Quem caminha por dois dos pontos mais afetados pelas chuvas de fevereiro em São Sebastião, Vila Pantanal, em Juquehy, e Vila Baiana, na Barra do Sahy, ainda encontra escombros. Casas destruídas pelos deslizamentos, entulho, roupas, brinquedos de criança e móveis ainda estão nas encostas. As ruas principais foram limpas, mas há acúmulo de lama em muitos lugares. Passados quatro meses, famílias ainda enfrentam dificuldades – o entupimento de sistemas de drenagem, assoreamento dos rios e córregos e o acúmulo de lixo em muitos locais faz com que qualquer chuva signifique reviver o pesadelo daquele 19 de fevereiro, domingo de carnaval.
Na madrugada do dia 13 de junho, outra chuva anunciada pela Defesa Civil dias antes causou pontos de alagamento na cidade. Um deles fica justamente no terreno localizado na Baleia Verde, onde o governo do estado está construindo um conjunto habitacional de 500 unidades de apartamentos. Na ocasião, o volume de água previsto era de cerca de 175 mm, mas superou os 200mm – menos de um terço do dia da tragédia de fevereiro, quando 64 pessoas morreram e 3.416 perderam suas casas.
Durante as chuvas da semana passada, um morador da Baleia Verde gravou um vídeo que circulou nas redes sociais e gerou revolta na população: o terreno onde estão sendo construídas parte das novas moradias para as vítimas estava debaixo d’água.
Em uma live no Facebook no mesmo dia, o prefeito Felipe Augusto, do PSDB, chamou de “mal intencionadas” as pessoas que estavam gravando e postando vídeos de alagamentos. “A limpeza foi feita, sim”, garantiu.
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No total, R$ 7.924.840,91 foram gastos em contratos emergenciais – sem licitação – depois da tragédia. Há até mesmo a compra de camisas de botão no valor de R$ 12.500 mil. As contratações sem licitação se devem ao fato de o prefeito ter decretado calamidade pública após as chuvas de fevereiro. Só em limpeza, a prefeitura de São Sebastião gastou R$ 4.343.659,40 em dez contratos entre os dias 13 de março e 18 de abril de 2023. Os contratos foram feitos todos com a mesma empresa: SS Ambiental SA. Ela está registrada em um CNPJ ativo desde 2020, mas não tem site ou informações de comunicação e atendimento. Ligamos no número do endereço físico, mas não houve retorno.
As vítimas cobram da prefeitura uma ação mais efetiva para que o dinheiro que entrou no município – de doações e de repasses do governo do estado e federal – chegue até elas. Há um mês, integrantes do Comitê da União dos Atingidos, grupo que moradores formaram após a tragédia, participaram de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo. O prefeito não compareceu. Na ocasião, os participantes chegaram a pedir a abertura de uma CPI para apurar o gerenciamento das verbas, que depende da assinatura dos deputados.
Enquanto isso, uma ação civil pública movida pela deputada Ediane Maria, do Psol, cobrou da prefeitura e de ao menos duas entidades, Gerando Falcões e Instituto Verdescola, mais transparência na prestação de contas. Segundo o documento, desde a tragédia, as organizações receberam juntas quase R$ 36 milhões em doações para os atingidos. O Fundo Social do município e o Fundo Social do estado receberam R$ 1,5 milhão e R$ 1,8 milhão. Além disso, o ministério da Fazenda repassou R$ 11 milhões e o ministério dos Portos e Aeroportos empenhou R$ 2 milhões para mantimentos. Além disso, o governo do estado repassou R$ 7 milhões e o governo federal R$ 2 milhões diretamente para a Defesa Civil do município. Ninguém sabe para onde foi toda essa montanha de dinheiro.
Tentamos pedir à prefeitura via Lei de Acesso à Informação as prestações de conta que constam na ação, mas o sistema municipal não estava funcionando. Questionada, a prefeitura destacou que não tem qualquer ligação com as entidades Gerando Falcões e Instituto Verdescola, que devem prestar suas próprias contas. Também informou que acionou até a procuradoria do município para que essas e outras entidades que arrecadaram fundos prestem esclarecimentos com o objetivo de “proteger a população de má-fé, bem como para não incorrer em falsas acusações”.
Sobre os recursos que a própria prefeitura recebeu dos governos federal e estadual, a prefeitura informa apenas que “estão disponíveis no portal de transparência, onde é possível identificar as seguintes fontes de recursos: Fonte 5 (Repasses da União), Fonte 2 (Repasses do Estado) e Fonte 1 (Recursos Próprios do Município)”. Não há, no entanto, informações sobre o destino dos recursos.
