João Filho

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Grande mídia nega corrupção na Americanas de olho nas migalhas dos anúncios

Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles não só lucraram com rombo da empresa como ainda compraram fatia da Eletrobrás – mas nada disso entra em pauta no noticiário dos jornalões.

Foto: Bruno Santos/Folhapress

Foto: Bruno Santos/Folhapress

Desde que estourou estourou o escândalo de corrupção das Americanas, passou a circular nas redes um vídeo de 2014 em que Beto Sicupira, um dos controladores da empresa, trata o Brasil  com profundo desprezo: “Se vocês acham que o Brasil é um negócio que vai virar Estados Unidos, vocês estão no lugar errado. O Brasil não será Estados Unidos, porque o Brasil é o país do coitadinho, do direito sem obrigação. É o país da impunidade. Isso é cultural. Não vai mudar.” 

Ao mesmo tempo em que dava essa declaração ironizando o país em que angariou uma fortuna bilionária, Sucupira e seus sócios escondiam um rombo nas Americanas de aproximadamente R$ 50 bilhões. Quando o caso estourou no início deste ano, a tese de que os sócios seriam vítimas dessa “fraude contábil” circulou na imprensa com força. O fato é que, sendo vítimas ou não, os sócios foram os principais beneficiários da roubalheira. A linha de acontecimentos deixa claro que os sócios podem ser tudo, menos vítimas. 

Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles — o trio bilionário que controlava a empresa — ficaram quietinhos o tempo todo para que as ações não se desvalorizassem. Meses antes do rombo ser revelado para o público, eles venderam mais de R$210 milhões em ações da empresa. Ou seja, os bilionários ficaram ainda mais bilionários com a corrupção e depois saíram à francesa, como se nada tivesse acontecido. Esse fato não pode ser considerado mero acaso. É uma comprovação indiscutível de que os donos sabiam exatamente o que rolava na contabilidade da empresa. 

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O impacto foi enorme. Empresas fornecedoras quebraram e milhares de brasileiros ficaram desempregados — provavelmente esses são os  “coitadinhos” apontados por Sicupira. 

Trata-se, de longe, do maior caso de corrupção da história do Brasil. Nunca se viu nenhuma roubalheira que tenha chegado perto da casa dos R$ 50 bilhões. Apesar disso, a imprensa brasileira ficou cheia de dedos para carimbar o caso como corrupção. O que vimos até aqui foi um show de eufemismos. “Fraude”, “irregularidades”, “inconsistências contábeis”, “rombo”, foram as palavras escolhidas para classificar o maior caso de corrupção da história do país. Nas manchetes dos jornais e dos grandes portais, os nomes dos controladores das Americanas raramente são citados. Quase não se vê fotos dos rostos deles estampando as reportagens. O tratamento é bastante diferente do que vimos nos escândalos de corrupção envolvendo políticos que abundaram no país nas últimas décadas. A explicação é bastante simples: o trio bilionário é proprietário de outras grandes empresas que são responsáveis por uma fatia importante dos anúncios na grande imprensa. Como diria o então juiz Sergio Moro, não se pode “melindrar alguém cujo apoio é importante”. 

Enquanto rolava a corrupção nas contas das Americanas, a gestora de recursos 3G Radar, também controlada pelo trio bilionário, adquiriu 14,65% das ações da Eletrobrás. Lemann, Telles e Sicupira tiveram influência em todo o processo de privatização da Eletrobrás, iniciada durante o governo Temer, e após a conclusão passaram a ser os maiores acionistas da empresa , ganhando o poder inclusive de controlá-la.. Ou seja,  talvez seja possível dizer que uma fatia importante de uma estatal estratégica para o país foi comprada com dinheiro proveniente da corrupção nas Americanas. Pouco se fala sobre isso no noticiário. É um escândalo de enormes proporções que não ganhou o devido destaque na cobertura da imprensa. 

Os bilionários ficaram ainda mais bilionários com a corrupção e depois saíram à francesa, como se nada tivesse acontecido.

