São 7h da manhã de um domingo frio no outono paulistano. Na avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, a 300 metros do monumental Templo de Salomão, sede da Igreja Universal, homens e mulheres aguardam em uma fila gigantesca, que se estende pela rua ao lado. Vindos de bairros distantes da periferia, da Grande São Paulo e do interior paulista, alguns chegaram às 4h da manhã. Outros, na noite anterior.
Todos estão à procura de curas e milagres. Vão em busca da “unção do abraço”, ofertada pelo líder religioso Luciano Neves. Ex-bispo da Igreja Mundial do Poder de Deus e ex-pastor da Internacional da Graça e da Universal, ele é agora o responsável pela Igreja Unida Deus Proverá, que foi fundada em janeiro deste ano e vem tendo uma ascensão meteórica.
A unção é a aplicação do óleo consagrado sobre a testa dos fiéis. Calmo, paciente e sorridente, Neves o aplica das 7h às 9h no rosto de cada um de seus seguidores, passa a mão na cabeça, os abraça e dá a benção. Depois, o culto comandado pelo bispo é iniciado, e fiéis emocionados chegam a entrar em transe.
Neves começa a ganhar espaço como um novo líder evangélico popular. Atrai, principalmente, os fiéis de seu antigo chefe na Mundial, o apóstolo Valdemiro Santiago. Afirma ter carregado consigo 15 bispos e 35 pastores do ex-aliado. Cem por cento dos seus fiéis, no início, eram ex-Mundial, me afirmou.
Hoje, calcula que sejam uns 70%. “Se eu abrir uma igreja em algum lugar, e eles souberem que estou ali, migram na hora. Mas estamos atraindo também pessoas de outras igrejas”. Há quem já o veja como um novo fenômeno do neopentecostalismo, apesar de adversários apostarem no fracasso de público a médio prazo.
O bispo era o braço-direito de Valdemiro Santiago, mas rompeu com o apóstolo em outubro para fundar a Deus Proverá. Em sete meses, a igreja abriu 40 templos em 20 estados no Brasil. Se instalou em Angola e planeja a chegada em Portugal, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile e Moçambique. “Estamos em negociações, vendo locais”, afirmou. A sede nacional na avenida Celso Garcia tem 2,4 mil metros quadrados e chega a receber 3 mil fiéis nos cultos dominicais, amontoados, inclusive, no estacionamento.
A igreja tem espaços adquiridos na programação de cinco emissoras de TV – Canal 21, da Rede Bandeirantes; Rede Brasileira de Informação, a RBI; TV Genesis; Rede Boas Novas, de Manaus; TV Várzea, no Mato Grosso; e TV Capital, de Goiás –, além de emissoras de rádio.
Nascido na Tijuca, bairro de classe média da zona norte do Rio de Janeiro, filho de um contador e uma dona de casa, Neves tem 51 anos e morou em Brás de Pina, no subúrbio, e em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Negro como a maioria dos evangélicos hoje no Brasil — 59% são pardos e pretos, segundo o DataFolha —, Neves foi cabo da Aeronáutica. Já adulto e depois de ter se tornado pastor – no intervalo entre a saída da Internacional da Graça e a entrada na Mundial –, foi segurança de supermercado e, depois, dono de uma empresa de tecnologia.
Neves entrou na Universal, do bispo Edir Macedo, em 1990. Foi pastor na África do Sul, Angola e Moçambique. Ficou na igreja até 2000. Depois, passou sete anos na Igreja da Graça, ao lado do missionário RR Soares. Ingressou na Mundial em 2010. Durante dois anos e oito meses, até 2022, foi o responsável pela igreja no Brasil. Acabou transferido para Manaus e decidiu deixar a instituição, em outubro do ano passado.
Milagre ‘mais rápido’
Na fila em frente ao templo da Deus Proverá, a maioria dos fiéis ouvida pelo Intercept confirmou ter abandonado a Mundial para seguir os passos de Neves. “Eu era da Mundial há 16 anos e resolvi acompanhar agora o bispo Luciano. Quase todos aqui eram da Mundial. A gente tem de ir onde está a fé”, justificou, na fila, o pedreiro José Valindo, de 69 anos. Ele disse ter sido curado pelo bispo de uma trombose e de água no joelho. A aposentada Maria Helena Silva, de 72 anos, avaliou: “Toda igreja tem milagre, mas o daqui é mais rápido”.
“Minha família é toda católica. Mas na minha cidade não tinha grupo jovem. Aí, comecei a participar da Mundial. Quando o bispo saiu, eu vim para cá”, contou Claudia França. A jovem de 22 anos, promotora de vendas e estudante do terceiro ano de jornalismo, acordou às 3h da manhã para chegar ao templo.