O Intercept questionou a prefeitura especificamente sobre o serviço de limpeza e remoção dos destroços da tragédia. Em nota, a administração afirma que a área afetada é de 35 km, onde foram identificados 700 pontos de deslizamentos em meio às encostas e que o “processo demanda tempo, principalmente devido ao fato de que, à medida que chove, mais material desce das encostas”.
Prefeitura diz que fez o que ‘estava ao alcance’.
No dia 15 de junho, o Ministério Público Estadual de São Paulo entrou com uma ação civil pública contra a prefeitura de São Sebastião e o governo do estado por omissão antes e depois da tragédia. O promotor Alfredo Luis Portes Neto fala em violação de direitos fundamentais, como acesso à moradia, saúde, saneamento, segurança e assistência às vítimas. “Não foram adotadas medidas efetivas, pela Administração Pública municipal, para viabilizar o acionamento preventivo do Plano de Contingência, alertar a população e garantir a preservação de vidas humanas”, sustenta.
Na ação, pede que o estado indenize em R$ 1 milhão as vítimas e que governo estadual e prefeitura atualizem o mapeamento das moradias em risco na Barra do Sahy – local onde houve mais óbitos – apresente um cronograma de fiscalização, crie núcleos comunitários da Defesa Civil e elabore um plano de avaliação de pontos de inundação e deslizamentos.
Sobre o pedido do Ministério Público, a prefeitura afirmou que, “ciente da problemática e levando em conta a inércia das gestões passadas, o atual governo adotou medidas concretas para minimizar os riscos à população quanto a possíveis cheias e enchentes”. Segundo sua assessoria de imprensa, “o que estava ao alcance foi feito” e o “MP, por todo o período, acompanhou as tratativas”. “Para se ter ideia, em 2019, a prefeitura lançou a construção de 400 casas populares. No entanto, um grupo de moradores de Maresias, entre eles o ex-secretário de Comunicação do governo de Jair Bolsonaro, Fábio Wajngarten, que tem casa de veraneio no bairro, entrou na Justiça contra a inciativa. O pedido foi acolhido pelo próprio MP, acusa a administração municipal.
ONGs também são questionadas
Na segunda-feira, 19, o Instituto Verdescola, que atua na Barra do Sahy, reuniu as famílias no ginásio de sua sede e anunciou que dos R$ 13,8 milhões arrecadados sobraram R$ 9 milhões, que serão doados a 975 famílias que se cadastraram em um convênio realizado com a Fundação Getúlio Vargas. Batizada de Projeto Recomeço, a ação mapeou o perfil das famílias e criou dois grupos: quem perdeu a casa inteira ou algum familiar receberá R$ 15.800 (70 famílias) e quem perdeu bens materiais, R$ 8.500 (905 famílias). O dinheiro foi repassado por um cartão de débito Alelo, e famílias que não realizaram o cadastro terão uma nova oportunidade a partir da semana que vem. O Intercept pediu acesso ao documento produzido pela FGV sobre as famílias, mas não obteve retorno. Em nota, a assessoria informou que há uma carta aberta no site onde listam as ações e que, ao término da segunda fase do projeto, haverá prestação de contas.
Já a Gerando Falcões arrecadou na campanha Tamo Junto R$ 21,7 milhões. Em seu site, mostra um plano em três fases e a descrição de cada uma delas, sendo a segunda chamada de reconstrução de moradias. Mas faltam detalhes dos gastos. A página da campanha não está mais no ar.
Para Isadora Guerreiro, professora e coordenadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da FAU-USP, as doações precisariam passar pelo gerenciamento do poder público, em especial quando o assunto é o planejamento habitacional. “A gente está falando de um problema de larga escala, que envolve governos, e precisa ser pensado de forma integrada e intermunicipal. Não pode ficar na aba da decisão de uma organização privada”, criticou.
No domingo, 18, após uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre a atuação das duas ONGs na tragédia, o empresário do ramo financeiro João Paulo Pacífico criticou a atuação da Gerando Falcões em sua conta do Instagram, que tem mais de 76 mil seguidores. “Eles têm mais de R$ 6 milhões no caixa. Dinheiro que ainda não foi gasto. Isso é um absurdo”, declarou Pacífico em seu vídeo.
