Na última quarta-feira, a senadora Eliziane Gama, do PSB do Maranhão e relatora da CPMI do Golpe, afirmou em entrevista que a cúpula das Forças Armadas salvou o país de um golpe de estado: “Acho que as Forças Armadas no Brasil hoje, o Alto Comando, a instituição Forças Armadas impediu um golpe no país. A instituição como um todo não se curvou, não aceitou, na verdade, essa provocação, e tanto que nós não tivemos um golpe no Brasil”.
A afirmação é uma afronta à inteligência do brasileiro que acompanhou minimamente o que foi o governo Bolsonaro. A cúpula das Forças Armadas passou os últimos quatro anos sendo sócia de um governo explicitamente golpista e ofereceu a porta dos quartéis do país inteiro para abrigar os golpistas criminosos. Foi nos acampamentos que se planejou o atentado à bomba no aeroporto de Brasília e os ataques do 8 de janeiro. Tudo isso aconteceu sob a bênção dos militares.
Diferente do que disse a senadora, o golpe só não foi colocado em prática pela cúpula dos militares por falta de apoios internos e externos. Os EUA deixaram claro aos militares brasileiros que haveria suspensão da cooperação militar entre os dois países caso houvesse um golpe de estado. O golpe só não foi concluído por não haver as condições materiais necessárias. O fato é que as digitais da cúpula militar estão impregnadas em praticamente todas as ações golpistas promovidas pelo governo.
Eliziana é uma política séria, que vem fazendo um bom trabalho na relatoria da CPMI e enfrentando com firmeza e sobriedade as provocações de parlamentares golpistas e machistas. Mas essa passada de pano para a cúpula das Forças Armadas é inexplicável.E ela não é a única a pensar assim na CPMI. Quem acompanha os trabalhos da comissão já percebeu que a cúpula das Forças Armadas vinha sendo poupada, apesar da pororoca de indícios contra ela. Nenhum integrante do alto escalão foi convocado até agora para depor. Havia o entendimento entre os integrantes da comissão de que militares que participaram de atos golpistas agiram sozinhos — não a mando dos comandantes.
Mas a fala da senadora envelheceu mal rapidamente. No dia seguinte, durante o depoimento do hacker de Araraquara, Walter Delgatti, a cúpula das Forças Armadas foi tragada para o centro das investigações da CPMI. As falas dele foram devastadoras não só para Jair Bolsonaro, mas também para os integrantes do alto escalão dos militares.
Segundo Delgatti, as tramoias para fraudar as urnas foram planejadas dentro do Ministério da Defesa junto de comandantes das Forças Armadas, com o aval do presidente da República. A CPI foi obrigada a corrigir os rumos e, agora, o entendimento é de que a cúpula esteve diretamente envolvida nas articulações golpistas que culminaram com o 8 de janeiro. Membros do Alto Comando do Exército agora serão convocados a depor. Antes do fim da sessão com Delgatti, a senadora Eliziane Gama foi ao Twitter e desdisse a fala do dia anterior: “Investigaremos na CPMI e não pouparemos ninguém, inclusive, aqueles que se esconderam na farda para cometer atos golpistas. De recruta a general, ninguém será poupado.” Antes tarde do que nunca!
É claro que tudo o que o Delgatti disse precisa ser devidamente checado. Mas, para desespero dos parlamentares bolsonaristas que tentaram desacreditar tudo o que foi dito por ele na CPI, alguns dos episódios relatados já estão comprovados pelos investigadores. E o que já foi comprovado é devastador para Jair Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas.
A investigação já tem provas de que Delgatti invadiu o sistema do CNJ a mando da deputada Carla Zambelli para forjar um mandado de prisão contra Alexandre Moraes, expedido pelo próprio. Está comprovado que Zambelli pagou por esse serviço. O encontro entre o ex-presidente e o hacker no Alvorada também já está comprovado.
Logo após o depoimento de Delgatti na CPMI, Bolsonaro confirmou que houve o encontro com ele e foi além: confessou que o encaminhou para o Ministério da Defesa “para conversar com os técnicos”. Ou seja, o ex-presidente admite que abriu as portas do Ministério da Defesa às vésperas de uma eleição. Só esses fatos já são suficientes para implicar Bolsonaro e a cúpula dos militares como mandantes da trama golpista.
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Delgatti disse que foi ao Ministério da Defesa em cinco oportunidades e que o relatório apresentado pela pasta para descredibilizar as urnas eletrônicas foi elaborado por ele. A ordem para se criar o relatório partiu do general Paulo Sérgio Nogueira, então ministro da Defesa. “A ideia do ministro era que eu mostrasse que não é segura, que a urna é vulnerável. O relatório foi feito nesse sentido, de não comprovar a lisura”, disse Delgatti. Antes de assumir o ministério da Defesa, Nogueira era o Comandante do Exército — cargo que passou a ser ocupado pelo general Marco Antonio Freire Gomes. Segundo o hacker, o coronel Marcelo Jesus — que também fazia parte do Alto Comando do Exército — era o responsável por intermediar o seu contato com o Comandante do Exército. Perceba que as marcas de batom estão por todas as partes nas fardas da cúpula dos militares.
A prisão de Jair Bolsonaro é questão de tempo. Mas a sua prisão não bastará. É preciso que os integrantes da cúpula das Forças Armadas que atuaram pelo golpe também sejam presos. É essa resposta que o Brasil precisa dar para a sua História. Qualquer movimentação para anistiar — mais uma vez — o Alto Comando deve ser rechaçada. É preciso admitir que as Forças Armadas, uma corporação importante para a democracia, está completamente contaminada por uma ideologia de extrema direita que tem o golpismo na sua essência.
É preciso cortar o mal pela raiz. Para isso, é fundamental que os criminosos golpistas de farda sejam responsabilizados. Punir rigorosamente os chefões é o único caminho para que se enterre a cultura golpista que historicamente impera nas Forças Armadas. Essa é a mensagem que deve ser dada às próximas gerações de militares.
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