do chamado “mundo democrático” de maneira absolutamente ilegítima. Os guerreirinhos da democracia inventaram uma posse simbólica de um presidente que perdeu para Maduro uma eleição que, segundo a Assembleia Geral da ONU, foi legítima. Bolsonaro não foi criticado por reconhecer a posse fake de um presidente ilegítimo, oriundo de uma oposição historicamente golpista, muito pelo contrário. Contudo, responsabilizar as “narrativas” e absolver Maduro pelos problemas da Venezuela é servir carniça fresca para a urubuzada fascista e para os democratas de ocasião que abundam na direita e na imprensa nacional e internacional. 

As críticas às falas de Lula são válidas, mas o que temos visto vai além das críticas. Uma histeria coletiva inundou o noticiário. Pipocaram manchetes e colunistões revoltosos em defesa da democracia.

Os elogios de Lula foram desnecessários, mas cobrar dele críticas a Maduro durante o encontro da UNASUL é uma estupidez. O presidente brasileiro está em uma missão diplomática para retomar a integração da América do Sul e devolver ao Brasil o papel de protagonista no continente. Atacar e isolar a Venezuela, como fez Bolsonaro, contribui apenas para o isolamento do país e favorece as práticas autoritárias. 

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O fato principal a ser destacado do encontro com Maduro deveria ser o restabelecimento das relações diplomáticas com um importante país vizinho que possui as maiores reservas de petróleo do mundo. Essas relações foram destruídas por Bolsonaro, um presidente autoritário que assaltou os cofres públicos para garantir a eleição e atiçou movimentos golpistas que culminaram com o 8 de janeiro

Perceba que quando o assunto é Venezuela, o bolsonarismo e a imprensa brasileira estão em sintonia. Lembremos de Fernão Lara Mesquita, herdeiro do Estadão, que em 2014 saiu às ruas para apoiar o candidato à presidência Aécio Neves exibindo um cartaz com os dizeres: “Foda-se a Venezuela!”. Quem tirou e publicou a foto foi o seu colega Tutinha, dono da Jovem Pan — a emissora que passou os últimos quatro defendendo todos os absurdos autoritários de Bolsonaro e se revoltando com os de Maduro. Essas são as credenciais democráticas de alguns dos guardiões da democracia que comandam a imprensa brasileira. 

Esse duplo padrão democrático não é exclusividade da extrema-direita e da imprensa brasileira. A centro-direita, a direita e a imprensa internacional compartilham desse fetiche com a Venezuela e outros países considerados ditaduras de esquerda. O critério que define qual autoritarismo será atacado e para qual será passado o pano é o alinhamento político aos EUA. Costuma-se fechar os olhos para autoritários de direita enquanto apontam as armas contra os de esquerda. 

Absolver Maduro pelos problemas da Venezuela é servir carne fresca para a urubuzada fascista.

Mas há exceções como a China. O país governado pelo partido comunista — muito  criticado na ONU por violações de direitos humanos — é bastante tolerado. O motivo, claro, é sua importância dentro do capitalismo mundial. A China comunista caminha para ser o país mais rico do mundo. Gabriel Boric, presidente de esquerda do Chile, aproveitou o encontro da UNASUL para dar seu showzinho e pagar pedágio para a imprensa internacional. Mas o chileno não vê problemas em elogiar Xi Jiping e estreitar relações com os comunistas chineses. Ninguém cobra democracia na China, não é mesmo? 

A hipocrisia dos nossos democratas de ocasião é tão grande que Bolsonaro foi à Rússia bajular Putin e chegou a prestar homenagens a soldados comunistas que morreram lutando contra os nazistas. Enquanto isso, seu filho Eduardo Bolsonaro propunha um projeto de lei que criminaliza os comunistas no Brasil. 

Mas a coisa não para por aí. Abundam os exemplos da hipocrisia dos nossos democratas de ocasião. Estamos em um mundo em que o presidente ucraniano é tratado como o grande herói da democracia.O fato é que Zelensky cassou 11 partidos políticos de esquerda e da oposição com a justificativa de que eram pró-Rússia. É mentira! Muitas das legendas cassadas estavam alinhadas à defesa do país contra a invasão russa. A guerra foi a desculpa perfeita para sufocar a oposição. O governo liderado por por esse “herói da democracia” prendeu comunistas arbitrariamente. Já para os nazistas do Batalhão de Azov, estende-se o tapete vermelho. Essa milícia nazista é integrante oficial da Guarda Nacional ucraniana. Onde está a gritaria dos democratas de ocasião? Não existe. Estão balançando o rabinho para o ucraniano em suas tribunas, colunas e editoriais. 

A histeria contra Venezuela também não se repete quando o assunto é a ditadura saudita ou de autocratas de extrema-direita como Viktor Orbán da Hungria e Recep Erdogan, na Turquia. O húngaro manteve relações estreitíssimas com Bolsonaro, sendo um dos únicos presidentes europeus a comparecer à posse do brasileiro. Há mais de uma década no poder, Orbán comandou uma escalada autoritária sobre o Judiciário, o Legislativo, a imprensa e até as escolas. 

O regime de Orbán, com claras tendências fascistas, trocou centenas de juízes das cortes húngaras por aliados, alterou leis eleitorais para beneficiar seu partido, transformou jornais independentes em panfletos de propaganda do governo e reimprimiu livros didáticos de História para incluir conteúdo xenófobo. Bolsonaro foi à Hungria, elogiou a autocracia do país e chamou Orbán de “irmão”. “Acredito na Hungria e no prezado Orbán, que eu trato praticamente como um irmão, dadas as afinidades que nós temos na defesa dos nossos povos e na integração dos mesmos”. 

Eduardo Bolsonaro chegou a declarar no ano passado que o governo húngaro é um exemplo a ser seguido pelo Brasil. Mas, claro, não vimos na imprensa um centésimo da indignação que se viu nos afagos de Lula a Maduro. Os democratas de ocasião parecem não se importar  tanto quando as violações à democracia e aos direitos humanos são lideradas pela direita.

Costuma-se fechar os olhos para autoritários de direita enquanto apontam as armas contra os de esquerda.

A mesma tolerância existe com o autoritarismo na Arábia Saudita. Lá, opositores e ativistas de direitos humanos são presos arbitrariamente e os cristãos são perseguidos e proibidos de professar sua fé. O ditador saudita já mandou esquartejar um jornalista. Enquanto sufocam o seu povo, oferecem joias milionárias de presentes à família Bolsonaro, que passou os quatro últimos anos tecendo elogios à ditadura saudita. “Temos uma reunião de negócios hoje à tarde. Todo mundo gostaria de passar uma tarde com um príncipe. Especialmente vocês mulheres, né? Tenho uma certa afinidade com o príncipe”, disse Eduardo Bolsonaro aos jornalistas durante uma visita ao país em que os direitos das mulheres são restritos. É claro que não vimos a imprensa em polvorosa. Não se viu um editorial do Estadão dizendo que “Bolsonaro envergonha o Brasil” como se viu com as falas de Lula para Maduro. O herdeiro do Estadão não saiu às ruas com um cartaz “Foda-se a Arábia Saudita”. Claro, estamos falando de um país alinhado aos interesses dos EUA.

Lembremos ainda que Bolsonaro recebeu com um sorriso no rosto a neta de um dos ministros de Hitler — líder de um partido alemão com tendências nazistas. O objetivo do encontro era articular uma internacional conservadora (leia-se nazifascista). O objetivo do encontro entre Lula e Maduro foi o de impulsionar os negócios dentro do continente. Adivinhe qual dos presidentes foi mais cobrado pelos nossos democratas de ocasião. 

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