Fiéis como a dona de casa Maria de Fátima Gomes Coutinho, de 67 anos, que sofre de trombose, fizeram sacrifícios ainda maiores. Maria, que passou 20 anos na Mundial e também seguiu o bispo Luciano, saiu de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, na noite anterior. Chegou às 19h e dormiu em um banco de madeira. O bispo se solidarizou com os abnegados fiéis e também passou a noite no templo. Dormiu no altar.
A advogada Andréa Favaro Rivel, de 52 anos, e sua filha americana Ashley Favar Rivel, de 15 anos, exibiam dois bilhetes aéreos para comprovar terem chegado um dia antes de Orlando, nos Estados Unidos, apenas para agradecer uma graça recebida. Andréa disse que seu marido, com diabetes e bactéria no pâncreas, havia sofrido um derrame. Sua mãe teria mostrado a foto do genro para o bispo durante um culto, e o homem, em seguida, teria se recuperado. Andrea e a filha foram chamadas para dar o testemunho, e Ashley cantou um louvor em inglês.
Troca de farpas
No escritório da igreja, o bispo Neves disse ao Intercept ter rompido com Valdemiro Santiago devido a dificuldades na administração da Igreja Mundial e divergências com familiares do ex-chefe sobre o tema.
“A igreja estava afundada em dívidas”, contou. “Quando você deve a uma pessoa e não tem o dinheiro, chama para conversar. Eu dizia: ‘Não tenho tudo, mas vamos fazer assim ou assado’. A gente foi resgatando o respeito das pessoas, e a igreja passou a tomar um outro rumo. Mas começaram as represálias por parte daqueles que queriam uma administração diferente. Aí, fui afastado pelo próprio apóstolo para Manaus”.
Quando Neves deixou a Mundial, Valdemiro Santiago gravou um vídeo no qual se disse “traído” pelo bispo, a quem considerava “um filho”. Disse ter se arrependido por ter ignorado “graves acusações” contra ele, mas não especificou quais. “Vocês não estão interessados em ganhar almas. Estão interessados em tirar pessoas da Mundial”, criticou.
Neves negou que haja acusações contra ele e afirmou que Valdemiro “não tem o que falar” sobre ele. “Ele falou para as pessoas não me seguirem. Criou algumas situações constrangedoras. Mas não tinha muito o que falar. Ia falar o quê? Que eu o traí? Que larguei tudo? Levei o dinheiro? Não é isso. Traição é você abandonar o ministério e fazer algo contra a liturgia”.
Outros pastores da Mundial têm feito ataques a Neves em cultos. “Eu mandei um recado para um deles. Para falar da minha vida é difícil. Então, se a pessoa tem telhado de vidro, não tente jogar pedra no telhado do outro”, contra-atacou. Neves, no entanto, não quis falar mais sobre o suposto “telhado de vidro” de colegas religiosos.
Igreja do resultado
Para Neves, os fiéis querem algo diferente. “Eu falo que a Deus Proverá é a igreja da fé, do resultado. Isso é uma novidade no meio evangélico. As pessoas estão cansadas. Não tem milagre, não tem mais nada. Procuramos fazer o que a Bíblia faz, o que o Evangelho diz, a igreja primitiva. Priorizando a salvação”. Ele disse que a Deus Proverá estaria tirando fiéis de outras igrejas “porque as pessoas estão vendo resultados diferentes e um vai falando para o outro”.
Sobre a necessidade de pedir ofertas para manter a igreja, disse que o líder religioso precisa ser sincero com o povo. “Não precisa dizer que, se você der isso, vai ganhar um apartamento, uma casa. Não acredito nisso. Minha maneira de trabalhar com a oferta é pedir para ajudar a obra de Deus. Os que querem dar, vão dar. Os que não quiserem, a gente respeita. Aqui não tem Fogueira Santa [a principal campanha de arrecadação da Igreja Universal], o tal do sacrifício em que levam o povo a se desfazer do que tem para dar para a igreja”.
E justificou: “Está tudo dentro da necessidade. Se você morava numa casa com um quarto, sala, cozinha e banheiro, tinha um consumo. Se mora numa casa de dois quartos, duas salas, cozinha e banheiro, seu consumo aumenta. Quando eu tinha uma igreja, tinha um gasto. Agora tenho 40. Se perguntar para as pessoas que gostam de nos assistir na televisão se querem que a gente saia, vão dizer não. E você vai ajudar a pagar para continuar?”.
