Damares emprega integrante dos 300 do Brasil, primeiro acampamento que atacou o STF

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Damares emprega integrante dos 300 do Brasil, primeiro acampamento que atacou o STF

Três anos depois de participar, discursar e até cozinhar em ato que culminou em fogos contra o Supremo, Pastora Cynthia bate ponto no Senado.

Damares emprega integrante dos 300 do Brasil, primeiro acampamento que atacou o STF

Uma tese tem ganhado força na CPMI do Golpe. Entre os deputados e senadores, é quase um consenso que o 8 de Janeiro começou bem antes da destruição dos prédios por terroristas naquela tarde de domingo. Um dos marcos do ataque violento às instituições nos últimos anos, especialmente ao Judiciário, foi o acampamento 300 do Brasil, que culminou com fogos lançados contra o prédio do Supremo Tribunal Federal em junho de 2020.

Pouco mais de três anos depois daquele movimento golpista, uma ex-integrante tem dado expediente no gabinete da senadora Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, eleita pelo Republicanos no Distrito Federal nas eleições de 2022. Cynthia Espírito Santo Soares Pereira, também conhecida como Pastora Cynthia, ocupa desde fevereiro um cargo de assessora parlamentar, com salário bruto mensal de R$ 12 mil.

Embora Cynthia não responda a processos por sua participação nos atos, há diversos elementos que apontam para sua posição proeminente no 300 do Brasil. Em 8 de maio de 2020, por exemplo, a extremista Sara Winter publicou um texto em sua conta no Twitter, hoje suspensa por determinação judicial, que fazia referência à Pastora Cynthia como uma das responsáveis pelo movimento.

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A mensagem dizia: “Bem-vindo aos 300 do Brasil, de acordo com minha amiga, Pastora Cynthia, um movimento ‘para militar’, para dona de casa, para microempresário, para estudante, para mãe, para vó, é para quem quiser vir defender o Brasil dessa corja!”.

Além disso, nas suas próprias redes sociais, Cynthia tem até hoje fotos que mostram sua presença no acampamento em Brasília nas datas dos atos. As imagens retratam sua atuação em diferentes posições, como montando barracas no gramado da Esplanada dos Ministérios, servindo comida aos acampados e discursando com um microfone em mãos.

As manifestações foram convocadas logo nos primeiros meses da pandemia de covid-19 e reuniram manifestantes que defendiam o fechamento do Congresso e do STF e a reedição do AI-5, o ato institucional que endureceu o regime militar. A repercussão negativa fez o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir a abertura de uma investigação após os atos realizados em 19 de abril daquele ano. Como deputados federais estavam entre os alvos, o STF foi incumbido da apuração, no que ficou conhecido como o inquérito dos atos antidemocráticos.

O próprio presidente Jair Bolsonaro discursou no protesto realizado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, naquele 19 de abril. Bolsonaro e Cynthia, no entanto, nunca estiveram entre os alvos definidos pela PGR. Em 2021, sem concluir os trabalhos, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, arquivou o inquérito e abriu uma nova frente de investigação — esta, para verificar a existência de uma organização criminosa digital que atenta contra a democracia, no “inquérito das milícias digitais”.

O marido de Cynthia, também líder dos atos de 2020 e grande divulgador da atuação da esposa em suas redes sociais, enfrentou as consequências de seu envolvimento com os 300 do Brasil. Conhecido como Pastor Marlan, ele foi expulso em maio de 2020 do Cidadania, partido ao qual era filiado, devido à participação em atos considerados criminosos e contrários ao estado democrático de direito.

O Cidadania justificou sua expulsão com base em sua identificação como “um dos líderes do movimento que ameaçava invadir e fechar os poderes Legislativo e Judiciário, além de pedir a intervenção militar no regime de governo”.

Foto no perfil da assessora mostra acampamento 300 pelo Brasil, em 2020.

O marido de Cynthia é figurinha carimbada na extrema direita do Distrito Federal. Nos registros do Senado, consta que, em 2014, Marlan participou de uma audiência pública presidida por Cristovam Buarque para tumultuar o debate sobre a legalização da maconha medicinal. Na ocasião, o pastor chegou a tentar dar voz de prisão a um ativista que disse fazer uso da substância CBD (presente na cannabis sativa).