Em entrevista ao Intercept, Edu Lyra, fundador da Gerando Falcões, afirma que compreende as críticas, mas destaca que tem feito esforços para dialogar com todas as frentes envolvidas na tragédia, desde as vítimas até o poder público, e que acredita que a solução para tudo passa por um processo participativo. “Na crise é preciso ter capacidade de atuar de forma colaborativa com todos os atores sociais. Nós trabalhamos com governos de direita e de esquerda, porque a fome não é nem de direita nem de esquerda e o que me importa é quem está na ponta, sofrendo”. Lyra afirma que preza pela transparência e que a prestação de contas de tudo que foi arrecadado tem sido feito “em tempo real”. Também anunciou que nas próximas semanas, assim como fez o Instituto Verdescola, vai distribuir R$ 5 milhões em cartões para moradores atingidos pela tragédia. “Ainda estamos mapeando”, diz. Sobre as declarações de Pacífico, Lyra disse que “vivemos num país democrático e que a Gerando está pronta para prestar qualquer esclarecimento”.
Vida normal só do outro lado da estrada
Para fazer um simples cafezinho, lavar roupa ou ir ao banheiro, a ajudante de obras Noemia Divina da Silva, de 28 anos, precisa descer uma escadaria de 101 degraus na Vila Pantanal, em Juquehy, para buscar água na beira da Rodovia Rio-Santos. Não há água na casa onde está morando “de favor”, como faz questão de frisar, desde as fortes chuvas que castigaram São Sebastião.
Segundo a prefeitura, mais de 5,5 mil famílias foram afetadas. Noemia perdeu a chance de conseguir auxílio-aluguel, vive de bico e não está com condições de arcar com as despesas de uma nova casa, já que a sua não tem mais condições de ser habitada. “Tá numa condição pior. Tem muita árvore em cima, tá perigoso”, conta. “A energia não tinha também. É gato”, afirma, apontando para o emaranhado de fios no teto da cozinha, onde a pia está lotada de louça pela falta d’água. “Não repara a bagunça”.
A casa onde ela está morando é da doméstica Liliane Olga dos Santos, de 36 anos, que, faz questão de dizer, “construiu junto com o marido com as próprias mãos” e “foi onde criou e educou os cinco filhos”. Em menos de dois meses, recebeu dois laudos distintos a respeito da sua residência: o primeiro, em 14 de março, assinado pela Defesa Civil de São Sebastião, indicava que o imóvel estava condenado e deveria ser desocupado e demolido. Em 24 de abril, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o IPT, realizou nova vistoria e informou que a família poderia retornar ao local.
“Dá pra entender?”, questiona. “Meus filhos estão traumatizados desde a noite do dia 19 de fevereiro. Não dá pra esquecer o que a gente viveu. Eu vi da janela da minha casa aquela casa desaparecer, o morro descer”, desabafou.
Liliane conseguiu a aprovação do auxílio-aluguel, que tem duração inicial de seis meses, podendo ser prorrogado por mais três períodos, totalizando dois anos, mas passou sufoco para conseguir uma mensalidade que coubesse no benefício. “O problema é o seguinte: a liberação do dinheiro só acontece no começo do mês seguinte ao que você já está morando na casa. E todo mundo sabe que aqui no litoral você não aluga nada sem caução e aluguel antecipado”. Liliane, o marido e os cinco filhos tiveram que apertar as contas para conseguir fechar o mês.
‘Eles mudaram o laudo de vermelho ou laranja para amarelo porque viram que não tinham mais onde enfiar essa gente’.
Embora em regiões diferentes, não há muitas diferenças entre as dificuldades enfrentadas pelos moradores do Pantanal ou Morro do Esquimó, em Juquehy, travam uma luta muito semelhante à dos que vivem na Vila Baiana, na Barra do Sahy, praia vizinha. Inclusive o perfil das famílias é bem semelhante: mulheres chefes de família, com dois ou mais filhos, muitas vezes mãe solo e que trabalham sem serviços de limpeza e construção civil atendendo a parte “do outro lado da rodovia”, para o lado da praia, onde há casas em que o aluguel passa de R$ 20 mil e são vendidas a R$ 7 milhões.
Mãe solo de três meninas, a ajudante de serviços gerais Gisele Jesus da Silva, de 31 anos, já morava de aluguel na casa que alagou, pela qual pagava R$ 600 por mês. “No dia da chuva, eu tive a brilhante ideia de colocar os colchões em cima da beliche de ferro e salvei isso. O resto perdemos tudo”, conta. Natural da Bahia, Gisele morava há quatro anos na casa invadida pela enchente. Por isso, acabou não contemplada pelo auxílio-aluguel, que exige comprovação de residência de, no mínimo, cinco anos.