Sobre as igrejas concorrentes, Neves afirmou que muitas “estão marcadas pelo escândalo, outras por má administração”. E rebateu comentários de que sua denominação não conseguiria êxito. “Falaram que a nossa igreja ia afundar em um mês depois da inauguração. Depois, que até o meio do ano nossa igreja acabaria. Agora, parece que entenderam e deram um prazo de cinco anos. Enquanto dizem que vamos fechar, eles fecham todo dia dezenas de igrejas, e nós estamos abrindo”.
O bispo high-tech
Ex-profissional da área, Neves tem usado a tecnologia para o crescimento da igreja. Criou, por exemplo, uma pulseira de borracha chamada “bracelete da fé”. Por meio de uma ferramenta chamada Connect Now, desenvolvida por ele, o fiel escaneia com o celular um QR Code na pulseira e consegue, na hora, ter acesso a vídeos de oração gravados pelo bispo. “Eu atualizo três vezes por dia. Toda vez que a pessoa precisar de ajuda espiritual, ela vai ter um pastor virtual no pulso dela. Eu mesmo”.
A igreja vai vender 500 mil pulseiras, a R$ 100 cada. As pessoas só pagam a aquisição. Segundo Neves, o valor será utilizado para pagar os programas de televisão. Ele criou também um “cartão da fé”, no qual, por meio da mesma tecnologia, os fiéis têm acesso a orações e orientações. E vai lançar uma bíblia conectada pelo QR Code, na qual o fiel terá acesso a vídeos e imagens sobre o livro de Gênesis, por exemplo, com histórias e comentários.
“Vamos vender para comprar cadeiras para os templos, pagar a moradia do pastor, criar estrutura do altar. Para abrir uma sede regional, gastamos R$ 1 milhão e, numa sede estadual, mais de um R$ 1 milhão. Se colocar TV e mídia, é muito mais”.
‘Tem que analisar o governo Lula’
Neves votou no ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022. Mas disse não concordar com o ativismo político da maioria das igrejas evangélicas. Criticou, principalmente, a posição de sua ex-igreja, a Mundial. “O líder se declarou apoiador do Bolsonaro. Ele entrou de cabeça nisso. No meu pensamento, não é por aí. A política não pode ser ignorada, porque em todo o campo existe política. Mas o erro das igrejas é se envolver com política. A Deus Proverá não vai se envolver”, avaliou.
“Vamos prestar atenção e fazer a nossa parte para que o país politicamente vá bem. Ou seja, apoiando aqueles que a gente acredita que possam ser apoiados. A ideia é não se envolver com a política, mas envolver Deus na política”, afirmou, sem deixar bem claro como isso será feito na prática. “Em vários momentos na Bíblia, nós percebemos Deus envolvido na política. A Igreja erra quando seus líderes começam a tomar decisões e atitudes com interesses próprios”, acentuou.
Na Mundial, ele disse não ter tido poder de decisão sobre a posição pró-Bolsonaro. Segundo ele, a Mundial perdeu muitos seguidores devido à posição política de Valdemiro Santiago. “Ele se impôs, fez declarações que eu não faria, como, por exemplo, que aquele que não votasse no candidato Bolsonaro seria amaldiçoado. Enfeitou todo o altar com o rosto do Bolsonaro, fez uma vigília para ele, e aquilo revoltou os membros”.
Sobre o ex-presidente, o bispo disse: “Entre a visão do Lula e a visão do Bolsonaro, na época, votei no Bolsonaro. Agora, na Deus Proverá, minha decisão não é só uma decisão do Luciano, pois vai influenciar muitas pessoas. É uma questão de analisar o governo Lula para dizer se amanhã eu votaria ou não, no Lula ou em qualquer outro candidato”.
Indagado se os evangélicos poderão apoiar o governo Lula, disse que, por ele, sim, se o governo estiver correspondendo. “O pastor precisa pensar em todo o mundo. Não posso pensar só no interesse da igreja. Se o governo Lula for satisfatório, mesmo que ele não apoie tanto os evangélicos, se estiver beneficiando o Brasil inteiro, seria egoísmo eu dizer que não votaria nele”, declarou.
Neves também se manifestou sobre o racismo no Brasil. “Deus criou o homem. Se esse homem nasceu branco, negro ou índio, Deus criou. Mas sabemos que, descaradamente, o Brasil sofre com o racismo. Eu mesmo fui vítima várias vezes”.
O bispo disse ter recebido uma ameaça de morte, há três meses, em um aplicativo de mensagens. “Disseram: ‘Se você não parar, de hoje você não passa’”. Neves, agora, anda em sua Land Rover blindada, que havia ganhado na Mundial, com seguranças de sua igreja.
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