Na última terça-feira, durante a CPI das Americanas, pela primeira vez o diretor-presidente da empresa admitiu que o lucro fictício foi forjado com base em manobras corruptas na contabilidade da empresa. Mesmo com a confissão da empresa, os eufemismos permanceram nas manchetes e os rostos e nomes dos responsáveis continuaram sendo poupados. 

Na mesma noite, o Jornal Nacional, o telejornal de maior audiência do país, achou por bem gastar apenas 39 segundos da programação com o caso. Os nomes dos responsáveis nem foram citados. No dia seguinte, o jornal dedicou mais 27 segundos. Lembre-se que estamos falando do maior caso de corrupção da história do país. Quando a Lava Jato atribuiu falsamente a Lula a propriedade de um triplex no Guarujá, o Jornal Nacional fez uma cobertura intensiva do caso. O valor do roubo das Americanas é o equivalente a mais de 16 mil triplex do Guarujá. 

Na manhã seguinte à confissão feita na CPI, o UOL, um dos principais portais de notícias do país, não colocou o caso na página principal. Os jornais impressos deram destaque para a notícia em manchetes de capa, mas sempre suavizando nos termos e omitindo nomes e rostos dos responsáveis. O caso continua sendo tratado como uma mera “fraude contábil”, e não como o maior escândalo de corrupção que esse país já presenciou. 

Os homens mais ricos do país continuam desfrutando de uma cobertura jornalística bastante zelosa. Os bilionários das Americanas tiveram suas trajetórias ovacionadas pela imprensa. Telles, Lemann e Sicupira sempre foram tratados como exemplos de homens que enriqueceram graças à meritocracia. “O trio fez história ao comprar empresas em dificuldades, po­rém com nomes fortes, e reformular a gestão seguindo a cartilha da meritocracia e a obsessão por custos baixos”, escreveu a revista Exame em 2013. 

Telles era apresentado como o “empresário que começou como um office boy no mercado financeiro e se tornou um dos brasileiros mais ricos”. Sicupira era exaltado como o homem que “começou a trabalhar negociando carros usados ao lado de um amigo. Depois, passou a revender calças jeans que comprava nos Estados Unidos”. Agora que esses ícones do capitalismo brasileiro se tornaram protagonistas do maior escândalo de corrupção da história, seus nomes foram omitidos das manchetes.

“Fraude”, “irregularidades”, “inconsistências contábeis”, “rombo”, foram as palavras escolhidas para classificar o maior caso de corrupção da história do país.

A diferença entre a cobertura de casos envolvendo corrupção de políticos e de empresas privadas é abissal. Ambos impactam a sociedade da mesma forma, mas só a corrupção das empresas privadas são merecedoras da benevolência dos grandes grupos de mídia. Sabemos de cor e salteado os nomes e rostos de políticos que se envolveram em casos de corrupção. Já os rostos e nomes dos empresários corruptos — salvo aqueles que se envolveram com políticos — passam incólume pela nossa memória. Alguém se lembra dos nomes dos empresários que lucraram com trabalho escravo? Ou dos donos da Vale, empresa que foi responsável pela tragédia de Brumadinho e Mariana? E o nome dos donos da Braskem, empresa responsável pelo maior desastre ambiental urbano do planeta que destruiu milhares de casas e desabrigou milhares de famílias em Maceió? 

O viés anti-estado e a favor do mercado da grande imprensa fica límpido e claro quando casos de roubalheira em empresas privadas são noticiados. A escandalização com corrupção governamental não se repete quando os protagonistas são empresários que sustentam as empresas de mídia através da publicidade. Não importa que as corrupções privadas impactem a esfera pública da mesma maneira que a corrupção na política. A cobertura midiática do caso Americanas e de outras empresas mais parece uma tentativa de redução de danos à imagem das empresas e dos seus donos do que jornalismo. Quando o dinheiro fala, tudo cala.

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