Ela conta ter ouvido da assistente social que “deveria buscar a Defensoria”, sem explicar, no entanto, os motivos pelo qual o benefício foi negado. “Não fui atrás”, respondeu. Na casa atual, só há um quarto para quatro pessoas e uma sala contígua à cozinha com um banheiro. “Bem menor [aqui]. Mas não dava para ficar lá. A Defesa Civil disse que eu poderia voltar. Mas não dá pra esquecer a cena de uma amiga que desenrolou o filho de três anos de um tapete, já morto, e gritava desesperada ‘acorda, fala comigo!’. Toda vez que lembro dessa cena penso que poderia ser eu. E eu não vou passar por isso”, desabafou. Gisele vive com medo e pretende mandar as filhas de 4, 8 e 14 anos para morar com a avó no sul da Bahia.
Segundo a prefeitura, até o momento foram abertos e analisados 835 processos de pedidos de auxílio aluguel. Destes, 123 foram negados, 320 arquivados, 293 estão pendentes e 99 foram deferidos. Há apenas 56 contratos já assinados. “É um absurdo [restrições para o auxílio aluguel]. Numa situação emergencial você tem que atender todas as vítimas. Até porque, caso não atenda, você está vitimizando a vítima e aumentando o grau de vulnerabilidade”, avaliou Guerreiro.
Ela destaca que os critérios são importantes para não haver uma instrumentalização do benefício, que precisa ser constantemente supervisionado. “Mas não dá pra comparar uma situação de longo prazo com o que aconteceu em São Sebastião. É responsabilidade do gestor público, sim. Você atrai pessoas para o seu município, promove o desenvolvimento econômico, do turismo, não dá infraestrutura e na hora da emergência você não cuida de algo que você mesmo foi omisso”, explicou. Isadora também criticou o uso das 300 unidades habitacionais na cidade vizinha de Bertioga para abrigar vítimas, que definiu como transferência de responsabilidade. “Você não fez a lição de casa e joga para outra cidade onde existe uma demanda local”.
O Comitê da União dos Atingidos afirma que a administração municipal não tem informações precisas sobre as famílias atingidas, suas necessidades e a real situação de algumas residências. Um dos problemas são as mudanças de classificação feitas pela Defesa Civil e posteriormente pelo IPT. Quando questionada, a prefeitura não conseguiu detalhar mapeamento por bairro e região e informou que, “ao longo do município, 779 imóveis foram interditados temporariamente ou monitorados”.
Também falou da ida das famílias para Bertioga e para as 72 unidades habitacionais da Vila de Passagem, no bairro Topolândia, em São Sebastião, onde devem permanecer até que as 704 moradias, em construção pelo governo do estado, sejam concluídas.
A reportagem procurou o IPT para questionar sobre os laudos e o trabalho realizado em parceria com a prefeitura de São Sebastião. Em nota, o instituto afirma que “não há conflito” entre os laudos e que, de fato, houve uma reavaliação em algumas residências que tinham sido esvaziadas em caráter temporário. Mas ressalta que mesmo as regiões liberadas são consideradas “áreas de risco para escorregamentos e enxurradas, cabendo à gestão municipal planejar a sua redução e/ou eliminação”.
Reavaliando os riscos para caber mais gente
Hoje, na Vila Baiana, em uma das vielas que dá acesso ao morro, muitas casas exibem a placa indicando interdição temporária ou definitiva da Defesa Civil. Conversei com uma moradora que paga aluguel e segue vivendo em uma delas, bem na frente de um dos pontos de deslizamento onde muitas casas foram levadas pela lama. Com medo, ela não quis se identificar.
Moradora da região e integrante do Comitê União dos Atingidos, a consultora de cosméticos Sara Regina Cordeiro, de 44 anos, confirma a história. “Muitas casas interditadas voltaram a ser reocupadas sem passar por reavaliação. O proprietário saiu daqui, mudou para Caraguatatuba e está alugando o imóvel. Sem contar a movimentação de gente voltando para o morro, retomando construção de casa em local atingido”, revelou a. “Eles mudaram o laudo de vermelho ou laranja para amarelo porque viram que não tinham mais onde enfiar essa gente”, opina.
“Eles estão flexibilizando a dimensão do risco na Vila Sahy porque eles não têm onde deixar as pessoas”, avaliou a a pesquisadora Isadora Guerreiro.
