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A Bahia está na seleta lista de estados com a maior diversidade de biomas naturais – apenas Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, todos com três ecossistemas, igualam em número. No entanto, o que deveria ser um paraíso para uma rica fauna faz germinar uma praga terrivelmente prejudicial: os empresários predadores de terra.
No Intercept, tenho mostrado em uma série de reportagens a ação dos endinheirados que, em nome de um projeto moderno de turismo e suposta geração de renda, engolem áreas verdes e atacam populações tradicionais, forçando-os a uma migração dos locais onde suas famílias fixaram residência há mais de um século.
O caso mais recente que noticiei foi dos quilombolas de Santo Antônio-Jitaí, em Mata de São João, litoral norte da Bahia. Eles foram ameaçados por policiais civis, com facão e picareta, para deixar a propriedade onde vivem desde 1916.
Em vídeo, um dos policiais admite que trabalhava para Paulo Roberto de Souza, o empresário que disputa a área com os quilombolas. As imagens foram enviadas para a corregedoria da Polícia Civil da Bahia e ouvimos deles a promessa de que vão investigar o caso.
Paulo Roberto de Souza está vendendo esse terreno para uma holding que quer construir um complexo hoteleiro – isso justifica a pressa em remover os moradores, que classifica como “invasores”.
Ali perto, o próprio prefeito de Mata de São João também é acusado por outros quilombolas de tentar expulsá-los da reserva legal de Praia do Forte, espaço que pretende transformar em Unidade de Conservação. O gestor é João Gualberto, do PSDB, em seu terceiro mandato. Nessa última eleição, ele declarou um patrimônio de mais de R$ 170 milhões, que inclui: uma aeronave, mansão e uma rede de supermercados.
Uma moradora, sob anonimato, me contou que agentes da prefeitura já derrubaram sua casa e as dos seus parentes. Ela disse que Gualberto tem forçado a saída deles de forma sistemática.
Maria Jurema, presidente da Associação Quilombo Tatuapara, afirmou que a proposta para transformar a reserva em Área de Conservação esconde um projeto elitista. “Parece um discurso ambiental, mas não é. Eles querem garantir a reserva para ser um atrativo para os donos de condomínios e hotéis, ao mesmo tempo que impede que continuemos naquele espaço, que sempre foi nosso”.
O prefeito é sócio de José Humberto Souza – um empresário que aparece como dono de vários empreendimentos em Praia do Forte, entre hotel fazenda, construtora e condomínio de luxo. Os outros sócios são nomes destacados da elite baiana, como o atual presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellintani; a diretora do jornal Correio e irmã de ACM Neto, Renata Magalhães; o primo de ACM Neto, Luís Eduardo Magalhães Filho; e o deputado estadual pelo PSDB Tiago Correia.
Globo e Boipeba
Mais ao sul do estado, na ilha de Boipeba, o roteiro se repete como uma cópia do enredo: empresários poderosos avançaram sobre um território de beleza natural e querem construir um resort de luxo passando por cima das comunidades tradicionais.
No Intercept, mostramos como José Roberto Marinho, dono da Rede Globo; Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central; e outros sócios milionários compraram um terreno que corresponde a 20% de Boipeba. O negócio teve como vendedor o ex-prefeito de Valença, cidade próxima, José Campelo de Queiroz.
Ele responde a um processo para reintegração de posse de um terreno de 400 hectares, no município onde foi prefeito. Na ação, é acusado por uma viúva de 101 anos de se apropriar da documentação dela com “a falsa promessa” de compra, bem como de impedi-la de vender o terreno. Queiroz, assim como Gualberto, é também empresário. Ele é dono de uma cadeia de lojas de eletrodomésticos e móveis espalhada em várias cidades da Bahia, as Lojas Guaibim.
No momento, as obras do resort de Marinho estão embargadas em Boipeba pela Secretaria de Patrimônio da União. Ainda assim, os estragos são imensuráveis. Raimundo Siri, um dos moradores que mais se engajou na luta contra o empreendimento, foi ameaçado de morte e precisou fugir da Comunidade de Cova da Onça.
O governador recém-empossado, Jerônimo Rodrigues, do PT, tem alternado entre a inércia e a explícita colaboração. No caso de Praia do Forte, sequer respondeu aos nossos questionamentos sobre a ação da Polícia Civil e às provocações do Ministério Público Federal para intervir nos ataques contra os quilombolas. Já em Boipeba, foi o próprio Inema, órgão de meio-ambiente da Bahia, quem deu a licença para as obras começarem – desrespeitando os órgão federais.
Questionado sobre o resort de Marinho, Jerônimo só enxergou normalidade. “O projeto está dentro do padrão”, disse, sem especificar que padrão é esse.
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