Em 2020, pouco antes de atuarem no acampamento dos 300 do Brasil, Marlan e Cynthia haviam se empenhado na criação do Aliança Pelo Brasil. A atuação intensa no recolhimento de assinaturas para legalizar a criação da sigla junto à Justiça Eleitoral, porém, não deu resultado. No ano seguinte, a ideia já havia naufragado, e Bolsonaro acabou indo para o PL. Antes disso, porém, Marlan chegou a ser entrevistado pelo portal Metrópoles como porta-voz do partido natimorto.

“Estamos muito infelizes com esse baixo número de confirmações no TSE, eu mesmo já coletei mais de 10 mil assinaturas, nós temos um milhão no país todo. Mas vamos responder coletando mais, vamos criar o partido dele [de Bolsonaro] com 2 milhões de pessoas”, disse. Nas redes, Marlan exibe fotos com o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, então no PSL e, hoje, no PL. O casal também não poupa fotos e vídeos em que exibe a relação de longa data com Damares Alves.

Apesar dos ataques às instituições democráticas e ao estado democrático de direito, Marlan, assim como sua esposa, também não recusa um cargo público. Em outubro de 2021, foi nomeado diretor na Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do Distrito Federal no primeiro mandato do governador Ibaneis, do MDB. No mês seguinte, porém, a indicação foi revogada. Questionados pelo Intercept, Marlan e o governo distrital não explicaram a razão.

Por meio de nota, o gabinete de Damares afirmou que a senadora “tinha conhecimento que Cynthia Pereira participava de grupos de direita que defendiam políticas públicas em favor da vida e da família, contrárias à legalização das drogas e ao aborto, sempre atuando de forma pacífica, mas não sobre possível participação no movimento “300 do Brasil””. 

Questionada se considera a presença de Cynthia em seu gabinete condizente com os valores democráticos e o respeito às instituições que devem ser mantidos pelos servidores públicos, o gabinete da senadora respondeu: “Considerando que a senadora sabia apenas que a referida colaboradora participava de grupos de Direita que defendiam políticas públicas em favor da vida e da família, contrárias à legalização das drogas e ao aborto, sempre atuando de forma pacífica, não vê nada que desabone a atuação da mesma como membro de sua equipe”.

A senadora ainda afirmou que Cynthia “foi contratada com base em sua experiência profissional, seu conhecimento técnico e sua atuação nas áreas de Comunicação e de defesa das mulheres. A colaboradora faz parte da equipe de Comunicação do gabinete, atuando nas atividades de produção e divulgação de conteúdos jornalísticos, bem como no apoio à atuação da senadora em ações voltadas à defesa das mulheres.”

Gabinete do golpe

Cynthia não é a única servidora do gabinete de Damares Alves que se envolveu em ataques às instituições, atos terroristas e divulgação de notícias falsas. Durante sua atuação no governo de Jair Bolsonaro, a ex-ministra teve pelo menos quatro assessores nessas condições.

Um deles, Wellington Macedo, está foragido desde que foi alvo de um pedido de prisão em 16 de janeiro por tentar explodir uma bomba perto do aeroporto de Brasília. Ele atuou como assessor da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do MMFDH, indicado por Damares, entre fevereiro e outubro de 2019.

Outro, Renan Sena, preso em 20 de janeiro na Operação Lesa Pátria por suspeita de coordenação e financiamento dos atos terroristas de 8 de janeiro, atuou como analista de projetos do setor socioeducativo do mesmo ministério, como funcionário terceirizado. Antes, havia protagonizado um ataque a enfermeiros que protestavam na Praça dos Três Poderes.

Sara Winter, outra líder dos 300 do Brasil, presa por nove dias em junho de 2020 por ameaças a ministros do STF, chegou a ocupar o cargo de chefe da Coordenação Geral de Atenção Integral à Gestante e à Maternidade entre abril e dezembro de 2019 no ministério de Damares. Ela recebia um salário de R$ 5.685,00 e estava vinculada à Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres.

Oswaldo Eustáquio, blogueiro preso duas vezes por ataques à democracia, foi assessor de Damares durante a transição de governo. Após a posse de Bolsonaro, sua esposa, Sandra Terena Eustáquio, foi nomeada secretária de Igualdade Racial, uma das pastas mais importantes do antigo ministério chefiado por Damares.

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