Enquanto a solução não chega, resta aos moradores de áreas atingidas se unirem para, minimamente, preservar a vida. “Hoje a gente fica na madrugada ligando um para o outro sempre que chove, avisando e a gente mesmo fazendo nosso monitoramento. Porque a situação aqui no começo da vila é uma coisa, a outra é no morro”, relatou a Sara. “É horrível. O barulho do morro caindo, pareciam passos de um gigante, assim como de desenho animado… Eu vi muitos corpos chegando no Verdescola no dia seguinte, eu vi corpo aqui na rua da minha casa que a enxurrada arrastou. Eu não consigo esquecer. Um trauma que não passa nunca”.
A questão da regularização fundiária se confunde com a história do litoral norte de São Paulo. É uma costa repleta de áreas de proteção ambiental, com pouca oferta de terrenos e que vivenciou um processo de urbanização inadequado: jogou para o chamado “sertão”, o lado do morro, as famílias pobres, e tornou o metro quadrado do lado da praia restrito aos endinheirados. Antes da tragédia, o próprio poder público estimava que 9 mil pessoas viviam em áreas de risco em São Sebastião.
Três dias após o ocorrido, o LabCidade publicou um documento em que mostra em uma imagem o que estamos tentando contar: 2 mil pessoas amontoadas na Vila Baiana e, do outro lado, na beira mar, em uma área três vezes maior, 400 pessoas.
Em 2014, a Justiça ordenou a remoção de seis famílias que moravam no Morro do Esquimó, em Juquehy, também atingido pelas enchentes deste ano. Na ocasião, moradores ficaram revoltados e realizaram uma série de protestos para evitar a ação, alegando que não havia um plano da prefeitura para realocação deles.
Em 2018, o IPT realizou um estudo técnico em São Sebastião e elaborou um Plano Municipal de Redução de Riscos indicando as áreas com perigo de deslizamentos e enchentes. Há orientações para minimizar o problema, como limpeza, contenção de encostas e manutenção dos sistemas de drenagem. Moradores e vítimas das chuvas recentes apontam que nada disso foi feito de forma adequada.
Em agosto de 2021, a Vila Pantanal foi alvo de ação da prefeitura que mandou retirar postes de iluminação e deixou cerca de 50 famílias no escuro para obrigá-las a saírem das áreas de risco. À época, Felipe Augusto, que está em seu segundo mandato, já era o prefeito de São Sebastião.
Ao longo dos últimos três anos, a Justiça, em 37 sentenças, cobrou urgência da prefeitura para regularizar 52 áreas com deficiências de infraestrutura e risco à população, como revelou reportagem do Estadão. Nas sentenças, juízes destacam que, nas últimas décadas, houve “omissão histórica” das gestões municipais que agiram com “descaso” em relação aos direitos básicos. As decisões também colocam em dúvida o argumento da gestão municipal de São Sebastião de que faltariam recursos para atender a população em áreas de risco. O orçamento da pasta de habitação e regularização fundiária para este ano é de R$ 15,7 milhões.
Em nota, a prefeitura de São Sebastião afirma que tem se empenhado incansavelmente na regularização do sistema habitacional e destaca a criação da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária, em 2017, pelo atual mandatário, com o propósito de garantir a regularização fundiária para as famílias sebastianenses e abordar as áreas de risco. Até o momento, segundo a assessoria, já foram beneficiadas 852 famílias, e outras 525 seguem aguardando.
Além de estar sendo cobrado pela gestão da tragédia, o prefeito Felipe Augusto é alvo de investigação na Operação Mar Revolto do Ministério Público Estadual de São Paulo, que apura irregularidades no uso de verbas no combate à pandemia da covid-19 no município.
O Intercept também procurou o Governo de SP que, em nota, informa que o projeto para instalação de sirenes, coordenado pela Defesa Civil do estado de SP, está em andamento. Também afirma que a Sabesp está implantando rede de água nos bairros Barra do Sahy, Baleia, Camburi/Camburizinho a um custo de R$ 29 milhões e que vai beneficiar 30 mil pessoas. “Com relação ao local onde estão sendo construídas as moradias em São Sebastião, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) informa que o alagamento da semana passada foi reflexo das chuvas acentuadas em toda a região. Cabe esclarecer que o terreno do empreendimento no bairro Baleia Verde, em São Sebastião, é um local seguro e plano”. Sobre a ação do MP, a Procuradoria Geral do Estado informa que o Estado ainda não foi citado na ação.
Reportagem atualizada às 15h40 do dia 23/06 para inclusão de nota do Governo de SP
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